Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
descrédito

Expectativa prejudica missões da ONU

Rebeldes do grupo M23, que ocupa territórios do Congo, estão entre os alvos da missão de paz comandada pela ONU no país | Michele Sibiloni/AFP
Rebeldes do grupo M23, que ocupa territórios do Congo, estão entre os alvos da missão de paz comandada pela ONU no país (Foto: Michele Sibiloni/AFP)

Criadas com o objetivo de apaziguar conflitos, garantir estabilidade política e ajuda humanitária, as missões de paz desenvolvidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) há algum tempo são alvo de questionamentos. Nos últimos anos têm aumentado as críticas à atuação do órgão, por não ter conseguido promover grandes avanços em regiões problemáticas como Afeganistão, Síria e as Coreias.

Nos próximos meses, um brasileiro vai assumir o comando da missão de paz na República Democrática do Congo, país africano que sofre com a guerra civil há quase duas décadas. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, 60 anos, será o coordenador da única missão autorizada a intervir diretamente no conflito, de modo a neutralizar os grupos armados.

Com a experiência de quem comandou a missão no Haiti entre 2007 e 2009, Santos Cruz não vê descrédito sobre a atuação da ONU. "Quando a ONU coloca uma missão em prática existe um excesso de expectativa. E quando se espera demais existe um descompasso", afirma em entrevista à Gazeta do Povo.

Como deve atuar essa missão de paz no Congo, já que atualmente ela é a única com autorização para intervir em um conflito?

As missões são estabelecidas com a finalidade de estabilizar o país e trazer a paz para algumas regiões. Entre essas tarefas estão promover a governança e a prática política de maneira mais organizada, protegendo principalmente os civis, que não estão envolvidos diretamente nos conflitos e que são os que mais sofrem. Nosso foco principal serão crianças, mulheres e idosos, que acabam sofrendo com a falta de assistência humanitária. Também é função da ONU facilitar acordos políticos e paralisar os conflitos. Nossa missão final não muda, que é estabelecer a paz onde existe conflito.

Qual é o quadro que lhe espera no país?

Tenho acompanhado a situação do Congo, que vem de uma história bastante conturbada. O país sofreu muito com a divisão política, com os diferentes interesses e a ação de grupos rebeldes. São essas as áreas que precisam ser estabilizadas, especialmente na parte leste do país, onde estão os problemas mais graves.

O senhor acredita que existe hoje um descrédito das missões da ONU, que muitas vezes acabam não conseguindo pacificar conflitos e garantir a estabilidade de determinadas regiões?

Eu vejo as críticas como normais porque, quando se estabelece uma missão da ONU, há uma esperança de que todos os problemas sejam consertados. É preciso entender que as missões só existem em locais que já são problemáticos, que têm uma estrutura frágil, um governo frágil e conflitos sérios. Às vezes, quando a ONU coloca uma missão em prática, existe um excesso de expectativa. As missões de paz têm atuado com vigor, mas a influência da ONU também tem suas limitações. E quando se espera demais existe um descompasso. Toda missão tem seus altos e baixos, mas no geral tem-se conseguido bons resultados, com efeitos sociais positivos, estabilização política e ajuda humanitária.

O senhor comandou a missão de paz no Haiti entre 2007 e 2009. Quais as diferenças entre aquela missão e a que vai ao Congo?

Cada missão é única e a complexidade varia de acordo com as particularidades de cada país, mas existem algumas comparações que podem ser feitas. O Haiti é um país mais próximo e, por estar na América Latina, tem uma realidade que se aproxima um pouco mais de nós. Outra diferença importante é que o Haiti tem uma dimensão territorial pequena, enquanto o Congo tem praticamente o tamanho da Europa Ocidental, é um território bastante grande para ser ocupado. E as motivações dos conflitos também são diferentes. No Congo se trata de um conflito étnico, mais complexo e que tem características muito específicas.

Em que a experiência adquirida no Haiti pode ajudar nessa nova missão?

A experiência ajuda muito, já que no Haiti conseguimos colocar em prática ações importantes no processo de pacificação. E a forma de atuar deve ser semelhante, já que o foco principal são as mesmas pessoas, aquelas que estão vulneráveis e sofrendo mais.

* * * * *

Conflitos

Em quase duas décadas, guerra civil no Congo deixou milhões de mortos

Com quase 70 milhões de habitantes, a República Democrática do Congo é o segundo maior país da África. Os conflitos no país,

anteriormente chamado Zaire, tiveram início em 1994, após o genocídio de Ruanda. Em seu período mais sangrento, entre 1996 e 2003, a guerra civil deixou cerca de 4 milhões de mortos, segundo a ONU.

Diversos grupos rebeldes se ramificaram pelo país, sendo que o maior deles é o Movimento 23 de Março (M23), formado por ex-militares e que em 2012 tomou o controle de diversas áreas do Congo. Desde julho de 2010, quando a missão foi criada, 55 soldados da ONU morreram em ataques rebeldes.

Pioneira

No último dia 28 de março, uma resolução do Conselho de Segurança da ONU deu à missão de paz no país um mandato para ocupar territórios dominados por grupos rebeldes, em especial o M23. É a primeira vez que uma missão tem autoridade para usar da força a fim de recuperar as áreas dominadas pelos rebeldes.

O Conselho de Segurança diz que o caso tem "base excepcional", "não cria precedente" e também não prejudica os princípios que gerem as missões de paz.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.