Há muita coisa errada na política externa dos Estados Unidos hoje, mas um olhar mais amplo sobre as grandes linhas da estratégia norte-americana no pós-Guerra Fria revela até que ponto as coisas deterioraram nos governos dos dois partidos políticos.
Uma longa tendência global de maior paz e estabilidade, menos conflitos e nenhuma guerra entre grandes potências continuou na era do pós-Guerra Fria. Mais paz e menos ameaças apenas intensificaram a segurança já notável da qual desfrutam os Estados Unidos, graças a seu isolamento geográfico, seus vizinhos fracos, seu poderio econômico e militar ímpar e suas armas de dissuasão nuclear.
Mas a América não age como se estivesse em segurança.
Guerra contínua
Mas a América não age como se estivesse em segurança. Em vez disso, temos uma política externa altamente intervencionista. No último século, segundo a Rand Corporation, “houve apenas um período breve – os quatro anos imediatamente posteriores à retirada americana do Vietnã – em que os Estados Unidos não se envolveram em nenhuma intervenção no exterior”.
De fato, “as intervenções militares dos EUA subiram rapidamente em número e escala logo após o fim da Guerra Fria, justamente quando os índices de conflito global começavam a diminuir”.
Segundo dados do Serviço Congressional de Pesquisas, os Estados Unidos lançaram mais intervenções militares nos últimos 28 anos do que em todos seus 190 anos anteriores de existência.* Cerca de 46% dos americanos passaram a maior parte de sua vida com os Estados Unidos em guerra. Vinte e um por cento dos americanos viveram toda sua vida com o país em estado de guerra.
Esse fato sugere a existência de um defeito verdadeiramente perverso em nossa política externa. Em uma era de paz e estabilidade sem precedentes, que deveria permitir uma política externa menos ativista, estamos encontrando razões para intervir militarmente em ritmo extraordinário, convertendo as últimas três décadas em um período excepcional na história americana.
Os americanos têm estado isolados dos piores efeitos
O papel dos EUA no mundo cresceu de modo maciço após a Segunda Guerra Mundial e novamente após o fim da Guerra Fria. Washington adotou políticas e criou burocracias que incentivaram o intervencionismo. Como Joseph Schumpeter escreveu certa vez em um ensaio sobre o imperialismo, “criada pelas guerras que a tornaram necessária, a máquina passou a criar as guerras da qual necessitava”.
Normalizando uma política aberrante
Os americanos têm estado de certas maneiras isolados dos piores efeitos dessa política externa aberrante do pós-Guerra Fria (os custos pesaram mais fortemente pelas populações de alguns outros países destinatários dessa política). Mas houve custos também em casa.
Os Estados Unidos gastaram quase US$15 trilhões com suas forças armadas desde 1990, um valor enorme que supera de muito longe o que foi gasto por qualquer outro país. Esse estado de guerra constante também enfraquece os valores liberais em casa, erodindo os freios e contrapesos constitucionais aos poderes de guerra, incentivando um sigilo governamental excessivo e infringindo sobre as liberdades civis em nome da segurança pública. Nas palavras frequentemente citadas de James Madison, “nenhuma nação pode preservar sua liberdade em meio à guerra contínua”.
A política externa americana incomum do pós-Guerra Fria se normalizou de muitas maneiras.
Como foi previsto, Donald Trump manteve e sob alguns aspectos ampliou o papel militarista e intervencionista da América no mundo. E pode-se dizer que a ascensão de Trump é mais um indício de como as normas democráticas podem se erodir em meio à guerra contínua. Como é o caso com a maioria das coisas, porém, a política externa americana incomum do pós-Guerra Fria e a atitude insolente e derrubadora de convenções de Trump se normalizaram, de muitas maneiras.
Se quisermos escapar desta apatia em algum momento e voltar para uma política externa realista e prudente que seja condizente com o ambiente de pouco risco em que vivemos hoje, teremos que levar em conta os custos altíssimos dessa grande estratégia expansionista e obrigar a burocracia de segurança nacional a aderir à austeridade tão urgentemente necessária.
*Os dados do relatório do Serviço Congressional de Pesquisas são úteis, mas imperfeitos e incompletos. Eles listam 416 “despachos importantes de forças militares americanas ao exterior” entre 1798 e 2017. Citam 212 intervenções entre 1798 e janeiro de 1989 e 204 desde então. Contudo, muitos dos itens individuais citados do século 19 envolvem ações de pequeno porte como o envio de uma pequena força naval para libertar um cidadão americano capturado no exterior ou exibições de força contra piratas ou navios baleeiros que desrespeitavam as regras – despachos pequenos demais para merecer serem citados individualmente em períodos posteriores. Além disso, “operações secretas, de assistência em desastres, exercícios de treinamento militar de rotina e estacionamento rotineiro de tropas em países aliados não foram incluídos”, atividades que são muito mais frequentes hoje do que foram no passado. Devemos levar em conta as muitas guerras secretas e não declaradas com drones travadas pelos Estados Unidos na era do pós-11 de setembro, e, é claro, os programas de coordenação com forças armadas de outros países em zonas de conflito em que militares americanos são feridos e mortos, como aconteceu recentemente no Níger, mas que não constam da lista. Finalmente, o Serviço Congressional de Pesquisas reuniu muitos despachos de tropas e intervenções individuais pós-11 de setembro como um item apenas na lista, apesar de serem claramente itens distintos e terem incluído muitos países em regiões diferentes do mundo. É provável que isso tenha sido feito porque o Executivo os incluiu como um só item quando informou o Congresso – a fonte principal dos dados do Serviço de Pesquisas – sobre as operações. Para destrinchar todas essas discrepâncias de maneira completa e precisa seria necessário um estudo longo, mas os ajustes que eu próprio fiz, que considero conservadores, me levaram a considerar que houve 199 intervenções entre 1798 e janeiro de 1989 e 213 de 1989 até hoje.
John Glaser é diretor adjunto de estudos de política externa no Instituto Cato. Suas áreas de pesquisa incluem grande estratégia, postura de posicionamento de bases, política externa dos EUA no Oriente Médio, a ascensão da China e o papel das motivações de status e prestígio na política internacional.
Conteúdo publicado original no site da Foundation for Economic Foundation
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