O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, alienou muçulmanos do mundo todo ao usar um discurso cristão e absolutista para debater questões de política externa, afirma a ex-secretária de Estado do país Madeleine Albright.
- Trabalhei para dois presidentes que eram homens crentes, e eles não faziam da religião deles uma parte da política americana - disse a ex-secretária, referindo-se a Jimmy Carter e a Bill Clinton, ambos democratas e cristãos.
- A certeza do presidente Bush a respeito daquilo em que acredita e sobre a separação entre o bem e o mal é, a meu ver, algo diferente - afirmou Albright, que acaba de publicar um livro sobre a religião e as questões mundiais. - A verdade absoluta é o que faz de Bush algo tão preocupante para alguns de nós.
O atual dirigente americano, um republicano, reconheceu publicamente que sua fé em Cristo o ajuda a tomar as decisões na qualidade de líder do país. Bush diz, por exemplo, que pediu a ajuda de Deus antes de invadir o Iraque.
Alguns muçulmanos acusaram-no de iniciar uma cruzada contra o Islã, uma cruzada parecida com as realizadas na Idade Média. A Casa Branca (sede do governo dos EUA) diz não ter nada contra o Islã, mas diz ser contra os que realizam atos terroristas em nome dele.
Albright, no entanto, afirma que o absolutismo religioso de Bush tornou a política externa norte-americana "mais rígida e mais difícil de ser aceita por outros países".
Em seu livro, "The mighty and the Almighty" ("O poderoso e o Todo-Poderoso"), a ex-secretária de Estado lembra como Bush, um ex-governador do Estado do Texas, afirmou acreditar que Deus desejava fazê-lo presidente.
O livro transcreve um trecho do discurso proferido por ele durante uma convenção do partido republicano, em 2004, quando afirmou: "Temos um chamado de além das estrelas para defender a liberdade".
- Parte dessa linguagem passa simplesmente dos limites - afirmou Albright à Reuters, no domingo, durante uma visita a Londres para promover seu livro. - Quando ele diz: "Deus está do nosso lado", é algo muito diferente das palavras do (presidente dos EUA Abraham) Lincoln dizendo: "Temos de estar ao lado de Deus".
A ex-secretária de Estado -- que trabalhou para Carter nos anos 1970 e liderou a política externa dos EUA sob o comando de Clinton entre 1997 e 2001 -- diz que a guerra no Iraque "pode acabar, no final das contas, sendo vista como um dos maiores desastres políticos da história americana".
Ela descreve o conflito como pior que a Guerra do Vietnã -- não em termos de número de pessoas mortas, mas porque o Oriente Médio é uma região muito mais instável que o sudeste da Ásia.
Albright também criticou "a crescente influência do Irã" na região e advertiu sobre a possibilidade de o conflito entre os muçulmanos xiitas e sunitas poder transformar-se em uma "guerra total entre árabes e persas".
- Não deveríamos contribuir para o que é uma luta histórica e antiga entre os sunitas e os xiitas - disse.
Questionada sobre suas crenças, a ex-secretária afirmou ter "raízes religiosas bastante confusas".
Nascida e criada como católica na então Checoslováquia, na Grã-Bretanha e nos EUA, ela se converteu ao anglicismo quando se casou. Apenas mais tarde, Albright descobriu ter raízes judaicas. É esse legado que a faz desconfiar de qualquer religião que diga ter acesso exclusivo à verdade.
Hoje em dia, ela se descreve como uma "episcopaliana (anglicana dos EUA) com uma formação católica", lembrando como costumava e costuma rezar para a Virgem Maria.
- Sei que acredito em Deus, mas tenho dúvidas. E a dúvida é parte da fé - afirmou.