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Não é apenas o governo de Jair Bolsonaro que foi colocado na berlinda sobre como coordenou o combate à pandemia de coronavírus no país. No Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson também passa por um momento de tensão de seu governo. Assim como os brasileiros param para assistir às sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado, os britânicos também dão uma pausa em suas atividades para acompanhar nesta quinta-feira (26) o depoimento de Dominic Cummings, que foi o homem forte de Downing Street no início do mandato de BoJo.
Johnson, o primeiro líder mundial a admitir estar contaminado por Covid-19, acabou por afastar Cummings de seu governo em 13 de novembro do ano passado, depois de desentendimentos entre os dois e de um forte desgaste que sofreu publicamente. Entre outras coisas, o então conselheiro foi flagrado em uma viagem pela Inglaterra, enquanto o governo impedia a locomoção de seus cidadãos para conter a disseminação do vírus.
Figura controversa, Cummings foi apontado como o idealizador da estratégia de "imunização de rebanho" no país. O Reino Unido foi uma das últimas nações europeias a decretar o lockdown, e tomou a decisão por pressão de vizinhos, mas depois decidiu manter uma linha dura nas regras de isolamento social e agora, com a vacinação também avançando, a vida no país começa a voltar ao normal.
Assim como no Brasil, a imprensa local acompanha seu depoimento em uma comissão do Parlamento britânico. Afinal, Cummings é visto como uma "bomba" para o governo local por saber demais. No mínimo, será um momento embaraçoso para o premiê. E ele não está decepcionando os que ficaram indignados com a falta de ação do governo no momento que as primeiras informações sobre a rapidez e a letalidade do surto começaram a surgir. "O governo do Reino Unido falhou publicamente na resposta da Covid", afirmou aos parlamentares, desculpando-se às famílias "daqueles que morreram sem necessidade". "Dezenas de milhares de pessoas que morreram não precisavam ter morrido", afirmou.
O ex-conselheiro-chefe do primeiro-ministro disse que "ministros, altos funcionários e conselheiros como eu ficaram desastrosamente aquém do que o público espera durante uma crise como esta".
Ele acusou o ministro da Saúde Matt Hancock de estar "completamente errado" ao sugerir que a imunidade coletiva nunca fez parte do plano original do governo. Hancock foi abordado por jornalistas mais cedo e saiu correndo da imprensa. As imagens viralizaram nas redes sociais como um meme.
Cummings continuou a focar sua artilharia em Hancock durante o depoimento, dizendo que ele "deveria ter sido demitido" por "pelo menos 15 a 20 coisas" erradas que teria feito, incluindo mentir em reuniões. O ex-conselheiro disse também que, em fevereiro do ano passado, Boris Johnson avaliou a doença como "a nova gripe suína" e "apenas uma história para assustar". Johnson chegou a dizer que poderia tomar uma injeção do vírus ao vivo na televisão "para que todos percebam que não há nada para se temer".
O depoente chegou a fazer mea culpa, se desculpando por seus erros, mas garantiu que não estava só e que Downing Street "falhou" quando a população "mais precisava de nós". Cummings, porém, garantiu que a mídia "exagerou maciçamente" o poder de sua influência no endereço Número 10, residência oficial do premiê. Em participação em outra sessão no Parlamento, que acontece sempre às quartas-feiras na Câmara dos Comuns (o equivalente à Câmara dos Deputados brasileira), Johnson disse que não acompanhava a participação de seu ex-funcionário.
Cummings também descreveu o primeiro-ministro como "alguém que muda de ideia dez vezes por dia" e levou aos parlamentares que sofreu ameaças de morte por ter sido apontado como o disseminador da ideia de imunização de rebanho. Para ele, o problema é que Johnson não traçou uma linha de ação e a seguiu.
"Ele (o premiê) era como um carrinho de compras se espatifando de um lado a outro do corredor", ilustrou. O ex-conselheiro disse que se tivesse realmente poder, teria "estalado os dedos" e agido, citando que gostaria de ter feito uma política de fronteira séria, tornado o uso de máscaras obrigatório e demitido Hancock.
Cummings fez uma série de alegações contra Boris Johnson, a quem descreveu como "não apto para o cargo". Segundo ele, Johnson fez pouco caso do surgimento do coronavírus, dizendo que o vírus era apenas "uma nova gripe suína". O premiê britânico disse que preferia ver "os corpos se empilhando" do que ordenar um terceiro lockdown no país, segundo o relato de Cummings.
O ex-assessor disse ainda que, em retrospectiva, é óbvio que o Reino Unido deveria ter decretado um lockdown na primeira semana de março, no máximo, e disse que foi uma "grande falha" de sua parte não ter alertado o primeiro-ministro. "Eu me arrependo amargamente de não ter apertado o botão de emergência mais cedo do que o fiz", acrescentou.