A balança de forças militares da Ásia se equilibrou e começa a pender para o lado da China, em detrimento dos Estados Unidos e seus aliados, levantando questões sobre a certeza de uma vitória americana em caso de guerra contra os chineses nesta região.
Um estudo realizado pela Universidade de Sidney, na Austrália, confirma o que já vinha sendo debatido entre órgãos de defesa americanos, de que a primazia militar dos EUA no Indo-Pacífico terminou e sua capacidade de manter um equilíbrio de poder favorável é cada vez mais incerta.
Desde o início da década de 1950, a posição militar dos Estados Unidos na Ásia se baseou em sua capacidade de derrotar agressores, proteger uma rede de aliados e preservar uma ordem estratégica na qual nenhuma nação única domina. E embora o comércio, a diplomacia e o soft power tenham desempenhado papéis fundamentais nessa ordem, a capacidade incomparável dos Estados Unidos de projetar poder de combate no exterior e superar seus adversários tem sido a garantia final de uma ordem estratégica baseada na busca contínua da primazia militar.
Mas há um entendimento crescente entre pesquisadores e especialistas em defesa de que esta base de estabilidade está em risco. “Muitos agora alertam que os Estados Unidos podem falhar em impedir - ou até mesmo perder - uma guerra limitada com a China, com consequências devastadoras para o futuro cenário estratégico da região”, destaca o relatório.
Isso, contudo, não é novidade para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. No ano passado a Comissão Nacional de Estratégia de Defesa já estava alertando que os Estados Unidos poderiam sofrer “baixas inaceitavelmente altas” e que até poderiam perder uma guerra contra a China e a Rússia. O relatório do Pentágono sobre as Forças Armadas da China, de 2019, também alertava sobre o esforço de Pequim em desenvolver um exército mundial e se tornar "o poder preeminente na região do Indo-Pacífico".
Quatro pontos interligados fizeram com que a situação chegasse a esse ponto, segundo os pesquisadores australianos.
1. Guerras no Oriente Médio
Quase duas décadas de guerra no Oriente Médio desgastaram grande parte das forças armadas americanas, deixando-as pouco preparadas para eventuais guerras contra grandes potências. A prontidão militar - ou a preparação das forças armadas para o combate - tem sido um problema particularmente grave, segundo os pesquisadores da Universidade de Sidney.
“Devido ao alto ritmo operacional das contra-insurgências no Afeganistão, Iraque e Síria, além dos outros compromissos globais das forças armadas, a prontidão geral caiu para níveis perigosos à medida que os serviços se esforçavam para atender às demandas insustentáveis de implantações, manutenção e treinamento no exterior”.
2. Orçamento
Ao mesmo tempo em que exigiam cada vez mais de suas forças armadas, os Estados Unidos estavam reduzindo seus gastos em defesa.
A partir de 2010, devido a uma lei de controle orçamentária para controlar o déficit federal, os gastos reais com Defesa caíram consideravelmente. Entre 2012 e 2017, a perda foi de US$ 550 bilhões em poder de compra líquido, segundo reportagem do The National Interest, publicada em 2019. Como resultado, até 2016, o Exército, a Marinha e a Força Aérea dos EUA estavam em seu menor tamanho desde a Segunda Guerra Mundial.
3. Subinvestimento
Os dois fatores anteriores causaram um subinvestimento nos preparativos para uma eventual grande competição entre potências. O relatório da Universidade de Sidney aponta que nas duas últimas décadas, as prioridades críticas de modernização militar foram adiadas pela pressão financeira, afetando desde a aquisição de caças de quinta geração e investimento em tecnologias avançadas até os investimentos na tríade nuclear americana (bombardeiros, mísseis balísticos intercontinentais e submarinos nucleares).
“As consequências dessa falha na modernização têm sido terríveis. Não só contribuiu para a erosão da superioridade tecnológica dos EUA em relação aos concorrentes, mas deixou as forças armadas com uma força cada vez mais ultrapassada que pode ser ‘irrelevante’ para o tipo de cenários altamente contestados que caracterizarão guerras futuras”, aponta o estudo.
4. O retorno de China e Rússia
Desde o fim da Guerra Fria, a expansão dos compromissos de segurança americanos para um total de 69 países, juntamente com uma ambiciosa agenda de promoção da democracia, colocou os Estados Unidos em uma trajetória estratégica insustentável, segundo os estudiosos australianos. Os custos das intervenções militares, dos Bálcãs ao Oriente Médio, se acumularam, enquanto os adversários melhoravam consideravelmente suas capacidades de defesa.
Isso pode ser observado nos gastos com defesa. Em 1995, os EUA e seus aliados respondiam por 80% dos gastos com defesa no mundo. Hoje essa participação caiu para 52%.
A China implantou mísseis de precisão e outros sistemas de contra-intervenção para minar a primazia militar dos EUA. Ao dificultar que as forças dos EUA operem ao alcance dessas armas, Pequim poderia usar rapidamente uma força limitada para conseguir uma vitória consumada - particularmente em Taiwan, no arquipélago japonês ou no sudeste asiático - antes que os Estados Unidos possam responder, semeando dúvidas sobre uma vitória americana.
Muitas bases operacionais americanas e aliadas no Indo-Pacífico estão expostas a possíveis ataques de mísseis chineses e carecem de infraestrutura reforçada. As munições e suprimentos implantados não estão configurados para responder a tempo e a capacidade de logística dos EUA diminuiu acentuadamente.
Stephen Walt, pesquisador da Harvard University, resume a estratégia dos Estados Unidos ao longo destes anos: “Os recursos disponíveis haviam encolhido, o número de oponentes havia crescido e a agenda global dos EUA continuava se expandindo”.
Agora os EUA estão tentando correr atrás do prejuízo. A estratégia do Pentágono sob a administração de Donald Trump visa enfrentar essa crise de insolvência estratégica, preparando suas forças armadas para uma grande guerra entre potências, em vez de múltiplos conflitos menores, e exortando os militares a priorizar as exigências de dissuasão em relação à China.
Os pesquisadores australianos, porém, alertam que “uma mentalidade de superpotência ultrapassada no establishment da política externa” pode limitar a capacidade dos EUA de “reduzir outros compromissos globais ou fazer as escolhas estratégicas necessárias para ter sucesso no Indo-Pacífico”. As críticas à redução de tropas americanas no Oriente Médio por causa da ressurgência de um califado do grupo terrorista Estado Islâmico exemplificam essa preocupação.
Por isso - além dos problemas fiscais americanos que influenciam no orçamento de Defesa do país - uma estratégia de defesa coletiva está se tornando cada vez mais necessária para compensar as deficiências no poder militar dos EUA na Ásia e conter a crescente força da China, conclui o estudo.