Um bom apostador sempre coloca seu dinheiro no pessimismo se o assunto for os conflitos do Oriente Médio. A situação, ao que tudo indica, só tende a piorar. Porém, todo este "glamour" que a atividade bélica nesta região atrai está baseado em uma crença falha. Acredita-se de maneira velada que a guerra entre israelenses e palestinos é algo exclusivo, como se fosse o único conflito na história mundial que não pode ser resolvido ou muito menos chegar a um fim.
Apesar dos horrores que vêm acontecendo em Gaza, vale lembrar que o mundo já passou por batalhas tão terríveis quanto esta, mas que já foram resolvidas. Quer seja o regime do apartheid na África do Sul ou o banho de sangue que durou 30 anos na Irlanda do Norte, existiram dias negros em que ninguém acreditaria que o sangue iria parar de ser derramado.
Consideremos a Irlanda do Norte: o país que já foi sinônimo de briga é hoje uma invocação da paz. Se os republicanos e unionistas norte-irlandeses que já desejaram a morte uns dos outros podem hoje dividir o governo do país, podemos ter certeza de que israelenses e palestinos não precisam brigar para sempre.
Esta mensagem está sendo fortemente divulgada pelo primeiro-ministro irlandês e Gerry Adams, dirigente do Sinn Fein, partido nacionalista da Irlanda do Norte. Os políticos alegam que os países em guerra do Oriente Médio devem aprender com a Irlanda do Norte e iniciar "diálogos de paz" o quanto antes. Na Inglaterra, Tony Blair não se cansa de citar o exemplo irlandês como um precedente muito educativo.
Dizer que os conflitos palestinos se diferem da questão irlandesa seria declarar o óbvio: nenhum conflito é igual a outro. Os elementos mais radicais do IRA nunca almejaram, nem em nível retórico, a destruição da Grã-Bretanha. Mas o Hamas, por sua vez, luta pela erradicação do Estado de Israel (embora algumas pessoas próximas do grupo palestino dizem que essa diretriz está ultrapassada).
Além disto, quaisquer sejam as brutalidades realizadas pelas forças militares britânicas na Irlanda do Norte, não existiram bombardeios aéreos a Belfast em nenhum momento. O Estado foi conivente com certas mortes, mas o exército britânico jamais bombardeou prédios inteiros em Falls Road (região de Dublin, capital da Irlanda do Norte) por suspeitar que houvesse uma célula do IRA conspirando algo em um de seus apartamentos.
No entanto, também existem similaridades importantes. Em ambos os casos, os dois lados da peleja entraram em disputa por um pequeno pedaço de território. As semelhanças não param por aí: assim como no caso palestino, a maioria unionista irlandesa reclamava de lutar sozinha, sem o apoio e a compreensão do resto do mundo. As diferenças religiosas nunca foram postas de lado e a questão demográfica era importantíssima: um grupo certamente passaria o outro em número de pessoas.
Qual é a solução? Algumas das medidas básicas tomadas na Irlanda do Norte para se estabelecer a paz podem ser utilizadas no caso do Oriente Médio, desde que israelenses e palestinos utilizem o dom da imaginação e bastante boa vontade.
Como primeiro passo, Israel poderia, hipoteticamente, emitir uma real declaração de interesse em negociações. Caso isso acontecesse, poderíamos fazer uma alusão à declaração feita em 1990 pelo então secretário de estado da Irlanda do Norte, Peter Brooke, em que alegou que o governo britânico não possuía "interesses econômicos ou estratégicos egoístas" para manter a província. Caso Israel fizesse uma declaração não ambígua de que planeja desocupar as áreas da Cisjordânia e retirar os assentamentos, abrindo assim espaço para um estado palestino viável, o mesmo efeito profundo também seria obtido no Oriente-Médio.
Aqueles que são contrários à ideia de Israel ser mais ousado deveriam ler a entrevista extraordinária que Ehud Olmert deu a Yediot Achronot no dia em que realizou sua renúncia em setembro do ano passado. "Precisamos realizar um acordo com os palestinos baseado na nossa retirada de quase todos, senão todos, os territórios (ocupados)", disse Olmert. Indicando ter compreendido a sabedoria na manobra de Brooke, ele sugeriu que houve "genialidade" de Menachem Begin ao forjar uma paz com o Egito que "começou pelo final. Ele começou dizendo: Estou pronto para remover até o Monte Sinai vamos negociar".
