A morte de Evita Perón provocou uma profunda comoção na sociedade argentina na metade do século passado. O fato, que completa 60 anos no próximo dia 26, ainda é motivo de polêmica entre historiadores e especialistas. Para muitos, a primeira-dama foi uma liderança carismática, que defendia o direito das mulheres e dos trabalhadores. Para outros, no entanto, ela foi um instrumento político do governo, usado para manipular a população.
Quando morreu, em 1952, Eva Perón foi embalsamada. O plano do viúvo, Juan Domingo Perón então presidente da Argentina , era construir um mausoléu e deixar o corpo dela em exposição. O golpe militar que o depôs do poder veio antes disso acontecer.
Poucas personalidades do século passado tiveram a mesma honra que Evita. Ao embalsamar o corpo da primeira-dama, Perón reafirmava a importância da mulher para seu governo e criava um mito que, ainda hoje, mora no imaginário argentino.
"Eva Perón teve muito clamor popular. Na época, chegou a ser considerada para o cargo de vice-presidente [declinado porque estava doente]. Era venerada por trabalhadores e contribuiu ativamente no governo do marido", diz Rachel Soihet, historiadora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Pelas argentinas, Evita legalizou o voto feminino e criou uma divisão de mulheres do Movimento Nacional Justicialista, o partido peronista (ao qual a presidente Cristina Kirchner é filiada). Além disso, ela inaugurou escolas e incentivou através de entidades do governo o desenvolvimento da indústria argentina.
"Ela foi uma mulher extraordinária, que chegou muito antes do seu tempo. Morreu com apenas 33 anos e tinha muitos projetos em andamento", afirma Mário Gaspar Sacchi, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
Nascido na Argentina, Sacchi chegou a ver Evita de perto na década de 1940. Quando tinha sete anos (hoje tem 74), o pai o levou à estação ferroviária de Laboulaye, na província de Córdoba. Perón e a mulher faziam uma visita no local. "Lembro bem da beleza dela, com uma pele quase de porcelana. Tinha uma incandescência que ficou muito marcada na minha memória".
Propaganda
A figura de Evita também desperta muitas críticas de argentinos e especialistas. Maurício Natel, professor de direito internacional da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), afirma que a primeira-dama foi um instrumento de propaganda do governo.
Para o especialista, Perón aproveitou a tradição da América Latina de culto às personalidades para enaltecer a figura da mulher. "Ela era bonita, trabalhava com caridade e na defesa dos pobres. Isso reforçava uma imagem positiva para o próprio governo, que tinha tons autoritários", diz.
Não por acaso, depois da morte de Eva, o presidente perdeu força política e foi deposto em 1955. Ele voltou ao poder em 1973, mas morreu vítima de um enfarte no ano seguinte. Quem então assumiu o governo do país foi sua segunda mulher, Isabelita Perón que aproveitou a fama da ex do marido para se reafirmar.
"Isabelita chegou a deixar o corpo embalsamado de Evita em exposição para a população entre 1974 e 1976. Era um jeito de reafirmar a grandeza argentina através da memória dela", observa Natel.
Primeira-dama
A socióloga Neuma Aguiar, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acredita que o maior legado de Evita foi ter redefinido o papel de primeira-dama. "Ela encontrou uma saída política interessante, que foi atuar socialmente. Isso teve muita repercussão em toda a população argentina na época, e seu nome desperta emoções até hoje."