A Espanha é o país da sesta? Como diz a máxima, os mitos devem ser destruídos. Portanto, a resposta é não. O dia a dia demonstra e as estatísticas confirmam: em média, 16% dos espanhóis tiram, diariamente, uma soneca depois do almoço, muitos deles, maiores de 65 anos. Mesmo assim, na chamada “hora da sesta”, o país parece parar. É um tempo morto das 14h às 17h. Acabar com isso, para possibilitar a conciliação entre trabalho e vida pessoal, é uma reivindicação que vem crescendo nos últimos dez anos. Agora, entrou na agenda política. Se houver novas eleições em junho, o Partido Popular promete incluir a proposta em seu programa. O fim oficial da mítica sesta poderia estar perto.
“Temos que alcançar um modelo produtivo, saudável e humano. As pessoas chegam em casa entre 20h30m e 21h30m e não têm vida”, opina José Luis Casero, empresário, advogado e presidente da Associação para a Racionalização dos Horários Espanhóis (ARHOE).
As cifras corroboram: entregar a vida à empresa não se traduz em alta produtividade. Os espanhóis passam 1.686 horas anuais na labuta enquanto os alemães, 1.397. A produtividade na Espanha é de EUR 32,10 por hora trabalhada. Na Alemanha, no entanto, é de EUR 42,80.
A esgotadora rotina obriga as famílias com filhos a fazerem malabarismos em uma sociedade que não se caracteriza pelo uso de babás e empregadas domésticas. Não é para menos que dos desempregados – 37,5% das mulheres e 10,3% dos homens – não procuram emprego para poder cuidar da prole. Flexibilidade de horários para cuidar dos filhos é o que perseguem 30% das mulheres que optaram por trabalhar como autônomas.
A saudável soneca da tarde
Apesar da pausa estar com os dias contados na Espanha, o intervalo para o sono após o almoço faz bem para o corpo e para a mente. Pensando nisso, empresas brasileiras começam a estimular o hábito
Outro argumento a favor da mudança, cujo plano de ação já foi apresentado pela ARHOE aos partidos, é a possibilidade de poupar EUR 300 milhões, segundo o Instituto para a Diversificação e Economia de Energia, graças à luz solar. Além de mudar o horário de trabalho, a proposta abrangeria o retorno ao fuso horário, o de Greenwich, como o Reino Unido e Portugal, seus companheiros de meridiano. A proposta foi apresentada à Câmara, em janeiro, pelo partido Cidadãos.
“Entregamos aos partidos o nosso plano: primeiro vem a flexibilização do horário de trabalho e, depois seria o momento para voltar ao fuso original”, afirma Casero. “Mas são necessárias medidas fiscais, trabalhistas e de sensibilização para que a mudança dê certo.”
A História conta que a Espanha estava no horário GMT desde 1884, mas, em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, o ditador Francisco Franco decidiu seguir a Alemanha, que impôs seu fuso horário à França. O Reino Unido e Portugal também o adotaram. Ao acabar a guerra, em 1945, o Reino Unido e Portugal voltaram ao fuso original. Mas a Espanha, e também a França, ali ficaram.
De fato, o sistema de “jornada partida” é herança da pós-guerra, já que, por causa da penúria, os homens precisavam ter dois empregos. O primeiro ia até às 14h, depois almoçavam e tiravam uma sesta para aguentar o segundo. O sistema produtivo se modernizou, mas a tradição dos horários foi mantida, explica Arturo Lahera, diretor do Departamento de Estrutura Social, da Universidade Complutense. “Não basta legislar. Sem medidas de conscientização nada mudará. Se as práticas empresariais não mudam, os trabalhadores terão menor horário de almoço, mas continuarão trabalhando até tarde.”
O mito de que as áreas mais quentes não abririam mão da sesta é descartado por especialistas, como Laheras. “Na Andaluzia não há porquê haver diferenças na aplicação de horários. Somente em determinados setores, no verão, como o da construção, porque trabalhar na metade do dia, debaixo do sol, pode ser prejudicial à saúde”, afirma.
O objetivo, explica Laheras, é que os espanhóis vivam melhor. Ter mantido o horário GMT+1 fez com que, se pensarmos em hora solar, continuem almoçando às 13h, embora o relógio marque 14h: de fato, quando um espanhol fala mediodía (meio-dia), se refere às 14h, e não às 12h. O mesmo no jantar: às 20h são, na prática, às 21h. Com estes horários de alimentação, o natural seria começar a trabalhar entre 10h e 11h. Mas não é assim. Por isso, os espanhóis dormem 53 minutos menos do que a média europeia.
Os médicos são fortes defensores da mudança. Uma das conclusões do XXIII Congresso da Sociedade Espanhola do Sono foi que os espanhóis estão privados de sono porque guiam suas vidas pelo relógio dos alemães, que presenciam o nascer do sol uma hora e meia antes. Dormir mal, advertiram, aumenta o risco de hipertensão e câncer.