Protestos em Santiago, Chile| Foto: CLAUDIO REYES / AFP

Para onde se olha na América do Sul, é possível ver instabilidade. Nas últimas semanas, houve debate sobre o possível papel do Foro de São Paulo na desestabilização de países da região para uma retomada de poder pelos partidos que compõe o grupo. Para alguns, o Foro de São Paulo é uma ameaça à democracia da América Latina; para outros, uma organização inócua e sem relevância.

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O Foro de São Paulo foi criado em 1990 e reúne partidos de esquerda de vários países da América Latina. A organização é encarregada de planejar a estratégia de ação da esquerda na região e se reúne periodicamente para discutir questões políticas e econômicas.

Rodrigo Gallo, professor de Relações Internacionais no Instituto Mauá de Tecnologia, não acredita que seja possível fazer uma associação direta entre as manifestações ocorridas em vários países latino-americanos e o Foro de São Paulo. "Talvez possamos dizer que uma parte dos manifestantes possa ter ligação com partidos membros do Foro. Mas seria exagero creditar atos tão grandes, e que envolvem diversos Estados, a um único grupo, ainda que seja um grupo representativo", afirmou.

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"É fato que alguns partidos ligados ao Foro de São Paulo apoiam as manifestações. No entanto, se analisarmos os protestos, veremos que eles incluem diversos setores da sociedade civil de seus respectivos países - que se manifestam contra decisões diversas dos governos. Então, acredito que foi criado um mito sobre essa organização, que não corresponde com o real alcance dela", avaliou Gallo.

Já o escritor Leonardo Coutinho, pesquisador do Center for a Secure Free Society, em Washington, acredita que o Foro esteja descapitalizado, devido às crises financeiras da maioria dos países da organização, mas não perdeu sua capacidade de mobilização de bases. Para Coutinho, os partidos membros do Foro mantêm forte capacidade de articulação e de mobilização social.

As turbulências

O Chile passa por uma convulsão social nos últimos dias, após a intensificação de manifestações na capital, Santiago. Os protestos mais violentos desde a redemocratização do país já deixaram 18 mortos até esta quarta-feira e foram motivados pelo aumento da passagem de metrô em Santiago. As demandas se ampliaram e agora os protestos também são contra os custos de vida e a desigualdade de renda. O presidente chileno Sebastián Piñera anunciou na terça-feira um pacote de medidas para acalmar as manifestações.

Falando sobre os protestos no Chile, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, disse que os conflitos que ocorrem na América do Sul são motivados pela "esquerda" para conseguir chegar ao poder.

No Equador, um corte drástico nos subsídios aos combustíveis - exigência de um acordo com o FMI - detonou protestos contra o governo de Lenín Moreno. Houve confrontos com a polícia e sete pessoas morreram. Moreno e líderes indígenas chegaram a um acordo que pôs fim aos protestos no dia 14 de outubro.

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Após o agravamento dos protestos no Equador, Brasil e outros seis países acusaram Maduro de fazer tentativas "desestabilizadoras" dos países democráticos da região. Moreno também acusou Maduro e outros políticos equatorianos de orquestrarem as manifestações.

Na Colômbia, ex-líderes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) anunciaram no fim de agosto a retomada do conflito armado. Também existe tensão na fronteira com a Venezuela; o presidente colombiano Iván Duque acusa o regime do ditador venezuelano Nicolás Maduro de apoiar guerrilhas colombianas no território da Venezuela.

No Peru, uma disputa de poder entre os poderes executivo e legislativo levou o presidente Martin Vizcarra a dissolver o congresso e pedir novas eleições. Na Bolívia, manifestantes protestam contra os resultados parciais das eleições de domingo e acusam o presidente esquerdista Evo Morales de manipulação.

Membros do Foro de SP como proxies de interesses externos

Para Coutinho, os protestos que ocorrem hoje no Chile, que ocorreram no Equador, que começaram no Peru e tiveram um pequeno ensaio na Colômbia poderiam estar acontecendo na Argentina, que passa por problemas maiores do que os dos vizinhos. "A economia da Argentina está colapsada. Mas isso não está acontecendo na Argentina, porque lá vai ter uma eleição, e eles vão ganhar", afirmou, em referência às pesquisas que indicam que a chapa de Alberto Fernández e Cristina Kirchner deve vencer as eleições do próximo domingo no primeiro turno. "Então eles não precisam fazer nenhum tipo de movimentação nesse sentido", disse.

O Equador é governado por um presidente de um partido membro do Foro de São Paulo. Lenín Moreno, do partido Alianza País, no entanto é tido como traidor por setores da esquerda por ter rompido com o ex-presidente Rafael Correa, seu antecessor. "Pode soar contraditório, o Foro atuando contra si, mas na verdade eles estão fazendo isso contra um traidor", comentou Coutinho.

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Coutinho acredita que os membros do Foro de São Paulo podem ser proxies, ou aliados na região, de outros países. "Eu acho que existe um financiador externo das manifestações na América Latina", avaliou o escritor, citando o patrocínio de Rússia e China à Venezuela, com a ajuda para o país violar sanções e para que Maduro permaneça no poder, e Turquia e Irã, em menor escala.

Rússia e China estão "em uma batalha muito grande com os Estados Unidos para reduzir a influência americana na região e conquistar espaços", pontuou Coutinho. Os dois países não conseguiriam fazer isso por conta própria.

Enquanto os protestos aconteciam no Chile, Diosdado Cabello, número dois do chavismo e presidente da Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela, fez uma visita à China e à Rússia. Em setembro, Maduro foi recebido pelo presidente Vladimir Putin na Rússia, enquanto Cabello visitava Coreia do Norte e Vietnã.

"Eu tendo a crer que os membros do Foro de São Paulo estão atuando como braço militante desses interesses no continente", disse o pesquisador. Para ele, o Foro de São Paulo não deixou de funcionar, mas pode ter entrado em uma nova fase, operando como um proxy de interesses muito maiores de geopolítica internacional, de retomada de influência na região.

Durante os protestos no Chile, Nicolás Maduro declarou que as metas do Foro de São Paulo estão sendo cumpridas e que o organismo "está bem em toda a América Latina, no Caribe e no resto do mundo".

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E na terça-feira, Juan Guaidó, presidente interino da Venezuela, acusou o regime de Maduro de financiar o "vandalismo" e protestos para desestabilizar países latino-americanos, mesmo em meio à profunda crise do país. Ele afirmou que embora "cada país tenha sua dinâmica", "tem sido prática do regime de Maduro e, anteriormente de Chávez, enviar financiamento através do Foro de São Paulo a seus chamados aliados", acrescentando que mostraria evidências de ações desse tipo.

Guaidó estaria buscando convencer a comunidade internacional a agir na questão venezuelana. "Nesse momento, a narrativa principal é essa: a Venezuela já não é mais um problema interno, ela está virando centro de desestabilização regional", destacou Coutinho.