Grupos civis condenam ação do governo
A revelação da operação de monitoramento em grande escala das comunicações telefônicas e por internet de milhares de cidadãos, realizadas pelo governo dos EUA, provocou reações de grupos de defesa dos direitos civisa e de respeito à privacidade.
"Trata-se de um programa no qual um número não especificado de pessoas inocentes é colocado sob o controle permanente de agentes do governo", disse Jameel Jaffer, vice-diretor da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU).
"É uma prova de até que ponto os direitos democráticos fundamentais são secretamente submetidos às exigências de agências de inteligência sem controle", acrescentou.
"Agora que este controle anticonstitucional foi revelado, o governo deve acabar com ele e informar sobre seu alcance real", disse Michelle Richardson, do escritório legislativo da ACLU em Washington. "O Congresso também deve fazer uma profunda investigação", acrescentou.
A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) também condenou a ação do governo. Segundo a ONG, que cobrou uma investigação por parte do Congresso americano, trata-se de uma falta de respeito grave à liberdade da informação.
O ex-vice-presidente democrata Al Gore descreveu a prática como "obscenamente ultrajante". Já o senador de Oregon, Jeff Merkley também democrata disse que a ação elevava com intensidade as preocupações uma vigilância exagerada do governo. "Este tipo de coleta de dados sigilosos em massa é uma violação escandalosa da vida privada dos americanos", disse Merkley.
Folhapress
Crítico das práticas adotadas pela gestão de George W. Bush na guerra ao terror após os atentados do 11 de Setembro, o presidente dos EUA, Barack Obama, manteve um controverso programa de monitoramento e compilação em massa de registros telefônicos e eletrônicos de indivíduos e empresas dentro do país, independentemente de pairarem suspeitas sobre eles.
Ultrassecreta, sob o comando da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês), a operação foi revelada pelo jornal britânico The Guardian na noite de ontem. A edição online do periódico publicou a cópia de uma ordem secreta da Corte de Vigilância e Inteligência Externa que obrigou, em 25 de abril deste ano, a operadora de telecomunicação Verizon a repassar diariamente ao FBI (polícia federal) os registros telefônicos de todos os milhões de clientes da sua divisão corporativa. A ordem expira dia 19 de julho.
No fim do dia, o jornal The Washington Post afirmou que o programa não está restrito a chamadas telefônicas. Fontes informaram ao jornal que o FBI e a NSA têm acesso à base de dados de nove empresas de tecnologia sob a operação Prism Google, Apple, Microsoft, Facebook, Yahoo, AOL, Skype, YouTube e PalTalk. São coletadas informações brutas de uso de internet, desde troca de "e-mails" (mensagens eletrônicas, em inglês) até chamadas de voz online, passando por fotos, vídeos, documentos anexos e localização das conexões.
Google, Apple e Facebook negaram ter conhecimento da ferramento.
A notícia da ampla busca de informações sem alvo certo acentuou as críticas de organizações civis, jornalistas e políticos de que Obama, apesar de seus discursos, tem privilegiado a segurança nacional em detrimento das liberdades e direitos civis na política de contraterrorismo. Ele chancela, desta forma, o Estado de vigilância excessiva, em sigilo, com regras e interpretações legais que não são de conhecimento público, e sem prestação de contas, o que ele criticara antes de assumir a Presidência.
Pelo programa, o FBI conduz as investigações, mas cabe à NSA, órgão de espionagem, a análise dos dados. Assinada pelo juiz Roger Vinson, a ordem à Verizon obriga a entrega dos números de origem e destino de chamadas fixas e de celulares provenientes dos EUA, o tempo de duração e a localização de quem ligou e atendeu, além de dados técnicos de identificação de ligações.
A Verizon administra 100 milhões de linhas. Dados pessoais nome, endereço, histórico das contas e o conteúdo das conversas são preservados. Mas, com os registros, a NSA tem capacidade de identificar usuários. O juiz não explica o motivo da ordem e em qual investigação se encaixa. E proíbe a Verizon de comentar a operação.
Justificativa
Programa foi criado em 2006 para "garimpar" grupos terroristas
O polêmico programa de monitoramento foi criado em segredo em 2006 com o objetivo de amealhar o maior número possível de registros de comunicação nos EUA. Segundo o governo, a intenção é, como num quebra-cabeças, garimpar atividades anormais, definir padrões de comportamento e de linguagem e estabelecer a rede de contatos de indivíduos e empresas, de forma a descobrir as associações de suspeitos de ligações com grupos de terroristas e sua forma de atuação, para desmantelá-los e prevenir ataques.
Dentro desta ofensiva, a Prism foi instituída em 2007 e desde então ampliada, tendo se tornado a principal ferramenta de trabalho da NSA no monitoramento de atividades terroristas, segundo o The Washington Post. A Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês), tem acesso aos centros de processamento das companhias, que por sua vez conhecem a iniciativa e estão obrigadas por lei a participar.
Tirando dúvidas
O jornal The Washington Post organizou uma lista de perguntas e respostas para explicar o documento publicado pelo The Guardian e esclarecer o escândalo de captação de informações pessoais.
O governo está ouvindo todas as minhas ligações telefônicas?
Não. De acordo com o documento obtido pelo The Guardian, apenas números como telefones digitados e horário das ligações foram coletados, não o áudio. Mas é possível que a Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês) tenha outros programas que façam isso.
O governo pode coletar informações sem um mandado judicial?
É difícil saber, já que os detalhes são secretos. Mas grupos que lutam pelas liberdades civis argumentam que o executivo abusa do poder que tem e vai contra a Quarta Emenda que regulamenta as apreensões.
Por que a NSA quer tantas informações?
A Agência está provavelmente usando um software para procurar informações que indiquem atividades terroristas. A ideia é que a NSA consiga construir um perfil do "terrorista típico" com esses dados e, assim, localize quem se encaixa nesse perfil.
Isso soa um pouco paranoico. Os oficiais do governo realmente fariam isso?
Há exemplos na história dos Estados Unidos em que houve abuso do poder de fiscalização. O mais famoso é o que causou a renúncia do presidente Richard Nixon em 1974.
O que vem depois?
A descoberta reaqueceu o debate, mas não dá para saber se o Congresso mudará as leis, já que senadores poderosos defendem o programa da NSA. O que é certo é que o governo de Obama vai investigar quem vazou o documento ao The Guardian.