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Mulheres detidas pela ditadura norte-coreana após tentar fugir do país frequentemente são vítimas de estupros, torturas, trabalho forçado e várias outras violações dos direitos humanos, apontou um relatório produzido pelo Escritório da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Publicado nesta terça-feira (28), o documento registra o relato de 100 mulheres que eventualmente conseguiram fugir da Coreia do Norte e conversaram com funcionários da ONU sobre como era a vida nas cadeias do país.
"É comovente ler essas histórias de mulheres que fugiram de seu país tentando sobreviver, mas que acabaram sendo punidas. São mulheres vítimas de exploração e tráfico que devem ser cuidadas, não detidas e sujeitas a outras violações dos direitos humanos", disse Bachelet. "Essas mulheres têm direito à justiça, verdade e reparação".
As condições nas prisões, segundo o relatório, são desumanas. As celas muitas vezes estão lotadas, as condições são insalubres e sequer há água suficiente para a higiene básica, como lavar as mãos.
"Dentro do kuryujang (centro de detenção pré-julgamento), não fomos alimentadas adequadamente, por isso não tivemos bons excrementos. Os excrementos frequentemente entupiam os vasos. Fomos falsamente acusadas de bloquear o vaso com roupas. Nos pediram para limpar o banheiro com a nossa próprias mãos. Não tínhamos água suficiente para limpar as mãos. Quando os membros da família trouxeram comida, nós estavam com tanta fome que tivemos que comer com as mãos tão sujas. Foi desumano", relatou uma das ex-detentas que foi detida em 2013.
Elas também foram privadas de comida, luz do dia, ar fresco e sono. Muitas relataram que eram obrigadas a ficar sentadas sem se mover e apanhavam se desobedeciam os guardas. Algumas foram vítimas de diferentes formas de violência sexual, incluindo estupro, nudez forçada, buscas invasivas do corpo e abortos forçados. Houve casos de bebês recém-nascidos retirados de suas mães e mortos.
"Não sofri violência, mas a outra mulher engravidou na China, então os guardas sabiam que seu bebê tinha sangue chinês. Esse era um problema, pois as leis locais impediam qualquer mulher norte-coreana de dar à luz um bebê de raça mista. O médico do centro [de detenção] disse-lhe para fazer um aborto, apesar de ela querer manter o bebê. Ela acabou sendo forçada a fazer um aborto", contou uma ex-detenta sobre um caso que teria ocorrido em 2015.
Outra mulher disse que em uma de suas primeiras noites na cadeia, em 2010, foi estuprada por um guarda. "Ele ameaçou que ... Eu seria humilhada se o rejeitasse. Ele até me disse que poderia me ajudar a ser libertada mais cedo se eu fizesse o que ele queria".
Algumas das histórias contadas são de casos que ocorreram nos últimos anos, o que sugere que essas práticas provavelmente ainda acontecem. Há vários relatos de mulheres que foram espancadas enquanto eram interrogadas nas prisões, em 2016 e 2017. Uma delas contou que chegou a desmaiar de tanto apanhar e que qualquer coisa era motivo para violência física. "Ainda sinto o efeito das batidas no meu corpo. Fui espancada por gritar ou por fazer contato visual com eles, por qualquer coisa", disse um ex-presidiária.
Também há extensivos relatos sobre trabalhos forçados no campo. Quem tentava fugir, apanhava. Às vezes os próprios detentos tinham que agredir os desobedientes.
Geralmente essas mulheres são presas sem julgamento ou depois de processos que não atendem aos padrões internacionais. Muitas que tentaram fugir para a Coreia do Sul são consideradas traidoras e recebem um tratamento pior.
"Essas histórias mostram mais uma vez a natureza sistêmica das violações de direitos humanos na RPDC [República Popular Democrática da Coreia] e a necessidade de continuar buscando caminhos para uma responsabilização adequada por esses crimes", disse Bachelet.
No relatório, o escritório de Direitos Humanos da ONU faz uma série de recomendações à ditadura de Kim Jong-un para que alinhe o sistema de detenção da Coreia do Norte às normas e padrões internacionais. Também pede que outros países não deportem os norte-coreanos se houver motivos para acreditar que eles enfrentariam graves violações dos direitos humanos em sua terra natal.