Era 30 de março quando Belgrado, na Sérvia, amanheceu com outdoors ocupados pelo retrato do secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCCh), Xi Jinping, sobre o fundo da bandeira do país e uma frase: "Obrigado, irmão Xi". Pagos por um jornal sérvio pró-governo, a imagem se tornou símbolo da nova projeção do poder chinês e da renovada assertividade da política externa da China durante a pandemia de Covid-19.
As ações viraram alvo de contestação não só de líderes conservadores, como o presidente americano, Donald Trump, mas também de moderados, como o francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã, Angela Merkel. E isso no momento em que Pequim aprofunda a chamada "rota da seda sanitária", expressão de sua "diplomacia das máscaras e respiradores", produtos essenciais para o combate à pandemia e os quais têm no país o maior produtor mundial.
Os líderes ocidentais questionam a conduta chinesa no início da pandemia. Teria o país alertado a Organização Mundial da Saúde (OMS) a tempo ou escondido a informação sobre o novo vírus? Essa desconfiança e a dependência dos países de produtos médicos chineses essenciais à defesa de suas populações trará consequências às relações internacionais.
"O vírus passou a ser, neste momento, o eixo central de confrontação", afirmou o ex-embaixador brasileiro em Pequim Roberto Abdenur. Ele identifica a origem da maior "assertividade" da chancelaria chinesa com a ascensão de Xi à direção do PCCh, em 2012. "Até então, a China tinha uma política externa mais discreta. Xi Jinping liberou essas forças. A China alcançou a modernização econômica, militar e tecnológica e, por isso, sua diplomacia passou a ser mais assertiva".
Europa vs. China
Nesta semana, após atrito com a China, o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, disse que a Europa "deve se tornar mais geopolítica". Ele lembrou que a Comissão Europeia considera a China ao mesmo tempo um parceiro e um rival sistêmico, o que não os impede de colaborar. "Mas isso só pode acontecer enquanto a China respeitar a UE. E esse nem sempre é o caso. Às vezes, Pequim joga sua fichas na fragmentação da UE."
As declarações ao jornal Le Monde são o resultado de duas semanas de tensões entre os países, desde que o embaixador chinês em Paris, Lu Shaye, fez publicar um texto com críticas aos governos e à imprensa ocidentais. Para a embaixada, "a vitória da China sobre a epidemia despertou rancor". "Com teses fabricadas, apresenta-se a China como a grande responsável pela pandemia. Mas o fato de que tenham subestimado a epidemia e demorado para tomar medidas, tornando-a incontrolável, não lhes pesa na consciência nem lhes perturba o sono."
Além da propaganda do regime, a embaixada afirmava que funcionários de instituições para idosos na Europa estavam abandonando pacientes com Covid-19 à própria sorte. E usava a sigla francesa Ehpad para designar esses lugares. Acusava ainda 80 parlamentares franceses, que apoiavam Taiwan, de ofender o secretário-geral da OMS, Tedros Adhanom, etíope eleito para dirigir a organização com o apoio da China, em 2017, chamando-o de "negro". Era falso.
Le Drian convocou Lu Shaye e pediu explicações. Após a França, foi a vez da Alemanha. Merkel questionou o papel da China na pandemia de Covid-19, afirmando que o governo chinês devia ter "a máxima transparência a respeito da gênese do coronavírus. "Quanto mais a China prestar contas ao mundo com transparência, melhor será para todo o planeta".
"A briga não é só comercial, mas estratégica, uma disputa pela hegemonia política, econômica e tecnológica", disse Abdenur. E a China, que foi uma das principais beneficiadas pela globalização sabe que vai perder mercados.
"Após a crise, a globalização será muito mais marcada por questões geopolíticas. A economia global está mudando e ela precisa se preparar para um mundo mais hostil a ela também em função de seu tamanho", conclui o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Oliver Stuenkel.
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