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O Serviço Secreto americano tinha uma missão na tarde do sábado (13) na cidade de Butler, na Pensilvânia: garantir que Donald Trump realizasse o comício em segurança. O fracasso dos agentes encarregados de proteger o ex-presidente ainda não foi totalmente explicado, mas parte do problema pode estar ligada a uma ênfase cada vez maior na "inclusão" em vez da excelência.
O ataque contra Trump — atingido na orelha em um atentado que deixou dois mortos — foi a falha mais grave do Serviço Secreto pelo menos desde 1981, quando o então presidente Ronald Reagan foi alvejado por um atirador enquanto deixava um hotel em Washington.
Não é possível dizer que a política de “diversidade e inclusão” da agência de segurança foi responsável direta pela falha durante o comício de Trump. Mas a chefe do órgão que tem a função de proteger presidentes e ex-presidentes está sob escrutínio e deve ser interrogada pelo Congresso.
Chefe da agência foi nomeada por Biden em 2022
A chefe do Serviço Secreto, Kimberly Cheatle, está no cargo desde maio de 2022 e é a segunda mulher a comandar a agência na história. Kimberly foi nomeada por Joe Biden, cuja equipe de segurança ela havia integrado quando ele era vice-presidente.
Em sua gestão, Kimberly priorizou ações que tinham como objetivo tornar o Serviço Secreto mais "diverso" e "inclusivo".
Em entrevista ao USA Today em abril do ano passado, ela disse que a diversidade deveria se tornar “parte da agência”. "Eu espero pelo dia em que nós vamos ser capazes de falar sobre esta agência e quem está no comando desta agência e não ter de distinguir 'ela é a segunda mulher, ou quinta, ou sexta'. E que a diversidade seja simplesmente parte da agência”, afirmou.
No mês seguinte, Kimberly Cheatle também falou ao canal CBS para uma reportagem especial sobre o Serviço Secreto. Nela, a chefe da agência reafirmou sua intenção de priorizar recrutas de minorias (leia-se, que não sejam brancos ou homens).
"Precisamos atrair candidatos ‘diversos’ [de minorias], e desenvolver e dar oportunidades a todos no nosso quadro de funcionários, particularmente as mulheres", disse ela.
Meta é ter 30% de mulheres em 2030
O Serviço Secreto faz parte de uma iniciativa cuja meta é que 30% do efetivo das forças policiais sejam de mulheres em 2030. Hoje, o índice na agência é de 24%. O órgão afirma abertamente, em sua página oficial, que prioriza candidatas mulheres.
A agência também mantém programas específicos para favorecer negros, asiáticos, hispânicos, indígenas, gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. Há duas semanas, a agência realizou uma "Mesa Redonda com a Comunidade LGBTQ".
Para facilitar o ingresso de mulheres, o Serviço Secreto tem dois padrões de exigência de capacidade física. Um para eles, um para elas.
Por exemplo: para receber uma avaliação "excelente", um homem de 29 anos precisa fazer 55 flexões de braço. Para uma mulher da mesma idade, são exigidas 40. No quesito velocidade, um homem de 29 anos tem de correr 1,5 milha (cerca de 2,4 quilômetros) em 10 minutos e 16 segundos. Uma mulher de 29 anos precisa percorrer o mesmo trajeto em 12 minutos e 50 segundos.
A comentarista Meghan McCain, filha do candidato republicano na eleição de 2008, John McCain, criticou a ideia de que o Serviço Secreto deve ter mais mulheres.
“A noção de que homens e mulheres são iguais é simplesmente absurda. Você precisa ser mais alto do que o candidato para protegê-lo com seu corpo. Por que eles têm essas mulheres baixinhas (e uma que aparentemente não consegue colocar uma arma no coldre) protegendo Trump? Isso é constrangedor e perigoso”, ela escreveu, na rede social X.
As falhas do Serviço Secreto
O autor do atentado, Thomas Matthew Crooks, estava a aproximadamente 120 metros de distância de Trump, no teto de uma das poucas construções nos arredores do evento. Ou seja: o local de onde ele disparou era um ponto de interesse óbvio.
A área de onde Crooks disparou não havia sido incluída no perímetro de segurança do comício. "A informação que eu tenho é de que estava fora do perímetro", afirmou o tenente-coronel George Bivens, da Polícia Estadual da Pensilvânia, em uma entrevista coletiva horas depois do atentado.
Isso significa que o prédio, que pertence a uma empresa particular mas não é protegido por cercas ou grades, estava acessível a qualquer pessoa.
