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Nesta segunda-feira (5), a Suprema Corte dos Estados Unidos revogou uma sentença de um tribunal inferior que afirmava que o então presidente Donald Trump agiu de forma inconstitucional ao bloquear algumas pessoas na conta @realdonaldtrump no Twitter enquanto era presidente.
Clarence Thomas, ministro da Suprema Corte que avaliou o caso, concordou com o argumento inicial de que a conta do presidente era um fórum público administrado pelo presidente dos Estados Unidos e que, portanto, ele não poderia suprimir a fala ou críticas privadas que fossem feitas em resposta a suas postagens.
Entretanto, o juiz decidiu que esta sentença não faz mais sentido atualmente porque Trump não é mais presidente e, além disso, sua conta não existe mais dado que o ex-presidente havia sido excluído da plataforma por decisão unilateral da empresa, após a invasão do Capitólio no início deste ano.
Esse último fato ensejou que o juiz inserisse na sentença uma longa discussão sobre o papel das big techs na censura do debate público que pode servir de base para um debate mais amplo nos Estados Unidos.
“Parece um tanto estranho dizer que algo é um fórum governamental quando uma empresa privada tem autoridade irrestrita para eliminá-lo”, argumenta o juiz ao dar seu veredito, destacando as principais dificuldades jurídicas que envolvem as plataformas digitais.
A questão que se coloca é a seguinte: quem tem o poder real de suprimir o discurso online, o então presidente Trump, que excluiu alguns usuários de postar comentários em seu perfil, ou a empresa que o removeu permanentemente da plataforma e impediu que seus 89 milhões de seguidores pudessem acompanhá-lo? Como isso se encaixa dentro do ordenamento jurídico dos Estados Unidos dado pela Primeira Emenda?
O argumento de Clarence Thomas
O juiz argumenta que “se parte do problema é privado – o controle concentrado sobre o conteúdo online e as plataformas disponíveis ao público – parte da solução pode ser encontrada em doutrinas que limitam o direito de excluir de uma empresa privada”, citando a figura jurídica dos “common carriers” [veículos comuns], que são bens que servem ao público em geral, como linhas de trem e de telefone.
Além disso há jurisprudência semelhante que limita o “direito de excluir” de um ente privado nos EUA que rege locais de reunião, como restaurantes e parques de diversões.
Thomas indica como essa doutrina poderia ser aplicada às redes sociais, citando um caso da Suprema Corte em 1980 chamado PruneYard Shopping Center v. Robins.
Na ocasião, a Suprema Corte decidiu que a Califórnia poderia exigir que os shoppings privados permitissem que pessoas distribuíssem ordenadamente panfletos dentro de shoppings sem infringir os direitos de liberdade de expressão do próprio shopping. Isso porque ninguém acreditaria de forma razoável que o shopping endossa tudo que é distribuído dentro de seu estabelecimento.
Essa doutrina poderia ser expandida para os meios online, desde que o Congresso passe legislação específica.
O juiz também faz menção ao quase monopólio que algumas plataformas exercem na internet, apontando que o Google é uma espécie de porta de entrada para 90% dos usuários quando eles não sabem exatamente onde encontrar algo na internet. Twitter e Facebook exercem papéis semelhantes ao seu modo.
E fazendo uma comparação curiosa com a possibilidade que uma pessoa tem de atravessar o Rio Charles em Boston pela ponte, mas poderia “optar” por fazê-lo a nado, demonstra a disparidade que há entre pessoas que têm acesso às plataformas das big techs, e as que não têm.
“Não muda em nada que essas plataformas não sejam o único meio de distribuição de discurso ou informação”. Pois “ao avaliar se uma empresa exerce um poder de mercado substancial, o que importa é se as alternativas são comparáveis. Para muitas das plataformas digitais de hoje, nada é”, argumenta Thomas.
As reflexões do juiz da Suprema Corte não fazem parte, contudo, do centro da decisão do caso em julgamento e não se incorporam à jurisprudência. Como o próprio juiz frisou, a petição “não ofereceu nenhuma oportunidade de confrontar o assunto.”
Mas o recado sobre a preocupação com o controle de um volume cada vez maior do discurso público nas mãos de poucas entidades privadas foi dado. Thomas aponta quem em breve “não teremos escolha a não ser abordar como nossas doutrinas jurídicas se aplicam a infraestrutura de informações privadas altamente concentradas, como plataformas digitais”.
O convite está aberto para o Congresso norte-americano limitar o “direito de excluir” das big techs em nome dos princípios da liberdade de expressão e em defesa da Primeira Emenda.