Protestos derrubam mais um ministro
A polêmica em torno da construção da estrada na Bolívia que corta reservas naturais indígenas na Amazônia já derrubou dois ministros bolivianos. Após a titular da Defesa, Cecilia Chacón, que deixou o cargo na segunda-feira, ontem foi a vez do ministro do Interior, Sacha Llorenti, renunciar.
"Vou me defender das acusações [de ter ordenado a repressão aos indígenas]. Faço pública a decisão de renunciar para evitar qualquer tipo de instrumentalização política do incidente", disse Llorenti.
Novos protestos, incluindo marchas, greves de fome e a convocação de uma greve geral, surgiram ontem em repúdio à repressão policial contra a manifestação dos indígenas. O que era um movimento contra a estrada tornou-se uma contestação ao próprio presidente socialista.
Estudantes da estatal Universidade San Andrés, a maior da Bolívia, paralisaram o centro de La Paz com uma manifestação de apoio aos indígenas.
Outras regiões registraram marchas e greves de fome. No departamento amazônico de Beni, região de origem da maior parte dos indígenas envolvidos no protesto, teve início uma greve por tempo indeterminado.
Cerca de 200 indígenas permanecem acampados na localidade de Rurrenabaque, onde discutem se irão retomar a marcha de 600 quilômetros até La Paz.
AFP
"Presidente pagará alto preço por seus erros"
O presidente Evo Morales pagará um alto custo político pela repressão aos indígenas. A opinião é do analista político e professor Carlos Cordero, da estatal Universidad Maior de San Andrés, em La Paz. Nesta entrevista à Agência O Globo ele diz que a Bolívia está presenciando um movimento de reacomodação de suas forças políticas e cada vez está mais claro que o governo perdeu parte de sua base de sustentação.
A decisão do presidente da Bolívia, Evo Morales, de suspender a construção de uma estrada financiada pelo Brasil não conseguiu estancar a crise política: indígenas anunciaram que seguirão mobilizados e setores urbanos, incluindo a maior central sindical boliviana, prometem fazer greve amanhã.
Acuado pelos protestos contra a repressão violenta aos manifestantes antirrodovia no último domingo, Morales anunciou na segunda-feira à noite a interrupção das obras, a cargo da brasileira OAS.
O presidente não precisou se a paralisação só afetaria o trecho polêmico o 2, que cortará um parque nacional de 1,1 milhão de hectares e que nem começou a ser construído ou abarcará toda a estrada. Os trechos 1 e 3 já estão em obras.
Empresa brasileira
Ontem, o porta-voz da OAS na Bolívia, Pablo Siles, informou que, para cumprir o contrato, a construtora seguirá trabalhando nos setores 1 e 3 da rodovia até receber uma notificação oficial. Até as 21 h (de Brasília) de ontem, não havia contato formal do governo com a empresa.
A estrada de 306 km tem custo de US$ 402 milhões, US$ 332 milhões dos quais virão do BNDES. A OAS realiza trâmites para receber US$ 64 milhões do banco brasileiro referentes às primeiras obras.
O embaixador do Brasil em La Paz, Marcel Biato, afirmou que a suspensão da obra total ou apenas o trecho não iniciado não altera as condições de financiamento.
"Interromper os demais trechos é uma decisão soberana da Bolívia. No fundo, nos afetaria muito pouco, porque o recurso, o reembolso do BNDES, é liberado por trechos e de acordo com obras executadas", disse Biato.
Se a obra for paralisada totalmente, podem ser afetados até 700 trabalhadores da OAS, a maioria deles bolivianos, que já estão trabalhando nos trechos 1 e 3.
Segundo a reportagem apurou, a construtora brasileira espera que se acalmem os ânimos políticos e que se esclareçam os próximos passos do governo para estudar eventuais medidas a tomar.
O contrato da OAS com o Estado boliviano é do tipo fechado: a empresa arca com eventuais oscilações de preço de matéria-prima.
Mas situações extremas como a paralisação por longo período por motivos políticos não estavam contempladas. Em caso de uma eventual desistência da obra por parte da Bolívia, a OAS poderia discutir ressarcimento do montante já investido.
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