O Departamento de Justiça dos EUA apresentou nesta segunda-feira (28) 13 acusações criminais contra a Huawei Technologies, maior fabricante mundial de equipamentos de comunicação, duas filiadas e e sua diretora financeira, Meng Wanzhou. A medida, que provavelmente intensificará as tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China, detalha acusações de fraude bancária e eletrônica, de violação das sanções dos EUA contra o Irã e de conspirar para obstruir a justiça quanto à investigação do caso.
Autoridades canadenses prenderam Meng em 1º de dezembro, devido a um mandado emitido pelos EUA. Ela foi detida em Vancouver e liberada dias depois sob fiança, mas não pode deixar a cidade. Na segunda-feira à noite, o Departamento de Justiça do Canadá confirmou que recebeu o pedido formal de extradição de Meng dos Estados Unidos. Ela pode pegar até 30 anos de prisão se for considerada culpada de todas as acusações.
De acordo com um comunicado do Departamento de Justiça, pelo menos dois outros réus foram acusados, mas ainda não foram presos. Suas identidades permanecem sob sigilo.
“A atividade criminosa nesta denúncia ocorre há 10 anos e atinge o topo da empresa”, disse o procurador-geral interino, Matthew Whitaker, em coletiva de imprensa nesta segunda-feira. Os americanos alegam que a Huawei, e Meng em particular, mentiram às autoridades bancárias para evitar questionamentos sobre se a empresa burlou as sanções dos EUA que proíbem empresas de fazer negócios com o Irã.
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De acordo com a acusação, em 2013 Meng fez uma apresentação a um executivo de um banco em que ela repetidamente mentiu sobre a relação entre a Huawei e uma empresa no Irã chamada Skycom, a qual os promotores alegam que funcionava como uma subsidiária. A lei dos EUA proíbe os bancos que operam nos Estados Unidos de processar transações em dólar relacionadas ao Irã através dos Estados Unidos.
O Departamento de Justiça também afirmou que quando a Huawei tomou conhecimento da investigação dos EUA em 2017, a afiliada americana da empresa tentou obstruir o trabalho dos investigadores tentando levar testemunhas com conhecimento do negócio da Huawei para a China, onde agentes do FBI não poderiam entrevistá-los.
O diretor do FBI, Christopher Wray, disse que empresas como a Huawei "representam uma ameaça dupla à nossa segurança econômica e nacional, e a magnitude dessas acusações deixa claro até que ponto o FBI leva a sério essa ameaça".
Em Pequim, um porta-voz do Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China chamou as acusações de "injustas e imorais", segundo informou a Reuters.
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A acusação ameaça pressionar ainda mais as relações entre Washington e Pequim, já que as autoridades de ambos os países se preparam para negociações, nesta semana, com o objetivo de colocar um fim à guerra comercial entre os dois países, que contribuiu para grandes oscilações no mercado de ações. Embora o presidente dos EUA, Donald Trump, tenha sugerido que estava disposto a ajudar a garantir a libertação de Meng se a China atendesse às suas demandas por um acordo comercial, autoridades do Departamento de Justiça e Comércio insistiram que o caso criminal de Meng era um assunto separado.
Segunda denúncia
As autoridades também divulgaram uma denúncia separada de 10 acusações no estado de Washington contra duas afiliadas – Huawei Device e Huawei Device USA – de conspirar para roubar segredos comerciais, fraudar e obstruir a justiça. Essa denúncia alega que a Huawei conspirou para roubar da T-Mobile USA os detalhes técnicos de um robô de teste para telefones.
O robô, apelidado de "Tappy", era de grande interesse para a Huawei. A empresa chegou a tirar fotos e fazer medições do robô secretamente e, em um caso, roubou seu braço para que os engenheiros da Huawei tentassem replicá-lo, segundo os promotores. Investigadores disseram que depois que a T-Mobile soube dos esforços da Huawei e ameaçou processar, a Huawei produziu um relatório alegando falsamente que os roubos eram obra de funcionários desonestos. Na verdade, disseram autoridades dos EUA, o FBI obteve e-mails mostrando que, em julho de 2013, a Huawei ofereceu bônus aos funcionários com base no valor das informações que eles roubaram de outras empresas.
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"A Huawei sabia claramente que fazia parte de um esforço organizado para roubar tecnologia", disse Annette Hayes, primeira assistente do advogado norte-americano para o Distrito Ocidental de Washington. "Isso faz parte do modus operandi da Huawei."
Entenda o caso
A Huawei é uma das "campeãs nacionais" da China, uma empresa de US $ 8,4 bilhões promovida e protegida pelo Partido Comunista. A prisão de Meng, filha do fundador da Huawei, Ren Zhengfei, provocou indignação na China, que pediu sua libertação imediata e condenou a medida como um esforço liderado pelos EUA para frustrar a gigante das telecomunicações e restringir as ambições globais da China.
Pouco depois, em um movimento amplamente visto como uma retaliação à prisão de Meng, as autoridades chinesas detiveram dois canadenses, incluindo um ex-diplomata, por acusações de segurança.
As acusações nasceram de uma investigação de longa data conduzida pelas autoridades federais para uma empresa de telecomunicações chinesa rival, a ZTE. Em 2012, investigadores descobriram que a companhia estava desviando secretamente equipamentos de informática fabricados pelos EUA para o Irã por meio de uma empresa de fachada. Essa investigação levou à descoberta de evidências de que a Huawei também estava desviando equipamentos para o Irã através da Skycom.
A Skycom – em cujo conselho de administração Meng teria atuado entre 2008 e 2009, de acordo com a acusação – foi uma das duas filiadas acusadas. A outra chama-se Huawei Device USA.
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Em 2017, a ZTE se declarou culpada de violar as sanções dos EUA contra o Irã e a Coreia do Norte, e pagou US$ 892 milhões em multas impostas pelos departamentos de Justiça, Tesouro e Comércio.
Como parte do acordo, a ZTE admitiu que embarcou equipamentos de telecomunicações dos EUA para o Irã, violando a lei que proíbe o embarque de mercadorias originárias dos Estados Unidos para o país persa. Os investigadores também obtiveram documentos que indicaram que a ZTE copiou alguns dos seus comportamentos de evasão de sanções de outra empresa, de codinome F7, que os investigadores acreditam ser uma referência para a Huawei, segundo duas pessoas familiarizadas com o caso.
Desde a prisão de Meng, autoridades canadenses ressaltaram que seu caso é legal e não político, mas essa mensagem não foi consistente. Para complicar o impasse, Trump sugeriu que estaria disposto a fazer um acordo para garantir a libertação da executiva se isso o beneficiasse em um acordo comercial com a China, levantando preocupações de observadores sobre a possível politização do processo judicial.
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Perguntado segunda-feira se a sugestão de Trump permaneceu uma possibilidade, Whitaker disse: "O Departamento de Justiça dos EUA faz suas investigações e decisões de cobrança independentes da Casa Branca".
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