A capital britânica se prepara para viver hoje um dia histórico. As pesquisas indicam a vitória de Sadiq Khan, candidato trabalhista à prefeitura de Londres, o cargo mais importante em disputa nas eleições regionais britânicas. Se vencer, Khan, de 45 anos, filho de imigrantes paquistaneses, será o primeiro prefeito muçulmano da capital, uma eleição simbólica num momento em que a Europa vê a islamofobia crescer como consequência do terrorismo islâmico. A esperada conquista de Khan, porém, não garante que seu Partido Trabalhista terá um dia de glória. Segundo projeções, a legenda – abalada por acusações de antissemitismo – pode perder até 150 cadeiras em assembleias municipais no Reino Unido, o que seria sua maior derrota como oposição desde 1982, durante a Guerra das Malvinas, quando a então primeira-ministra Margaret Thatcher reinava absoluta.
Declarações consideradas antissemitas proferidas por políticos trabalhistas ofuscaram a reta final da campanha de Khan e foram exploradas ontem pelo primeiro-ministro conservador, David Cameron. Em discurso no Parlamento, ele acusou o candidato da oposição de ser aliado de extremistas. Os trabalhistas estão sob ataque desde que um de seus nomes mais importantes, o ex-prefeito Ken Livingstone, declarou que Adolf Hitler era a favor do sionismo nos anos 1930, “antes de enlouquecer e matar seis milhões de judeus”.
Livingstone fez a afirmação ao defender a parlamentar trabalhista Naseem Shah, que sugerira no Facebook que “Israel fosse transferido para os EUA”. O líder do partido, Jeremy Corbyn, que defende a guinada da legenda para a esquerda e é um crítico da política israelense no Oriente Médio, suspendeu Naseem e Livingstone, além de abrir um inquérito para apurar se há complacência com o antissemitismo no partido.
Mas ele não conseguiu evitar uma crise. Outros três vereadores trabalhistas também foram afastados por declarações antissemitas nas mídias sociais.
Fogo amigo
Tentando evitar a fuga de votos da comunidade judaica, Khan, um muçulmano liberal, declarou que Corbyn deveria ter agido de forma mais decisiva para espantar o fantasma da discriminação. Durante toda a campanha, o candidato foi acusado por seu principal adversário, o conservador Zac Goldsmith, de proteger extremistas islâmicos. Ele classificou a estratégia de Goldsmith de racista e vem mantendo uma vantagem tranquila sobre o rival nas pesquisas (entre nove e 20 pontos, segundo diferentes sondagens).
“Khan está bem à frente e, embora essa controvérsia possa afetá-lo, eu ficaria surpreso se ele perdesse por causa disso. Ele reagiu muito rapidamente aos comentários de Livingstone e parece ter apoio suficiente em Londres”, avalia o analista Jonathan Boyd, diretor do Instituto para Pesquisa de Política Judaica.
Ontem, Cameron atacou Corbyn por já ter declarado seu apoio a organizações extremistas como o Hamas e o Hezbollah, aumentando a pressão sobre a oposição.
“Você é ou não amigo do Hamas e do Hezbollah?”, questionou Cameron, dirigindo-se a Corbyn.
Uma derrota trabalhista em termos nacionais nas eleições de hoje poderá ser uma ameaça à liderança da legenda.
“O partido tem um problema em reconhecer o antissemitismo e é cedo para dizer se o inquérito anunciado por Corbyn será eficiente. Um líder que apoia organizações como Hamas e Hezbollah, que defendem a destruição de Israel, sem dúvida tem questões a esclarecer”, disse James Sorene, diretor-executivo do Bicom, centro britânico independente de pesquisa sobre Israel.
Antes de Livingstone desencadear a crise entre os trabalhistas, as eleições britânicas chamavam a atenção principalmente pelo choque entre duas figuras opostas. De um lado, Khan, muçulmano, filho de um motorista de ônibus, que cresceu com sete irmãos num subúrbio de Londres, estudou em escola pública e se tornou advogado de direitos humanos. Do outro, Goldsmith, judeu não praticante, filho de um empresário milionário, ex-aluno de Eton e de Cambridge, duas das instituições de ensino mais nobres da Inglaterra, e editor de uma revista ecológica. Ambos prometeram combater o que é visto pela população como o principal problema de Londres: a dramática escassez de moradias com preços acessíveis. Mas seus perfis tão distintos acabaram virando o tema central da disputa.
Khan já se afastara do chefe de seu partido para não perder os eleitores que rejeitam a guinada radical à esquerda representada por Corbyn. O candidato se alinhou à ala moderada e prometeu que será um prefeito “para todos os londrinos”. Mas as acusações de antissemitismo deram munição aos conservadores.
“Ninguém que pratique atos racistas ou antissemitas pode ser meu amigo”, garantiu Corbyn ontem em resposta a Cameron, no duelo que marcou a véspera da votação.
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