É desconfortante lermos estas palavras agora, pois percebemos que o mesmo Olmert que entendeu como deveria estabelecer a paz naquela época é o Olmert que incentiva a guerra hoje. Mesmo assim, podemos constatar que a paz é possível.
O segundo passo teria obrigatoriamente que ocorrer dentro das cabeças de palestinos e israelenses: perceber que uma solução militar jamais será possível. O caminho da paz na Irlanda do Norte começou a ser trilhado quando as forças britânicas concluíram que jamais conseguiriam combater o IRA e quando o IRA percebeu que jamais expulsaria as tropas da província se continuasse utilizando a força.
Da mesma forma, o Hamas concluiu que bombas suicidas em ônibus israelenses e mísseis disparados contra cidades ao sul de Israel irão apenas atrasar, jamais terminar, a ocupação. Israel precisa entender que um movimento como o Hamas, com raízes fortemente alastradas por todo o solo de Gaza, não pode ser exterminado com o uso da força. Que, ao contrário do que se acredita, fazer chover fogo sobre Gaza terá o mesmo efeito sobre o Hamas que as prisões tiveram sobre o IRA: o movimento irá recrutar uma geração ainda mais forte e habilitada de combatentes e militantes.
O próximo passo é ainda mais difícil. Adams solicitou a Israel que estabelecesse diálogo direto com o Hamas, o que ensinou ao país a lição irlandesa de que a paz só funciona quando existe envolvimento total. Tarefa nada simples. Os republicanos não puderam participar da mesa de negociações antes de prometerem praticar a não-violência e atingirem seus objetivos através de meios pacíficos, exclusivamente. Israel conseguiu se apoiar no precedente do Ulster e declarou que não irá negociar com o Hamas antes que o movimento renuncie à violência.
A declaração, no entanto, é carregada de riscos, visto que o principal conselho dos republicanos que tiveram a chance de conversar com os líderes do Hamas foi o de justamente incentivar que o movimento continue unido. Um Hamas pacífico seria uma facção dentro do próprio Hamas. Não seria de grande valia se parte do Hamas optasse por meios pacíficos enquanto o "verdadeiro Hamas" ficasse à solta. Adams e Martin McGuinness resitiram a qualquer medida que pudesse ocasionar uma divisão republicana. O resultado foi que, quando eles finalmente estavam prontos para fechar um acordo, o acordo persistiu.
Uma vez iniciadas as negociações, a Irlanda do Norte deu um conselho paradoxal: cada lado deve fortalecer seu adversário. Londres e Dublin sempre foram cautelosas para garantir que qualquer medida, quer seja do lado nacionalista ou no lado unionista, não fosse tomada em vão. Caso fosse, aqueles que tivessem realizado promessas ou assumido compromissos cairiam em descrédito perante seu próprio povo.
Israel não vem demonstrando a mesma sabedoria. O Hamas está forte hoje em grande parte devido aos rivais do Fatah terem sido ridicularizados perante os próprios palestinos. Eles desistiram da "luta armada" e reconheceram Israel e o que ganharam com isto? Mais postos de controle e assentados na Cisjordânia do que tinham antes.
Sob este prisma, uma das maiores oportunidades desperdiçadas foi a retirada israelense de Gaza em 2005. Ao invés de entregar o território simbolicamente à Autoridade Palestina, liderada pelo Fatah, concedendo assim uma compensação aos mais moderados, Israel saiu dali unilateralmente permitindo ao Hamas conclamar a área como uma vitória obtida através do uso da violência.
É tarde demais para se desfazer o ocorrido. No lugar disso, Israel deve tomar os mesmos árduos e longos passos que trouxeram paz à Irlanda do Norte. Os israelenses terão de utilizar canais indiretos para atingir aqueles dentro do Hamas e eles existem a favor de reconciliação para agradá-los e encorajá-los para que se posicionem de forma a favorecer negociações de paz.
Isto não precisa necessariamente levar décadas. Existem elementos dentro do Hamas mais prontos para negociar a paz, pôr fim à ocupação e criar um Estado palestino de acordo com o que foi estabelecido em 1967, do que Israel consiga imaginar. O país precisa encarar a paz como seu objetivo primordial e entender de uma vez por todas que, apesar de que o problema não possa jamais ser resolvido com o uso da força, ele tem uma solução ao alcance de todos.
Tradução: Thiago Ferreira
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