Os ataques contra a minoria rohingya em Mianmar ocorreram, em parte, porque o Facebook não tomou as medidas necessárias para impedir a disseminação de conteúdo falso e de ódio, diz um novo relatório encomendado pela própria companhia.
Segundo o documento, posts e contas na rede social incentivaram e ampliaram a tensão entre os muçulmanos rohingya e a maioria budista do país de 53 milhões de habitantes, muitas vezes levando a casos de violência.
"Apesar de não ser possível entender perfeitamente a relação direta entre o conteúdo no Facebook e a violência no mundo real, o Facebook se tornou um meio para aqueles que querem espalhar o ódio e causar danos", diz o documento divulgado na segunda (6).
Além dos rohingya, outros grupos também podem ser alvos de violência criada a partir das redes sociais, em especial mulheres e crianças, diz o documento.
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O estudo foi conduzido de maio a setembro e foi feito a partir da análise de postagens no Facebook e de entrevistas com ativistas de direitos humanos de Mianmar e com moradores do país, incluindo vítimas de violência.
"Há indicativos que grupos organizados usaram diversos perfis falsos e páginas para espalhar discurso de ódio, fake news e desinformação para ganho político. Rumores divulgados pela mídia social foram associados com a violência comunitária e atos de linchamento coletivo", diz o texto, feito pela organização Business for Social Responsibility (BSR), com sede em San Francisco, nos Estados Unidos.
Mais de 25 mil rohingya já morreram desde o início da atual onda de ataques, que começou em agosto de 2017, e cerca de 700 mil tiveram que fugir do país.
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O estudo mostra que o aumento do acesso à internet em Mianmar a partir de 2013 fez o Facebook se tornar onipresente no país, a ponto de praticamente todos os habitantes terem conta na plataforma.
"O predomínio de discurso de ódio, desinformação e pessoas mal-intencionadas no Facebook teve um impacto negativo na liberdade de expressão, de reunião e de associação para os usuários mais vulneráveis de Mianmar", diz o relatório.
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O estudo é o primeiro documento do Facebook a admitir a ligação entre a rede social e a violência em Mianmar, mas em entrevista em julho o fundador e CEO da empresa, Mark Zuckerberg, já tinha afirmado que a rede social provavelmente tinha alguma culpa no que ocorreu no país.
Um relatório da ONU divulgado em agosto, que acusou a cúpula militar do país de genocídio contra os rohingya, também já tinha criticado o Facebook por sua inação em conter o problema.
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O Facebook já tomou uma série de medidas para tentar conter a situação e no fim de agosto, após sugestão da ONU, removeu as contas de diversos líderes militares birmaneses. O relatório desta segunda, porém, não detalha os resultados dessas iniciativas.
Em vez disso, o documento faz uma série de recomendações à empresa, em especial em preparação para a eleição de 2020, que "provavelmente será um foco de discurso de ódio, perseguição, desinformação, incitação à violência e outras ações feitas para afetar o processo políticos", afirma o texto.
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Entre as principais medidas sugeridas pelo novo documento estão a criação de uma política global de direitos humanos para o Facebook e a implementação de uma equipe específica para atuar em Mianmar.
Em resposta ao novo relatório, o gerente de política de produtos do Facebook, Alex Warofka, escreveu um texto no qual reconhece os erros da empresa no último ano, mas defende as medidas recentes adotadas e se compromete a continuar trabalhando para resolver a questão.
"O estudo conclui que, antes deste ano, nós não estávamos fazendo o suficiente para ajudar a prevenir que a plataforma fosse usada para fomentar a divisão e incitar a violência no mundo real. Nós concordamos que podemos e devemos fazer mais", disse ele.