Os Estados Unidos perderam sua vantagem militar em um grau perigoso e poderiam potencialmente perder uma guerra contra a China ou a Rússia, segundo relatório divulgado na quarta-feira (14) por uma comissão bipartidária que o Congresso criou para avaliar a estratégia de defesa do governo Trump.
A Comissão Nacional de Estratégia de Defesa, composta por ex-altos funcionários republicanos e democratas selecionados pelo Congresso, avaliou a Estratégia Nacional de Defesa de 2018, do governo Trump, que ordenou uma ampla reformulação das Forças Armadas dos EUA para competir com Pequim e Moscou em uma era de renovada competição entre grandes potências.
Embora endossando os objetivos da estratégia, a comissão advertiu que Washington não está agindo rápido o suficiente ou investindo o necessário para colocar sua visão em prática, arriscando uma nova erosão do domínio militar americano que poderia se tornar uma emergência de segurança nacional.
Ao mesmo tempo, de acordo com a comissão, a China e a Rússia estão buscando domínio em suas regiões e a capacidade de projetar poder militar globalmente, enquanto seus governos autoritários buscam construções de defesa voltadas diretamente para os Estados Unidos.
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"Há um forte temor de complacência, que as pessoas se acostumaram tanto com os Estados Unidos conseguindo o que querem no mundo, inclusive militarmente, que não estão atendendo aos sinais de alerta", disse Kathleen Hicks, ex-oficial do Pentágono durante a administração Obama e um dos membros da comissão. "É o alerta vermelho que estamos tentando transmitir".
O panorama da segurança nacional esboçado pela comissão de 12 pessoas é sombrio. Para eles, o exército americano que desfruta de domínio indiscutível há décadas não está recebendo recursos, inovação e priorização que seus líderes precisam para superar a China e a Rússia em uma corrida pelo poder militar reminiscente da Guerra Fria.
O equilíbrio militar mudou negativamente para os Estados Unidos na Europa, Ásia e Oriente Médio, minando a confiança dos aliados americanos e aumentando a probabilidade de conflito militar, apontou a comissão após uma revisão de documentos confidenciais, relatórios do Pentágono e entrevistas com altos funcionários da Defesa.
"Os militares dos EUA podem sofrer baixas inaceitavelmente altas e perder grandes bens de capital em seu próximo conflito. Podem ter dificuldades para vencer, ou talvez perder, uma guerra contra a China ou a Rússia", afirma o relatório. "Os Estados Unidos estão particularmente em risco de ficarem sobrecarregados se seus militares forem forçados a lutar em duas ou mais frentes simultaneamente".
Em sua lista de 32 recomendações, a comissão pediu ao Pentágono para explicar mais claramente como pretende derrotar rivais de grande potência em uma competição militar e em uma guerra. Eles criticaram a estratégia de confiar, às vezes, em "suposições questionáveis e análises fracas", deixando "questões críticas não respondidas".
Investimentos insuficientes
Eric Edelman, alto funcionário do Pentágono durante o governo Bush e quem co-presidiu a comissão junto com o almirante aposentado Gary Roughead, disse que o relatório apontou para as consequências de anos de alertas ignorados sobre a erosão do poderio militar americano.
Rússia e China "aprenderam com o que fizemos. Eles aprenderam com o nosso sucesso. E enquanto estivemos fazendo um tipo diferente de guerra, eles estão preparados para um tipo de guerra mais abrangente que nós realmente não nos envolvemos há muito tempo", disse Edelman a Michael Morell, ex-diretor interino da CIA e membro da comissão, durante um episódio do podcast de Morell, "Intelligence Matters".
Edelman disse também que as pessoas perderam a visão de quão complicado o ambiente de segurança internacional havia se tornado para os Estados Unidos, e argumentou que, por várias razões, o público americano e o Congresso não estavam tão atentos à urgência da situação como deveriam.
A comissão argumentou que, apesar de um orçamento de defesa americano de US$ 716 bilhões este ano, que é quatro vezes o tamanho da China e mais de dez vezes o da Rússia, o esforço para reformular o sistema de defesa dos EUA para combater as ameaças atuais não tem recursos suficientes. Recomendou que o Congresso aumente os limites orçamentários dos gastos com defesa nos próximos dois anos, que no passado prejudicaram a capacidade dos militares de planejar a longo prazo.
"Está além do escopo de nosso trabalho identificar o valor exato, em dólar, para financiar totalmente as necessidades militares", concluiu o relatório. "No entanto, os recursos disponíveis são claramente insuficientes para cumprir os objetivos ambiciosos da estratégia, incluindo a garantia de que (o Departamento de Defesa) pode derrotar um adversário entre as principais potências e, ao mesmo tempo, dissuadir outros inimigos simultaneamente".
O apelo por um gasto de defesa ainda mais robusto ocorre quando os democratas assumem a Câmara e buscam a reversão dos principais programas do Pentágono. Ele também vem depois que a Casa Branca instruiu o Pentágono a reduzir seu orçamento previsto para o próximo ano em cerca de 4,5%, ou cerca de US$ 33 bilhões, depois que o déficit federal aumentou acentuadamente após o corte de impostos do ano passado.
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O assessor de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, disse recentemente que espera que o orçamento de defesa permaneça relativamente estável nos próximos anos, já que o governo tenta reduzir os gastos discricionários e sugeriu que o Pentágono precisa reformular as forças armadas com recursos provenientes de cortes em outras áreas.
Mas o dinheiro poupado das reformas planejadas pelo Pentágono será insuficiente para os investimentos que os militares precisam fazer por meio da nova estratégia nacional de defesa, segundo a comissão. Ele também disse que o Congresso deve examinar todo o orçamento federal, incluindo os gastos com benefícios e as receitas fiscais, para colocar a nação em situação financeira mais estável, em vez de reduzir os gastos com defesa.
Para onde devem ir os investimentos
Para combater a Rússia e a China, a comissão disse que a Marinha deveria expandir sua frota de submarinos e suas forças de transporte marítimo; a Força Aérea deveria introduzir mais plataformas de reconhecimento e caças e bombardeiros de longo alcance; e o Exército deve adquirir mais blindados, mísseis de precisão de longo alcance e forças de defesa aérea e logística.
Em suas recomendações, o relatório defendia a modernização do arsenal nuclear dos EUA e a colocação de um alto funcionário do Pentágono encarregado de desenvolver defesas adicionais de ar e mísseis.
Outra área de foco para a comissão é a inovação.
Eles descreveram os atuais programas de aquisição do Pentágono como avessos ao risco e instaram o Departamento de Defesa e o Congresso a criar uma nova categoria de programas-piloto destinados a tecnologias "de ponta" que pudessem servir como avanços para ajudar a reter o domínio militar americano.
O relatório também fez ressurgir questões sobre a divisão civil-militar, que ganhou destaque depois que o general reformado do Corpo de Fuzileiros Jim Mattis assumiu o cargo de secretário de Defesa, graças a uma votação no Congresso que renunciou à exigência de que militares ficassem afastados por 10 anos antes de assumirem este cargo.
Em seus quase dois anos como secretário, Mattis se baseou mais nos atuais e ex-oficiais militares do que em seus antecessores.
Sem destacar Mattis, a comissão advertiu que "a responsabilidade em questões políticas e estratégicas importantes migrou cada vez mais para as forças armadas", e instou o Congresso a supervisionar para "inverter a tendência não saudável na qual a tomada de decisões está se aproximando cada vez mais dos militares em assuntos de importância nacional".