Enquanto os campos passam por um processo mais ou menos autônomo de “urbanização”, parte significativa dos refugiados busca abrigo em cidades grandes ao redor de todo o mundo. O termo “crise migratória”, que ganhou força nos últimos meses, traduz o rápido crescimento no número de pessoas nesta condição. Na contagem mais recente das Nações Unidas (ONU), em junho de 2015, eram 15,1 milhões de refugiados em todo o mundo, maior média dos últimos anos e um aumento de 45%, ou 4,7 milhões de pessoas, dentro de um período de três anos e meio.
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Nos anos 1990, o Alto Comissariado para Refugiados nas Nações Unidas (Acnur) focou esforços nos campos de refugiados, devido ao custo crescente de prover assistência a refugiados nas grandes cidades. A política foi revista em 2009, em parte porque a imigração é considerada inevitável. Naquele ano, metade dos 10,5 milhões de refugiados viviam em grandes cidades. Além disso, a agência identificou uma mudança no perfil de quem migra para os grandes centros. Antes restrito a homens jovens, a migração passou a incluir mulheres, crianças e idosos. População que fica ainda mais exposta a abusos, exploração e discriminação nos países de destino, além de ser mais vulnerável à violência sexual e à falta de condição de moradia.
“Estes refugiados urbanos enfrentam uma longa e dura jornada. Mas assim que chegam no ‘país de destino’, seja Holanda, Alemanha ou Suécia, por exemplo, eles enfrentam todos os tipos de problemas”, explica Richard van der Laken, diretor criativo da What Design Can Do (inglês para “O que o design pode fazer?”), organização que recentemente lançou um concurso para soluções criativas para facilitar a vida de refugiados em grandes cidades.
Laken acredita que é fundamental a parceria entre governos, cidadãos, empresas, designers e de toda a sociedade para resolver este “que é um dos maiores problemas sociais do nosso tempo”. Em países com estado de bem estar social bem desenvolvido, a população tende a achar que o governo vai dar conta de resolver os problemas sociais sozinho. “Mas a crise dos refugiados é muito grande e urgente para o governo dar conta sozinho”.
Em entrevista à revista de arquitetura Dezeen, o humanitário Kilian Kleinschmidt defende a ocupação de áreas vazias nos países europeus. Países como a Espanha, Itália e Alemanha têm regiões vazias, que poderiam ser repovoadas como áreas de livre comércio, com esta nova população. Ele ressalva que os alemães são alguns dos únicos a lidar de forma inteligente com esta crise, ao planejar a construção de 300 mil apartamentos ao ano para esta massa de imigrantes. Algo que enche a indústria da construção civil de esperança, por um lado, e por outro traz condições de moradia dignas a uma mão de obra que pode ocupar as cerca de 600 mil vagas ociosas de trabalho que hoje existem no país.
Mas os intelectuais locais temem a formação de guetos. O arquiteto Jörg Friedrich e seus alunos, da Universidade Leibniz de Hannover, trabalham em soluções que fujam à construção de bairros em contêineres, que ele considera desumano para o frio europeu. Em entrevista ao jornal alemão Deutsche Welle, Friedrich sugeriu transformar estacionamentos (40% deles estariam ociosos) em moradias. Os telhados planos de prédios do período modernista, hoje usados por “bares da moda”, também podem virar espaço de moradia inovador, defende. O mesmo poderia ocorrer com balsas antes usadas para o transporte de carvão.
História
Não seria a primeira vez na história que a Alemanha cria uma “arquitetura das boas vindas”, segundo o professor Friedrich contou à Deutsche Welle. Começou no século 17, quando o duque Frederico 3.º de Holstein-Gottorf deu a uma grupo de holandeses um pedaço de ferro, hoje conhecido como Friedrichstadt, no estado de Schleswig-Holstein. A praça Gendarmenmarkt, em Berlim, também foi um campo de refugiados para huguenotes perseguidos pelo príncipe eleitor de Brandemburgo, Frederico Guilherme, no mesmo século. Após a segunda guerra mundial, desalojados da Alemanha Oriental ocuparam as margens do Rio Ems. Ali cultivavam suas hortas, e o local evoluiu para um cobiçado subúrbio, com as plantações convertidas em jardins.