O trabalho de mapeamento de possíveis ameaças é feito previamente pelo Serviço Secreto. Ainda não está claro por que o prédio de onde Crooks disparou — que fica exatamente nos fundos do local onde o palanque de Trump foi montado — não estava isolado pela agência.
Atirador de elite do Exército comenta falhas
O sargento reformado Marco Antonio de Souza, que foi "caçador" (atirador de elite) de Operações Especiais no Exército brasileiro, afirma que o Serviço Secreto cometeu uma série de falhas.
A primeira foi a de não isolar adequadamente os círculos concêntricos ao redor de Trump. "O Serviço Secreto não estabeleceu esses círculos. Nem sequer ele ocupou a área de dominância, que é a área em que o atirador pode ter uma visão direta de onde vai estar o dignitário", explica.
Uma possível explicação, diz ele, citando informações que recebeu de colegas americanos, é o efetivo reduzido do Serviço Secreto. “O número de agentes que eles tinham lá só permitia ocupar o círculo aproximado”, afirma.
Além disso, Souza diz que os atiradores de elite do Serviço Secreto não se anteciparam à ação do autor do atentado, que estava a uma distância relativamente curta. “As células de contra-atirador não atuaram preventivamente. O que o vídeo mostra é o contra-atirador aparentemente respondendo a um ataque. Ele não está ali para responder, ele está ali para prevenir”, afirma.
Souza acrescenta que, assim que o atirador foi visto, os agentes do Serviço Secreto deveriam determinar que Trump fosse removido do palanque. Segundo ele, a equipe de segurança ao redor do ex-presidente demorou a reagir. “Quem tomou a primeira medida evasiva foi o Trump”, diz ele. O republicano se abaixou antes que o Serviço Secreto chegasse até ele.
Por fim, o sargento afirma que o Serviço Secreto deveria ter utilizado drones para vasculhar os arredores do comício.
Campanha de Trump se queixou de segurança
Antes do atentado, a campanha de Donald Trump já havia enviado uma carta à chefe do Serviço Secreto pedindo que o perímetro de segurança da Convenção Nacional Republicana fosse ampliado.
A campanha apontou uma "falha grave" nos preparativos do evento, que começou nesta segunda-feira na cidade de Milwaukee e deve reunir milhares de pessoas. A convenção vai confirmar o nome de Donald Trump como o candidato do partido à Presidência.
Antes disso, em abril, um deputado do Partido Democrata tentou remover a proteção a Trump. Bennie G. Thompson, do estado do Missouri, apresentou um projeto de lei que impediria criminosos condenados (caso de Trump) de receber proteção do Serviço Secreto. A proposta não avançou.
Críticas ao Serviço Secreto
A falha do Serviço Secreto provocou reações imediatas em Washington.
O presidente da Câmara de Deputados, Mike Johnson, afirmou que será realizada uma "investigação completa" do ataque e que Kimberly Cheatle vai ser convocada para depor aos parlamentares. "O povo americano merece saber a verdade", ele anunciou.
O magnata Elon Musk, dono da Tesla e da rede social X, pediu que Kimberly deixe o cargo. "Incompetência extrema, ou então foi de propósito. De qualquer forma, a liderança do Serviço Secreto precisa renunciar", pediu.
Ex-integrante do Serviço Secreto e apresentador de um podcast com milhões de seguidores, Dan Bongino também criticou a agência. "Obviamente, este é um fracasso catastrófico e não há como dar, ou tentar dar, qualquer desculpa", afirmou ele. Para Bongino, há perguntas em aberto sobre o monitoramento por terra e por ar. "Nós temos uma única missão, e estivemos a centímetros de um fracasso mortal", disse.
O que faz o Serviço Secreto
O Serviço Secreto urgiu em 1865 para combater a falsificação de dinheiro logo após o fim da Guerra Civil.
Depois que o presidente William Mckinley foi assassinado, em 1901, o Congresso pediu que o Serviço Secreto passasse a proteger o chefe do Executivo. Com o tempo, a autoridade foi alargada para incluir a família do presidente, o vice-presidente, candidatos à Presidência e ex-presidentes. Desde 1965, ex-presidentes e ex-primeiras-damas têm proteção vitalícia da agência.
Em 2000, o Serviço Secreto também se consolidou como um órgão encarregado de investigar ameaças contra o presidente e ex-presidentes, além de planejar e coordenar medidas de segurança durante eventos públicos de candidatos à Presidência.