| Foto:

São Francisco, EUA - É começo de tarde numa quinta-feira e Dianne Bates, de 40 anos, alterna três te­­las. Ela ouve algumas músicas no iPod, digita um e-mail rápido em seu iPhone e volta sua atenção à tevê de alta definição.

CARREGANDO :)

Enquanto Bates faz tudo isso, ela também movimenta suas pernas rapidamente numa máquina de step, numa academia no centro da cidade. Ela não está sozinha. Em academias e qualquer outro lugar, as pessoas usam celulares e outros dispositivos eletrônicos para fazer de tudo – até como antídoto contra o tédio.

Os telefones celulares, que nos últimos anos se tornaram computadores completos com conexões com a internet de alta velocidade, permitem que as pessoas aliviem o tédio dos exercícios, a fila do supermercado, semáforos fechados ou pausas na conversa do jantar.

Publicidade

A tecnologia deixa a vida divertida e potencialmente produtiva. Mas cientistas apontam um efeito colateral inesperado: quando as pessoas mantêm seus cérebros ocupados com dados digitais, estão perdendo um tempo de inatividade que poderia fazer com que elas aprendessem melhor e se lembrassem de informações, ou pensassem em ideias novas.

Bates, por exemplo, poderia ter a mente mais limpa se fosse correr na rua, longe de seus dispositivos, sugerem as pesquisas.

Na Universidade da Califórnia, em São Francisco, cientistas descobriram que quando os ratos passam por uma experiência nova, como explorar uma área desconhecida, seus cérebros mostram novos padrões de atividade. É somente fazendo uma pausa na exploração, porém, que eles processam esses pa­­drões de maneira a criar uma memória persistente da experiência.

Os pesquisadores suspeitam que a descoberta também se aplique a como os humanos aprendem.

"Quase com certeza, o tempo de inatividade deixa o cérebro repassar as experiências, solidificá-las e transformá-las em memórias permanentes em longo prazo", afirma Loren Frank, professor assistente do departamento de fisiologia da universidade, onde se especializa em aprendizado e memória. Ele diz acreditar que, quando o cérebro é constantemente estimulado, "você interrompe esse processo de aprendizado".

Publicidade

Na Universidade de Michigan, um estudo descobriu que as pessoas aprendiam significativamente melhor após uma caminhada na natureza do que num denso ambiente urbano, sugerindo que processar um bombardeio de informações deixa as pessoas fatigadas.

Embora as pessoas sintam que estão se divertindo, até mesmo relaxando, en­­quanto realizam múltiplas tarefas simul­­taneamente na academia, ou assistindo a um vídeo rápido no ponto de ônibus, elas podem estar sobrecarregando seus cérebros, segundo os cientistas.

"As pessoas acham que estão se revigorando, mas na verdade estão fatigando a si mesmas", afirmou Marc Berman, neurocientista da Universidade de Michigan.

Mesmo assim, existe hoje uma indústria completa de desenvolvedores de softwares móveis, competindo para ajudar as pessoas a aliviar a coceira do entretenimento. Flurry, uma empresa que rastreia o uso de aplicativos, descobriu que os jogos de celulares são usados em média durante 6,3 minutos, e que muitos são jogados em intervalos muito mais curtos. Um jogo bastante popular, que envolve amontoar blocos, é jogado du­­rante uma média de 2,2 minutos.

Os fabricantes de jogos de hoje estão tentando preencher pequenos pedaços de tempo livre, segundo Sebastien de Halleux, co-fundador da PlayFish, uma empresa de games pertencente à gigante industrial Electronic Arts. "Em vez de termos longas pausas relaxantes, como uma conversa de duas horas no almoço, ficamos com inúmeros desses micromomentos", teorizou. Os fabricantes de jo­­gos como a Electronic Arts, diz ele, "reinventaram a experiência do jogo para encaixá-la em micromomentos".

Publicidade

Muitos profissionais, obviamente, têm boas razões para checar seus telefones constantemente. Mas isso pode co­­brar um preço mental. Henry Chen, de 26 anos, mecânico de automóveis autônomo em São Francisco, tem sentimentos diferentes em relação aos seus hábitos no BlackBerry.

"Eu verifico ele o tempo todo, sempre que tenho uma pausa", disse Chen. Mo­­mentos antes, ele trocava mensagens de texto com um amigo enquanto esperava na fila de uma padaria; ele só parou quando a mulher atrás do balcão o interrompeu para anotar seu pedido.

Chen, que abriu sua empresa recentemente, não quer perder um cliente em potencial. Porém, desde que trocou seu celular por um BlackBerry cheio de re­­cursos, ele diz se sentir estressado pelo que descreve como uma pressão interna para estar constantemente em contato.

"Isso se tornou uma exigência. Não necessariamente uma exigência do cli­­en­­te, mas uma exigência da minha mente", disse ele. "Eu disse pra minha namorada que me sinto mais cansado desde que comprei esta coisa".

No estacionamento da padaria, ou­­tros preenchiam momentos com seus celulares. Enquanto Eddie Umadhay, um fiscal de construções de 59 anos, es­­perava por sua mulher dentro do carro, ele apagava e-mails antigos e ouvia notícias no rádio. Num banco à frente de um café, Ossie Gabriel, de 44 anos, enfermeira, esperava por um amigo e conferia seus e-mails "para matar o tempo".

Publicidade

Para pessoas assim, os pequenos apartes digitais se sobrepõem ao uso intenso de computadores ao longo do dia. Veja Bates, a ocupadíssima mulher que se exercitava no Centro de Fitness Bakar. Ela acorda de manhã e dá uma espiada em seu iPhone mesmo antes de se levantar. Em seu emprego como publicitária, ela passa o dia inteiro na frente do laptop.

Porém, longe de querer uma trégua das telas enquanto se exercita, ela diz que possivelmente não conseguiria passar 55 minutos na máquina de step sem "um monte de coisas para fazer". Isso inclui uma incansável troca de canais na tevê.

Segundo alguns pesquisadores, qualquer que fosse o aspecto negativo da falta de descanso ao cérebro, ele desapareceria em comparação aos benefícios que a tecnologia pode trazer para motivar pessoas a suar.

"O exercício precisa fazer parte de nossas vidas, neste mundo cada vez mais sedentário. Qualquer coisa que ajude a nos movimentar é benéfica", afirmou John J. Ratey, professor-associado de psiquiatria da Escola de Medicina de Har­­vard e autor do livro Spark: The Re­­volu­­tionary New Science of Exercise and the Brain (Faísca: A Revolucionária Nova Ciência do Exercício e do Cérebro, tradução livre).

Num cenário ideal, segundo Ratey, ele preferiria ver as pessoas fazerem seus exercícios longe dos dispositivos. "Você ganha muito mais se exercitando ao ar li­­vre, tanto para seu humor quanto para sua memória ativa".

Publicidade