Autoridades de segurança interna dos Estados Unidos ofereceram pela primeira vez uma explicação para o aumento intrigante do número de famílias guatemaltecas que chegaram à fronteira dos EUA em busca de asilo neste ano.
Em vez de um aumento da violência, as famílias parecem estar fugindo de uma crise de fome nas regiões montanhosas do oeste da Guatemala, segundo informou a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês), citando dados de insegurança alimentar no país e avaliações de inteligência da agência federal.
Anos de escassez de colheitas, seca e os efeitos devastadores do fungo "ferrugem do café" – no país, a indústria cafeeira emprega um grande número de guatemaltecos nas zonas rurais – estão acelerando o êxodo de famílias que não têm o que comer, disseram autoridades do CBP.
Isso também explica por que um grande número de aldeões indígenas que falam pouco ou nenhum espanhol tem chegado com seus filhos para se entregarem aos agentes de fronteira americanos, o que criou desafios de comunicação para os funcionários de fiscalização e tribunais de imigração.
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A avaliação do CBP postula fatores mais usuais de "pressão", assim como a pobreza e falta de oportunidade, como a grande força motriz por trás da mais recente tendência de migração, em vez do aumento no crime. Essa análise desafia as alegações de grupos de defesa dos direitos humanos de que os solicitantes de asilo da América Central estão fugindo principalmente da violência, e também sugere que as causas profundas da emigração poderiam ser atenuadas pela redução da fome e criação de empregos.
"A insegurança alimentar, e não a violência, parece ser um fator-chave que baseia a decisão de sair da Guatemala, onde temos visto o maior crescimento no fluxo migratório neste ano", disse o comissário da CBP, Kevin McAleenan, em entrevista.
As taxas de homicídios per capita no Triângulo Norte da América Central – Guatemala, Honduras e El Salvador – permanecem entre as mais altas do mundo, mas têm diminuído nos últimos anos. A taxa de homicídios da Guatemala caiu para o seu nível mais baixo no ano passado desde 2000, segundo estatísticas de criminalidade.
As detenções de membros de famílias da Guatemala, Honduras e El Salvador na fronteira dos EUA estavam em níveis semelhantes em 2017, mas o número de guatemaltecos tem aumentado no ano fiscal de 2018. Nos últimos 11 meses, agentes dos EUA prenderam mais de 42.000 familiares guatemaltecos que cruzaram a fronteira ilegalmente, quase o dobro do registrado no ano passado, além de 20.000 menores de idade, de acordo com os últimos dados do CBP.
A maior parte desses migrantes morava no departamento de Huehuetenango, cujas aldeias isoladas apresentam índices de desnutrição próximos a 70%. Altos níveis de insegurança alimentar também correspondem à emigração de outras sub-regiões da Guatemala e Honduras, de acordo com a análise ainda não publicada do PFC.
"Enquanto trabalhamos para aumentar nossa segurança nas fronteiras e pedimos ao Congresso que fortaleça nossa estrutura legal em casa, é igualmente importante apoiar a prosperidade e o desenvolvimento econômico na América Central", disse McAleenan, em um comunicado. "Os atuais fluxos migratórios são um fenômeno regional complexo e exigem respostas multifacetadas. Os migrantes não estão saindo por apenas um motivo".
Diplomacia
Há cinco anos, mexicanos solteiros em busca de trabalho sazonal nos EUA representavam quase 80% das apreensões na fronteira, segundo McAleenan. Eles estão sendo rapidamente substituídos por famílias e crianças da América Central que "migram permanentemente".
McAleeen chegou à América Central no domingo para seis dias de reuniões com diplomatas, autoridades de imigração, executivos de empresas e líderes indígenas da Guatemala, Honduras e El Salvador. Ele pretende reunir informações e redirecionar a atenção para os fatores que fomentam a emigração.
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Sua viagem chega em um momento difícil para a diplomacia norte-americana na América Central. Os Estados Unidos retiraram seu embaixador de El Salvador no início deste mês, quando o país rompeu relações com Taiwan, em uma abertura para a China. Além disso, muitos legisladores americanos ficaram indignados quando o governo guatemalteco se recusou a permitir o reestabelecimento de um organismo anticorrupção da ONU no país, cujas investigações começaram a ameaçar o presidente Jimmy Morales.
