Os Estados Unidos anunciaram nesta segunda (28) que estão próximos de um acordo de paz final com o Talibã, o grupo insurgente que Washington desalojou do poder no Afeganistão em 2001.
"O Talibã se comprometeu, para nossa satisfação, a fazer o que for necessário para evitar que o Afeganistão venha a se tornar uma plataforma para grupos ou indivíduos terroristas", afirmou ao The New York Times o negociador americano Zalmay Khalilzad.
Em troca disso e de aceitar negociações políticas com o governo em Cabul, os EUA prometem retirar suas tropas do país asiático. É a primeira vez que o governo americano confirma detalhes das conversas, que ocorreram durante uma semana em Doha, no Qatar.
Para um grupo que foi dado como derrotado várias vezes, um acordo será uma vitória política maiúscula do Talibã.
Como os ingleses na era colonial e os soviéticos no passado, os americanos serão vistos como derrotados pelos afegãos, justificando a fama de "cemitério de impérios" do país.
A guerra contra o Talibã
Ter abrigado a rede terrorista Al Qaeda de Osama bin Laden foi o motivo da queda do Talibã do poder, que governou a maior parte do Afeganistão a partir de 1996.
Movimento nacionalista da etnia pashtun, dominante no país, o Talibã ganhou corpo na guerra civil com apoio do vizinho Paquistão.
Dominando 90% do país, o grupo implantou um Estado quase medieval, baseado em uma leitura estrita de leis islâmicas, que chocou o mundo com seu tratamento brutal de mulheres e de adversários.
Em 2001, Osama planejou os ataques de 11 de setembro de 2001 em Washington e Nova York, levando à retaliação americana contra o Talibã.
A guerra subsequente já custou US$ 1,07 trilhão aos cofres americanos e ceifou cerca de 180 mil vidas - 40 mil delas de civis.
O conflito pode ter sumido do noticiário internacional, mas continua. Com ações terroristas e liderando uma coalizão de grupos menores e mais radicais, o Talibã manteve seu combate ao governo central. Só no ano passado, morreram 3.000 civis, em uma média de 64 incidentes diários no país.
As conversas de paz
As conversas com os EUA começaram há nove anos, mas só recentemente progrediram. Como o próprio enviado americano disse, contudo, o que existe é o "esboço de um desenho" do que pode vir a ser um acordo final, com muita chance de dar errado.
Tal comedimento foi compartilhado pelo presidente afegão, Ashraf Ghani, que nesta segunda fez um pronunciamento em rede nacional.
"Nós queremos a paz rapidamente, mas queremos com prudência. Prudência é importante para que não repitamos nossos erros do passado", afirmou.
Desde que os soviéticos deixaram o país em 1989, após dez anos de ocupação militar, uma sucessão de conflitos impediram o Afeganistão de se tornar um país estável. Como lembrou Ghani, muito disso se deveu a acordos não cumpridos entre as partes.
Ele teme, com bastante razão baseado na experiência pós-soviética, que os EUA só queiram deixar o problema para trás. O Talibã hoje tem presença em cerca de 45% do território afegão.
Em termos de controle de distritos, são 14%, contra 55% nas mãos do governo e o restante, disputado, segundo o mais recente relatório do governo americano, de outubro de 2018.
Ghani já ofertou dar lugar à mesa de negociações políticas ao Talibã em outras oportunidades, sem sucesso.
A possibilidade de não contar mais com os cerca de 11 mil soldados americanos em solo afegão, de 13 mil estrangeiros presentes, leva ao temor de que o grupo acabe por tomar o poder à força – seus estimados 60 mil combatentes são mais determinados do que os 350 mil soldados a serviço de Cabul.
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A administração de Donald Trump, contudo, está disposta a encerrar a guerra. Pelo que transpareceu até aqui das negociações em Doha, seu interesse primário é evitar uma repetição do 11 de Setembro, embora a preservação do governo de Ghani também esteja na lista de prioridades apresentadas.
Até aqui, o Talibã não se pronunciou oficialmente, mas sinalizou que está levando a sério a discussão ao apontar o mulá Abdul Ghani Baradar como chefe da delegação em Doha. O religioso é um dos mais experientes líderes do grupo. A nova rodada de conversas começará já em fevereiro.