Os líderes do último secretariado da extinta guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) reconheceram nesta quinta-feira (23) à Justiça Especial para a Paz (JEP) e parentes dos sequestrados crimes cometidos durante os cativeiros, como estupros, trabalhos forçados e até mesmo assassinato.
“Reconheço que, apesar de não ter sido uma política e uma prática dirigidas pelo secretariado, houve atos de violência sexual nos sequestros realizados como parte dos exercícios de controle do território”, disse o último comandante das Farc, Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko, em declaração lida durante o terceiro dia das audiências de reconhecimento da JEP.
Antes deste reconhecimento perante o órgão criado pelo acordo de paz de 2016 para julgar crimes contra a humanidade cometidos durante o conflito colombiano, os ex-guerrilheiros ouviram um depoimento anônimo de uma das vítimas que foram estupradas enquanto sequestradas.
“Ainda sinto esse medo porque me lembro sempre desse estupro. Foram três homens que tiveram relações comigo, enquanto meus pés e mãos estavam amarrados com um cadeado”, relatou a mulher.
“Viemos para reconhecer que esta política, além de ter tirado a liberdade das pessoas, foi acompanhada de maus-tratos e ações degradantes durante o processo de cativeiro e faz parte de uma conduta muito séria e repreensível, que é classificada como crimes de guerra e crimes contra a humanidade”, comentou Pastor Alape, outro dos ex-comandantes das Farc.
Este reconhecimento ocorre no contexto do caso 01, “Tomada de reféns, privação grave de liberdade e outros crimes simultâneos cometidos pelas Farc-EP”, que está sendo investigado pela JEP e no qual milhares de colombianos, incluindo civis, policiais e militares, foram vítimas, por razões políticas e econômicas.
Em uma das audiências que a JEP realizou antes da acusação, outro refém, Alexander García, disse que tinha sido sujeito a trabalhos forçados.
Ele foi sequestrado no departamento de Vichada, na fronteira com a Venezuela, e sujeito a “trabalho com castigos”, como limpar pastagens, semear erva ou colher milho, e quando foi liberto, depois da constatação de que não fazia parte de nenhuma organização paramilitar, foi punido.
“Disseram-me que tinha um ano de multa, que não podia sair de Vichada”, disse López, que enfatizou que a multa era, como lhe foi dito, “pela comida dada durante o tempo como refém e pelos medicamentos dados enquanto doente”.
Desaparecidos
“A minha presença aqui tem apenas um propósito: poder selar este luto”, declarou Vladimiro Bayona, um idoso cujo filho foi sequestrado em 2000, em Palmira, no Valle del Cauca (sudoeste), juntamente com um colega estudante, e nunca mais voltou.
“Não quero ouvir falar dos momentos anteriores a esse vil assassinato, mas o que preciso é que nos ajudem a encontrar (o corpo)”, disse aos ex-guerrilheiros.
“Só te perdoarei, caro Pablo Catatumbo, no dia que me disser: 'Vladimiro, encontramos os restos mortais do seu filho'”, complementou, apontando para um dos ex-guerrilheiros.
Vladimiro Bayona destacou que os filhos é que deveriam enterrar os pais, e não o contrário, mas apesar de todo o sofrimento, pediu à Colômbia para “encontrar em todos os corações essa paz estável e duradoura”.
“Apesar de todo o mal que me fizeram, não os odeio, mas não posso perdoá-los até ver o meu filho e saber onde posso ir para rezar por ele”, disse o pai.
Assim como ele, outras famílias exigiram a verdade e saber onde estão os seus parentes que foram levados cativos.
“Sabemos que há aqueles que retornaram às suas casas com a saúde debilitada, outros com danos permanentes e outros que até perderam as suas vidas e nunca voltaram para casa”, disse Timochenko, que acrescentou que “é uma tragédia” da qual os ex-guerrilheiros se sentem “profundamente envergonhados”.
A JEP conseguiu identificar 21.396 vítimas de sequestro pelo nome e número de identificação no caso estudado, em crimes pelos quais até agora acusou a última liderança das Farc.
Após estas audiências, que nesta quinta-feira chegam ao fim, o passo seguinte é a acusação e a sentença da JEP, que, dependendo do grau de verdade e aceitação de culpa pelos envolvidos, não poderá envolver prisão e, de qualquer forma, será focada na reparação das vítimas.
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