Uma importante conferência de segurança em Washington com os países do Triângulo do Norte este mês foi abruptamente adiada em meio às tensões. McAleenan está prosseguindo com sua viagem de qualquer maneira, alegando que o crescente número de famílias centro-americanas que chegam à fronteira é uma "crise" que precisa de atenção imediata.
De julho a agosto, o número de membros da família sob custódia do governo americano subiu 38%. Autoridades de fronteira têm postado fotos quase todos os dias descrevendo grandes grupos de famílias e adolescentes da América Central apreendidos ao longo do Rio Grande, no sul do Texas. Em várias ocasiões nas últimas semanas, as autoridades mexicanas interceptaram caminhões lotados de centro-americanos em condições perigosas. Na quinta-feira (20), a polícia parou um caminhão baú refrigerado com 146 migrantes, incluindo 55 crianças.
Considerações
Questionados sobre a avaliação da insegurança alimentar pelo CBP, vários especialistas em migração na Guatemala disseram que não acreditam que a alta deste ano seja resultado de uma crise aguda. Eles acreditam que o aumento é produto de anos de pobreza crescente, crime e redes de contrabando cada vez mais bem desenvolvidas que buscam novos clientes.
De acordo com Julia Gonzales Deras, diretora executiva da Mesa Redonda Nacional sobre a Migração Guatemalteca, a situação nas terras altas do país continuam as mesmas há anos: pobreza, desemprego e insegurança devido a grupos criminosos.
"Não observamos nenhuma mudança na tendência dos migrantes de ir para os Estados Unidos. As pessoas continuam a sair porque as condições de suas vidas aqui não estão melhorando", disse Deras.
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A economia dos planaltos ocidentais é altamente dependente da cafeicultura, uma indústria que sofreu nos últimos anos devido aos baixos preços globais do café e safras ruins por causa de chuvas abaixo da média. A indústria ainda está se recuperando de uma série de surtos de ferrugem que começaram em 2013. Um número crescente de guatemaltecos perdeu a esperança de que a indústria possa se recuperar rapidamente, dizem os especialistas, deixando-os mais inclinados a olhar para o exterior.
"A fome, a insegurança alimentar, as oportunidades limitadas de trabalho e o abandono do estado são, infelizmente, o status quo em grande parte da Guatemala rural, que tem a maior taxa de desnutrição crônica na América Latina e no Caribe", disse Richard Johnson, doutorando na Universidade do Arizona que está estudando a migração nos planaltos ocidentais. "Essa escala de insegurança alimentar é certamente repugnante, mas não podemos chamar de crise repentina se já for uma condição arraigada".
Em sua pesquisa, Johnson afirma ter descoberto que, para a maioria dos guatemaltecos da região, a decisão de migrar é considerada por vários anos, e não uma resposta a um problema agudo.
"Talvez com exceção das ameaças imediatas de violência, está bastante claro que a maioria dos migrantes não toma a decisão de seguir para o norte com base em apenas um ano ruim. Dados os enormes riscos e custos – que variam de US$ 9.000 a US$ 12.000 – para contratar um coiote, muitas vezes financiados com hipotecas de casas e terras agrícolas, a altos juros, esta não é uma decisão que muitos tomam de imediato, ou mesmo como uma forma de aliviar crises de curto prazo", disse ele.
O declínio na migração ilegal de El Salvador este ano também intrigou os analistas do CBP – e McAleenan disse que quer observar de perto o que está ocorrendo.
"Entender porque as famílias e as crianças estão optando por deixar a Guatemala e Honduras em números crescentes, enquanto a migração de El Salvador diminui significativamente, é fundamental para o desenvolvimento de respostas eficazes", disse ele. "Eu quero entender dos especialistas destes países porque a decisão de sair está sendo feita, e o que o CBP e nossos parceiros do governo podem fazer para ajudar".