A partir desta segunda-feira (29), quando oficialmente termina uma guerra de mais de 50 anos com as Farc, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, pode começar a falar em missão cumprida. Em entrevista ao jornal El Tiempo, ele detalha os próximos passos para a implantação do acordo e para a convocação do plebiscito, nega que haverá impunidade aos guerrilheiros e garante: “Nunca cruzamos as linhas vermelhas”.
Como se iniciará a execução do processo de desmobilização?
Assim que o plebiscito for aprovado, começarão a operar todos os mecanismos de implantação. Os soldados e os policiais que estavam dedicados à guerra, estarão a postos para proteger a segurança dos colombianos contra qualquer tipo de ameaça.
Colombianos vão às ruas celebrar passo histórico para acordo de paz com Farc
Leia a matéria completaO acordo de paz tem 297 páginas. O que o governo fará para resumi-lo e torná-lo compreensível?
É um acordo de paz muito completo; diria que o mais completo já feito no mundo. Vamos divulgá-lo em sua totalidade e em resumos pedagógicos através das páginas web do governo, de redes sociais, por rádio e TV; através de cartilhas, fóruns, mesas-redondas. Não vamos deixar de aproveitar nenhum espaço.
A Corte Constitucional ordenou que a pergunta para o plebiscito seja clara e concisa. Como será feita?
Não tenha dúvida: a pergunta será clara e concisa para que as pessoas saibam que com o seu voto estão validando ou rejeitando um acordo que permite por fim ao conflito e construir uma paz estável e duradoura. Ela será conhecida nos próximos dias, depois que o Congresso aprovar a convocação do plebiscito. Mas adianto que será uma pergunta simples sobre o acordo, e não, como especularam alguns, sobre a paz em geral.
A Corte advertiu que o plebiscito não pode consultar sobre a paz, porque esse é um direito fundamental.
Por isso ela não versará sobre a paz em termos abstratos, mas sobre o acordo que se conseguiu em Havana. A pergunta será clara, direta e relacionada ao acordo.
Ainda se sabe pouco sobre alguns pontos, como a Jurisdição para a Paz. Como o senhor a resumiria?
É um sistema de justiça utilizado quando uma sociedade está transitando de um conflito armado em direção à paz. Muitos países que tiveram conflitos a aplicaram. Ela investigará e sancionará aqueles que tenham cometido graves violações aos direitos humanos ou graves infrações ao Direito Internacional Humanitário. Essas pessoas deverão dizer toda a verdade, reparar integralmente as vítimas e dar garantias de que não repetirão as condutas.
Mas não serão castigadas?
Receberão penas restritivas de liberdade de entre cinco e oito anos. Se não disserem a verdade, serão condenados a penas de até 20 anos.
Quanto tempo vai funcionar a Jurisdição Especial? Segundo especialistas, pode durar até 20 anos…
Ela foi concebida como um mecanismo transitório e terminará quando se tenha investigado, julgado e sancionado a todos os responsáveis pelos delitos mais graves. Espero que dure muito menos do que 20 anos.
Há quem diga que a justiça transicional supõe impunidade…
Absolutamente falso. Não haverá impunidade. Haverá sanções para os responsáveis pelos delitos mais graves. Alguns dizem que a única sanção é a da prisão com celas, mas a experiência internacional mostra que não é assim. A justiça transicional permite não apenas sancionar os responsáveis por seus delitos, mas que as vítimas conheçam a verdade sobre o que se passou com seus entes queridos.
Que mecanismo o governo utilizará para garantir que as Farc cumpram o que foi acordado?
Haverá um mecanismo tripartite de verificação, do qual farão parte a ONU, o governo e as Farc. A ideia é que façamos um controle mútuo. Levamos cinco anos em um processo de construção de confiança que nos permite acreditar, com alto grau de certeza, que sim, eles cumprirão com o pactado. Mas se alguns não o fizerem, serão perseguidos como criminosos comuns e terão que responder ante à Justiça.
Sobre o tema da anistia, que delitos serão anistiados e quais não?
Serão anistiados os delitos políticos e não haverá anistia ou indulto para as violações graves a direitos humanos, nem às infrações graves ao Direito Internacional Humanitário.
Como se cumprirá o cessar-fogo?
A partir de amanhã [hoje, segunda-feira], as partes cessarão para sempre suas hostilidades. É a materialização do fim da guerra de mais de 50 anos. Mas que fique claro: continuaremos perseguindo grupos criminosos à margem da lei e que atacam a população.
Humberto de la Calle disse que não é um acordo perfeito, mas é o melhor possível.
Por definição, não existe acordo perfeito. Em uma negociação, ambas as partes cedem. Tínhamos claras as linhas vermelhas e nunca as cruzamos. Este é um acordo bom para os colombianos. É razoável e podemos cumprir.
Um dos temas mais controversos é a representação das Farc no Congresso. Como será isso?
Inicialmente, terão seis porta-vozes, sem voto. A ideia é que participem exclusivamente dos debates de implementação do acordo. Poderão ser eleitos a partir de 2018, como movimento político sem armas. Deverão participar dos processos eleitorais como qualquer partido. E o acordo garante uma representação mínima de cinco senadores e cinco representantes na Câmara.
Como o senhor fará para que as Farc cumpram a promessa de libertar todos os menores recrutados?
Desaparecendo como movimento armado, acaba o recrutamento, em particular de menores. E no processo de desarmamento e reincorporação, eles serão tratados como o que sempre foram: vítimas. E receberão a proteção que merecem.
*O El Tiempo faz parte do Grupo de Diários América (GDA)
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