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O governo dos Estados Unidos planejou a criação de um "Twitter cubano", uma rede de comunicações projetada para minar o governo comunista da ilha, usando empresas de fachada constituídas em segredo e financiada por transações com bancos estrangeiros, segundo documentos obtidos pela agência de notícias Associated Press (AP) e revelados nesta quinta-feira (3).

O projeto, que durou dois anos e atraiu dezenas de milhares de assinantes, tentou burlar as fortes restrições que o governo cubano impôs ao acesso à internet no país através de uma plataforma de mídia social primitiva. Em primeiro lugar, a rede ajudaria a se tornar popular entre os jovens em Cuba; em seguida, o plano era estimular a dissidência.

No entanto, os usuários nunca souberam que o projeto foi criado por uma agência dos EUA ligada ao Departamento de Estado, nem que os americanos coletaram informações pessoais sobre eles, na esperança de que um dia esses dados fossem usados para fins políticos.

Segundo a agência, não está claro se o projeto é legal sob as leis americanas, que exigem permissão por escrito do presidente e do Congresso e uma notificação para qualquer operação secreta. Funcionários da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid, na sigla em inglês) se recusaram a dizer quem aprovou o programa ou se a Casa Branca sabia de sua existência. O governo cubano também se recusou a comentar o assunto.

Os detalhes divulgados pela AP parecem contradizer os argumentos da Usaid no sentido de que a agência não pode participar de ações secretas, que podem comprometer sua missão de ajudar populações pobres e vulneráveis no mundo, um esforço que requer confiança e cooperação de governos estrangeiros.

Empresas de fachada atuavam nas Ilhas Cayman

A Usaid e seus contratantes fizeram um esforço significativo para esconder que o projeto tinha laços com Washington, de acordo com entrevistas e mais de mil páginas de documentos obtidos pela AP sobre o desenvolvimento desta iniciativa. Estabeleceram empresas de fachada com sede em Espanha e contas bancárias nas Ilhas Cayman para ocultar transações financeiras e tentaram recrutar executivos de empresas privadas sem dizer que o projeto foi financiado com o dinheiro dos contribuintes americanos.

"Não será mencionada a participação do governo dos Estados Unidos", disse um relatório da Mobile Acord, uma das empresas contratadas. "É absolutamente crucial para o êxito a longo prazo do serviço e garantir o cumprimento da missão".

O projeto, chamado "ZunZuneo", palavra relacionada com o zunzún, como se denomina em Cuba o colibri, estreou pouco depois da prisão em 2009 do americano Alan Gross, que foi condenado à prisão depois de viajar repetidamente para a ilha em outra missão clandestina da Usaid para ampliar o acesso à Internet pelo uso de tecnologia avançada, a que somente tinham acesso os governos.

Em uma declaração, a Usaid expressou que "está orgulhosa de seu trabalho em Cuba para oferecer assistência humanitária básica, promover os direitos humanos e as liberdades fundamentais, e ajudar que a informação flua com mais liberdade ao povo cubano", que disse "ter vivido sob um regime autoritário" durante 50 anos.

A Usaid disse que seu trabalho foi feito em concordância com as leis americanas. Mas o senador Patrick Leahy, democrata por Vermont e presidente da Subcomissão do Senado sobre o Departamento de Estado e Operações no Exterior, disse que as revelações são preocupantes.

"Havia um risco de que os jovens cubanos reutilizassem o serviço em seus celulares, sem saber que era uma atividade financiada por parte do governo dos EUA. Há também a natureza clandestina do programa", disse ele.

O governo cubano se recusou a fazer comentários.

A AP obteve mais de mil páginas de documentos sobre o projeto. Verificaram independentemente o alcance e os detalhes do mesmo com esses documentos, bancos de dados com acesso público, fontes do governo e entrevistas com aqueles que participaram do ZunZuneo.

O projeto de mídia social começou em 2009, após a Creative Associates International, empresa com sede em Washington, ter conseguido meio milhão de números de telefones celulares. Para a AP não está claro como os números foram alcançados, embora documentos sugerirem que foi feito de forma ilegal através de uma fonte dentro da telefonia estatal cubana. Os responsáveis pelo ZunZuneo usaram estes números para criar uma base de assinantes para iniciar o projeto.

Ao final, segundo documentos e entrevistas, a rede reuniria uma massa crítica suficiente para que os dissidentes convocassem em rede encontros massivos, chamados com pouca antecedência, conhecidos em inglês como "flash mobs", e que poderiam provocar manifestações políticas ou "uma renegociação do equilíbrio de poder entre o estado e a sociedade".

O governo cubano mantém um controle férreo sobre a informação e os líderes do país consideram a Internet um "potro selvagem" que "tem que domar". Os líderes do Zunzuneo planejavam tirar Cuba "da inércia mediante iniciativas táticas e temporais, e lançar um processo de transição para a mundança democrática".

Suzanne Hall, funcionária do Departamento de Estado que trabalhava no programa de redes sociais impulsionado por Hillary Clinton, participou de reuniões sobre o ZunZuneo e encabeçou uma tentativa de conseguir que o fundador do Twitter, Jack Dorsey, fizesse parte do projeto. Dorsey se recusou a comentar a respeito da afirmação.

Os organizadores do ZunZuneo trabalharam duro para criar uma rede que pareceria um negócio legítimo. Criaram um portal de Internet com o mesmo nome, e uma campanha, de maneira que os usuários pudessem se inscrever e enviar suas próprias mensagens de texto a grupos de sua escolha.

"A publicidade fictícia lhe dá a aparência de uma atividade comercial", disse um documento de proposta obtido pela AP.

"Os computadores do ZunZuneo também armazenavam e analisavam as mensagens de seus assinantes e outra informação demográfica, incluindo seu gênero, idade, receptividade e tendências políticas".

A Usaid acreditava que a informação demográfica sobre os dissidentes os levaria a ajudar dirigir outros programas que tinham em Cuba e a "maximizar nossas possibilidades de ampliar nosso alcance".

Os executivos criaram uma empresa na Espanha e uma empresa responsável pelas operações nas Ilhas Cayman para pagar as contas da empresa, de modo que "as transações monetárias não indicassem sua origem nos Estados Unidos", disse um memorando sobre estratégia. Isso teria sido catastrófico, eles concluíram, porque iria prejudicar a credibilidade do serviço aos usuários e causar bloqueio pelo governo cubano.

Da mesma forma, as mensagens de assinantes foram enviados através de outros dois países, mas não em servidores nos Estados Unidos.

A Mobile Accord, uma empresa sediada em Denver, considerou contratar uma dúzia de altos executivos que foram entrevistados para dirigir a empresa de fachada na Espanha. Uma das candidatas, Françoise de Valera, disse à AP que nunca disseram nada sobre Cuba ou sobre o envolvimento do governo dos EUA.

James Eberhard, CEO da Mobile Accord e um dos principais participantes do projeto, não quis fazer comentários.

Ao longo de dois anos, o ZunZuneo chegou a ter pelo menos 40 mil assinantes. Mas os documentos de sua equipe revelam que conseguiram provas de que as autoridades cubanas tentaram seguir a pista das mensagens de texto e de tentativas de penetrar no sistema do ZunZuneo. A Usaid disse à AP que a Zunzuneo deixou de funcionar em setembro de 2012, quando terminou uma dotação orçamentária do governo para o mesmo.

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