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Opinião

Europa deve aceitar a Turquia

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Londres – "Quantas Franças existem?" Essa pergunta, feita de forma ríspida e insolente pelo primeiro-ministro da Turquia, Recep Erdogan, demonstra claramente o quanto ele está cansado. Cansado de Nicolas Sarkozy (novo presidente francês), cansado da "enrolação" de Bruxelas, cansado de ver 40 anos de esforço diplomático perderem a força e com dores quase cardíacas, por assim dizer, ao tentar prever o futuro de seu país.

O que causa todos esses transtornos, obviamente, é o fantasma das duas Turquias com o qual ele está tentando lidar. A Turquia Européia e a da Ásia Menor, do outro lado do Bósforo: uma Turquia secular, que leva às ruas milhões de pessoas para defender a democracia, e a Turquia muçulmana, onde os turbantes e as mesquitas dominam a paisagem; a cidade cosmopolita de Istambul, uma metrópole com mais de 17,5 milhões de habitantes, que cresce a cada dia, e Anatólia, uma cidade rural onde os poucos habitantes que ainda restam armazenam batatas nos porões da casa para sobreviver outro rigoroso inverno; uma Turquia democrática, onde só os políticos eleitos exercem o poder; e uma Turquia militar, vivendo sob a ameaça constante do chefe do exército.

Na realidade, a entrada da Turquia na União Européia (UE) está se tornando um sonho cada vez mais distante. O Iraque fez com que o interesse dos norte-americanos na afiliação dos turcos perdesse toda e qualquer importância. E todos aqueles que pareciam mais animados – incluindo a Grã-Bretanha – foram perdendo o ânimo e hoje não passam de murmúrios.

A velha Europa pode até ter dado sua palavra e entrado nas negociações com boa fé, mas uma Europa ainda mais antiga que essa soube como se esquivar. Desta maneira, não importa o rebuliço que aconteça em Paris, não houve muita mudança de curso neste caso, só uma ilusão.

Qual é a penalidade que se deve aplicar por deixar a Turquia do lado de fora? As razões pelas quais se deve receber Ancara neste clube fechado são mais fortes que nunca. Uma delas Erdogan aponta quando fala sobre uma "aliança de civilizações", e complementa ao afirmar que "a liberdade não exclui, nem é divisória".

A introversão é um fator dominante em Istambul, pois jornalistas, professores universitários e o resto da população sempre debatem sobre qualquer assunto, mesmo os mais triviais, como se fosse o assunto mais especial do mundo. Será que o presidente deve usar turbante? Kemal Ataturk (fundador do Estado turco) foi um Thomas Jefferson do século 20? Quem irá vencer a eleição destinada a acabar com o impasse sobre islâmicos ou secularistas no poder?

Estas são preocupações internas da elite turca. E são também o foco de um país na busca de sua definição. A tentação é jogar o secularismo e o esclarecimento ocidental no "mesmo saco", e assim deixar os pobres urbanos e rurais bandearem-se para o partido de Erdogan (AKP).

Leste versus Oeste, educados versus ignorantes: um conflito inevitável. Isto é bobagem. As pessoas que fizeram as manifestações pró-secularismo em Izmir, na semana passada, não estavam apelando a Bruxelas para que abrisse suas portas. Muito ao contrário. Seus slogans eram nacionalistas, pois eles estão preocupados em manter lugar o deles numa Turquia desprezada pela Europa. Foram Erdogan e seus apoiadores muçulmanos que lideraram a campanha pela adesão, prometeram a toda a nação compromissos que os generais iriam cumprir, instituíram reforma atrás de reforma para poder estar de acordo com os requisitos de afiliação. E são eles que não têm para onde ir agora. Voltar ao poder depois de vencer a próxima eleição? Provavelmente.

O AKP trouxe progresso econômico suficiente para convencer a população de que pode trazer ainda mais. Mas sem a Europa, não existe mais um caminho a trilhar, não existe mais a compulsão que motivava o partido. O país encontra-se numa encruzilhada. Teerã e Bagdá, e todo seu caos inevitável, não se encontram muito longe desta situação. O nacionalismo que vem nascendo, um misto de laços e aspirações, o faz mais vulnerável.

Para onde a Turquia irá se não for para perto da Europa? O que o país vai se tornar se não virar, de fato, um "porteiro" para a Europa? Por mais que existam 3.200 km entre Montparnasse, em Paris, e a Ásia Menor, as conexões são quase inegáveis. Existe só uma Turquia e ela está lutando por uma identidade moderna. E, ai de mim, existe uma só Europa de duas caras, que está se encolhendo por medo e negando sua própria palavra, auto-interesse e dever.

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