O secretário americano de Estado, John Kerry, anunciou ontem que os EUA estão trabalhando na construção de uma coalizão global para deter a "selvageria medieval" dos combatentes jihadistas da Síria e do Iraque, que já mataram dois jornalistas americanos.
"Os Estados Unidos entraram em contato com diversos países que têm o desejo de participar dessa coalizão", afirmou a porta-voz do Departamento de Estado, Jen Psaki. "A meta da coalizão é destruir e arruinar o Estado Islâmico [EI], assim como buscar a estabilidade no Iraque e na Síria."
Kerry se comunicou ontem com os governos da Austrália, Itália, Jordânia, Qatar e Emirados Árabes.
Na Estônia, o presidente americano Barack Obama também clamou por uma união contra o EI.
"Sabemos que, unidos com a comunidade internacional, podemos seguir reduzindo a esfera de influência do EI, sua eficácia, seu financiamento e suas capacidades militares", afirmou Obama. Kerry disse que a morte do jornalista Steven Sotloff, de 31 anos, foi, juntamente com o assassinato do jornalista James Foley, no mês passado, "um duro golpe no estômago".
"A verdadeira face do Islã não é a que vimos nos vídeos divulgados pelo Estado Islâmico, quando o mundo testemunhou novamente a incomensurável brutalidade dos assassinos terroristas", declarou Kerry, afirmando que o governo americano punirá os assassinos de jornalistas. "Que aqueles que assassinaram James Foley e Steven Sotloff saibam que os Estados Unidos farão com que paguem, não importa quanto tempo seja necessário para isso", disse Kerry.
"O verdadeiro rosto do Islã não é o de carniceiros e niilistas que só sabem destruir. Não é a de covardes mascarados cujas ações são um grave insulto a uma religião profanada diariamente por essas barbaridades", afirmou o secretário. "O verdadeiro Islã é uma religião pacífica, baseada na dignidade de todos os seres humanos."
Sobrevivente
Um soldado iraquiano sobreviveu a uma execução em massa realizada por jihadistas do EI porque deitou no chão e se fingiu de morto. Ali, um soldado de 23 anos, foi capturado em 12 de junho com milhares de outros homens, quando tentava fugir pela estrada principal de uma base militar.
Análise
Tentativa de exportar democracia fracassaAgência O Globo, em Genebra
As tentativas do Ocidente em particular dos Estados Unidos de criar ou impor a democracia liberal no Oriente Médio fracassaram. E a lista de exemplos é longa: o Iraque está sob ameaça extremista e tomado por disputas sectárias; a Síria, destruída pela guerra; a Líbia, desmoronando nas mãos de milícias; o Afeganistão, sem líder e sem rumo desde junho; e o Egito, com um simulacro de democracia. Há gente perguntando quem tinha razão: George W. Bush, que usou tanques no Iraque com o projeto de impor um "grande Oriente Médio democrático"; seu sucessor, Barack Obama, que praticamente se retirou da região, deixando o Iraque e o Afeganistão se virarem sozinhos; ou os que acham que democracia ocidental não se encaixa no Oriente?
Os três estão errados, diz Philippe Moreau Defarges, especialista do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri). George Bush errou "porque democracia não se impõe : é construída pelas próprias pessoas".
"Bush se confundiu também ao imaginar que o Iraque se resumia a um Estado. Mas não viu que por trás desse Estado há sunitas, xiitas e curdos. Enganou-se completamente por falta de reflexão política", diz Defarges.
Já Barack Obama também pecou por falta de reflexão política, ao decidir não fazer nada numa região que desde o fim da Segunda Guerra vinha sendo "protegida" ou "mantida em paz" pelos Estados Unidos. "Obama está errado porque o Oriente Médio diz respeito aos Estados Unidos", diz o analista.
E quanto à democracia ocidental, diz Defarges, ela traz uma ideia de igualdade que "é inexoravelmente universal". Árabes que se educam e viajam também almejam igualdade. "Árabes, iranianos, não são diferentes de nós [ocidentais]", diz.
Hasni Abadi, diretor do Centro de Estudos e Pesquisa do Mundo Árabe e Mediterrâneo e professor da Universidade de Genebra, diz que o Ocidente errou ao não ajudar na transição democrática dos árabes durante a chamada Primavera Árabe a onda de revoltas que derrubou várias ditaduras na região. "O Ocidente quis que os países árabes se virassem sozinhos e chegassem a uma estabilidade e a uma transição democrática. Impossível! Nenhum país no mundo, na América Latina ou no Leste Europeu, fez transição sem o apoio de democracias ocidentais ou instituições internacionais", explica.
Philippe Defarges não está convencido. Dado o desnorteio da política americana e europeia em relação à região, "um apoio à Primavera Árabe sem uma política de reflexão sobre o que está acontecendo no Oriente Médio não resultaria em nada". E ele constata, num tom pessimista: "Quando o presidente francês François Hollande diz que é preciso agir no caso da Síria e do Iraque, ele se ilude. O Ocidente não consegue mais entender o Oriente Médio".
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