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Será uma eleição presidencial disputada o fim da democracia americana como a conhecemos?
Isso é o que muitos especialistas e membros da imprensa tradicional americana estão alegando enquanto o presidente Donald Trump contesta os resultados eleitorais em vários estados – tanto legalmente quanto retoricamente.
Parece que grande parte da mídia agora insiste que fraudes eleitorais nunca acontecem, que é igualmente impossível que uma eleição seja roubada ou contaminada de qualquer forma e que passar algumas semanas com dois candidatos rivais declarando vitória (incluindo um que eles realmente não gostam) significa que estamos testemunhando o fim da América como um país livre.
É incrível que seja esse o caso depois que incontáveis democratas, incluindo Hillary Clinton, insistiram que Trump conspirou com os russos para roubar a eleição de 2016, uma história que a maioria dos principais meios de comunicação cobriu por anos sem fornecer qualquer evidência concreta.
Também é divertido ver tantos na imprensa elogiando a ex-deputada estadual da Geórgia Stacey Abrams por seu trabalho para transformar o “Estado do Pêssego”, tradicionalmente republicano, em um estado democrata em 2020.
Abrams perdeu a eleição para governador da Geórgia em 2018 para o republicano Brian Kemp, atual governador, em uma corrida eleitoral que Kemp venceu com uma vantagem de quase 55.000 votos.
Abrams insiste que a supressão do eleitor é a única razão pela qual os republicanos venceram e nunca admitiu a derrota. Mesmo assim, jornais como o Washington Post e inúmeros outros meios de comunicação escreveram perfis especiais sobre ela.
Quaisquer que sejam os resultados das contestações legais de Trump, a situação dificilmente prenuncia um escorregão para a ditadura.
Verdade seja dita, esse tipo de disputa eleitoral nem é incomum na história americana.
Os americanos foram abençoados com um sistema político maravilhoso que resistiu ao teste do tempo. E ele foi testado. Nem todas as eleições foram inteiramente livres e justas, e certamente nem todas correram bem.
Como meu colega, Fred Lucas, autor de “Tainted by Suspicion: The Secret Deals and Electoral Chaos of Disputed Presidential Elections”, escreveu para o Daily Signal, houve pelo menos cinco eleições presidenciais altamente contestadas.
A eleição de 1876, entre o democrata Samuel Tilden e o republicano Rutherford B. Hayes, foi talvez o exemplo mais dramático.
Assim como em 2020, o comparecimento às eleições foi incrivelmente alto, um recorde de 82% dos eleitores registrados. Mas havia uma supressão generalizada, muitas vezes violenta, contra eleitores negros – que na época eram em sua maioria republicanos – no Sul. E fraudes com votos em excesso (mais votos do que eleitores) eram comum em todo o país.
Os partidários de Tilden literalmente pediram sangue se seu candidato não fosse instalado na Casa Branca.
Nenhum dos candidatos admitiu a derrota até pouco antes do Dia da Posse, que na época era no início de março. Assim, o país ficou mais de quatro meses sem saber quem seria o presidente.
A bagunça só foi “resolvida” por uma negociação corrupta de última hora entre democratas e republicanos que entregou a Hayes a presidência em troca do fim da Reconstrução no Sul. (Nota do editor: comentário refere-se ao período que se seguiu à Guerra Civil dos EUA, quando foram feitas tentativas para corrigir as desigualdades da escravidão e seu legado político, social e econômico)
Isso pode parecer uma notícia antiga de uma época distante e estranha, mas não é preciso cavar muito fundo na história política para encontrar exemplos de eleições contestadas e candidatos que se recusam a ceder.
A eleição de 1960 foi uma disputa estreita entre o senador democrata John F. Kennedy e o vice-presidente republicano Richard Nixon. O pleito foi repleto de acusações de que máquinas políticas democratas – em Chicago, em particular – fabricaram votos para Kennedy.
Centenas de funcionários eleitorais em Illinois foram indiciados, mas apenas alguns foram condenados em 1962, depois de admitir ter testemunhado adulteração no 28.º distrito de Chicago.
Nixon de fato se organizou para desafiar os resultados das eleições em Illinois e em vários outros estados, mas no final das contas decidiu conceder pelo bem do país e de sua carreira política. Nixon era jovem e tinha toda a intenção de concorrer à presidência novamente – o que fez em 1968, vencendo uma disputa com três candidatos.
O então vice-presidente Al Gore levou mais de cinco semanas para reconhecer a derrota na eleição de 2000 para o então governador do Texas, George W. Bush, decidido por apenas 537 votos na Flórida. Isso só ocorreu depois de mais de um mês de batalhas judiciais, recontagens e o famoso caso Bush v. Gore da Suprema Corte, que acabou entregando a eleição a Bush.
Gore, duramente, não abriu mão da eleição sem lutar, pedindo recontagens seletivas em condados fortemente democratas da Flórida, enquanto tentava bloquear a inclusão de cédulas de militares que votaram à distância.
Quando todos os caminhos para a vitória se fecharam, Gore finalmente desistiu em 13 de dezembro de 2000 – mais de um mês após a eleição de 7 de novembro.
Muitos democratas em todo o país recusaram-se a aceitar que Bush tivesse sido legitimamente eleito – ou reeleito em 2004.
O que estamos vendo aqui em 2020 não é único, nem sinaliza o fim da democracia. Pelo contrário, é a democracia em ação, em toda a sua confusão.
A maneira de acabar com as disputas eleitorais não é simplesmente esperar que os políticos concedam imediatamente disputas acirradas, mas garantir que nosso sistema de votação seja seguro e protegido, e que seja projetado para minimizar irregularidades, fraudes e erros não intencionais que podem gerar contestação nas eleições.
Talvez as autoridades eleitas devam levar isso mais a sério de 2022 em diante.
*Jarrett Stepman é colaborador do Daily Signal e coapresentador do podcast The Right Side of History. Ele também é o autor do livro "The War on History: The Conspiracy to Rewrite America's Past".