A onda de violência na noite de ano-novo em Colônia e em outras cidades da Alemanha desencadeou um debate em todo o país sobre a integração dos refugiados, sobretudo daqueles vindos de países árabes, onde há discriminação contra as mulheres. Algumas nações da Europa chegaram a iniciar programas de ensino aos recém-chegados sobre as regras de tratamento ao sexo oposto.
Bassam Saadeh, libanês de 21 anos que chegou a Berlim no ano passado, diz que o “excesso de liberalismo” que predomina na Europa faz com que muitos homens jovens e solteiros fiquem “confusos”. “Acostumados a ver as mulheres cobertas da cabeça aos pés, os jovens árabes sofrem um choque cultural quando chegam à Alemanha, onde as mulheres podem até mesmo a se despir para se bronzear em lugares públicos”, diz o libanês.
Segundo o cientista político egípcio Samad Abdel Samad, a violência contra as mulheres ocorre nos próprios países árabes, onde o extremismo religioso, inclusive depois da chamada “primavera árabe”, parece ter levado a um aumento na violência contra a mulher. Autor do livro Der Untergang der Islamischen Welt (A Decadência do Mundo Islâmico, em tradução livre), Samad diz que já presenciou, no Egito e em Marrocos, cenas de assédio sexual coletivo ainda piores do que os acontecimentos do réveillon em Colônia.
Cerca de 95% das mulheres egípcias já foram vítimas pelo menos uma vez de assédio ou de algum tipo de violência sexual, e 46% são alvos frequentes. De acordo com Samad, esses números podem estar aumentando, sobretudo por causa da religião. Uma situação diferente daquela de décadas atrás, quando países como o Egito, a Síria ou o Iraque experimentaram processos de modernização, com as mulheres entrando na universidade e na competição por uma vaga no mercado de trabalho.
“Há 40 anos, era rara a egípcia que cobria a cabeça com um véu. A sociedade já era machista, mas os casos de abuso eram poucos. Hoje, quase todas as mulheres andam inteiramente cobertas e, por incrível que pareça, há mais casos de violência sexual”, lembra Samad.
A avenida Sonnenallee, no bairro berlinense de Neukölln, é como um microcosmo da discriminação. Sem ter o que fazer, os jovens começam a frequentar os vários cafés ainda durante o horário comercial, por volta das duas da tarde. A maioria da clientela é muçulmana, sobretudo árabes, e todos são homens. As mulheres são vistas nas ruas, caminhando três passos atrás do parceiro, ou sozinhas, transportando sacolas de supermercados ou empurrando carrinhos de bebês.
Hakim Skeif, palestino nascido no Líbano há 23 anos, lembra que esse ócio forçado pode ser também um dos motivos do desequilíbrio dos jovens que desencadearam a onda de violência em Colônia no ano-novo.
“Trabalhar demais não é bom, mas ficar sem fazer nada o dia inteiro por falta do direito de trabalhar é muito pior”, diz Hakim.
Apesar da promessa de velocidade no processo de asilo político, o tempo de espera por uma decisão é longo. Só depois da conclusão do processo, o refugiado tem o direito de trabalhar.
Para Fadilah Taufik, síria de 35 anos, muitos países árabes têm a opressão da mulher como lei. “Veja a Arábia Saudita, um país que tem excelentes relações com o Ocidente, onde a mulher está ainda longe de conseguir a igualdade de direitos”, diz ela, que é apoiada em sua opinião pelo marido, Kalil Taufik, de 40 anos.
Para ele, o mundo islâmico sofre não somente com a desigualdade de gêneros: “Quase todos os países estão em crise, o terrorismo é uma ameaça. Temos muitos problemas exatamente por causa das forças que lutam contra a modernização do mundo árabe”.
A tese do casal de sírios é compartilhada pelo cientista político Guido Steinberg, da Fundação de Ciências Políticas de Berlim. Segundo ele, os últimos ataques sexuais contra mulheres na Europa partiram principalmente de homens que vieram dos países mais afetados pela crise econômica e por conflitos armados.
Já o também cientista político Gunnar Heinsohn acredita que a falta de controle seria provocada também por um outro aspecto: o fato de que, em muitos países árabes, os homens e as mulheres só têm uma vida sexual depois do casamento. “Por isso, esses homens veem as mulheres ocidentais como prostitutas, porque elas em geral têm a experiência sexual antes do casamento”, diz.
Kalil e Fadilah, em Berlim há cinco anos, dizem-se otimistas de que as crianças árabes serão adultos emancipados, da mesma forma como hoje o são os europeus, que passaram por um processo de liberalização sexual há bem mais tempo. Esse futuro pode ser visto nas salas da União dos Pais Árabes, onde meninos e meninas aprendem a conviver juntos desde cedo. A ideia do grupo é lutar por meio da educação para romper com a tradição de que as mulheres devem cuidar da casa e só trabalhar com a permissão do marido - um discurso comum na pregação do imã da mesquita al-Nur, que fica bem próxima dali.
A Europa, que nos últimos meses recebeu milhões de refugiados, quer educá-los para que a convivência com o sexo oposto da geração atual de árabes já seja pacífica. Em Sandnes, no Oeste da Noruega, entrou em funcionamento um curso com o objetivo de ensinar os homens refugiados que, quando uma mulher veste uma minissaia ou uma blusa decotada, isso não significa que ela está “disponível”.
Segundo Nina Machibya, uma das encarregadas do projeto, os jovens refugiados têm interesse em permanecer nos países onde conseguiram asilo. O curso pode ajudar na integração. Por isso, iniciativas semelhantes foram criadas na Suíça. De acordo com a política Silvia Schenker, da Basiléia, a experiência começou nos cantões de Genebra e Valais. Os recém-chegados participam de conversas com especialistas sobre como as mulheres suíças podem se vestir de forma ousada, sem que isso tenha qualquer significado.
Na Alemanha, o assunto é abordado em cursos de integração dedicados a todos os aspectos da vida no país. Em vez do tema sexo, as aulas acentuam a importância da igualdade de gêneros, como uma grande conquista da sociedade.
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