A crise econômica que atinge os países europeus está colocando à prova a força da União Europeia, o bloco de 27 estados membros formado em 1993. Um processo de unificação que teve início em 1950, quando foi assinada a Declaração Schuman, proferida pelo ministro francês dos Negócios Estrangeiros Robert Schuman, que criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), visando instituir um mercado comum para os países produtores. Se naquela época a ideia era tornar a Europa mais unida, agora esse propósito deve ser ainda mais forte. Essa é a avaliação de Didier Boden, professor mestre de conferências da Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne, da França, que hoje ministra uma palestra sobre "A Declaração Schuman e a Crise Atual da União Europeia", a partir das 19 horas na Unibrasil. "É justamente no fortalecimento da integração que está a solução dos problemas persistentes", disse Didier em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo.
Quando da proclamação da Declaração Schuman, em 1950, afirmava-se que a fusão dos interesses econômicos contribuiria para melhorar o nível de vida e constituiria o primeiro passo para uma Europa mais unida. Hoje, com a União Europeia consolidada, o continente vive uma grave crise econômica. O que fez com que os objetivos iniciais não fossem atingidos?
Em sua declaração de 9 de maio de 1950, Robert Schuman, na época Ministro das Relações Exteriores da República Francesa, propôs a criação de uma federação europeia. Segundo Schuman, esta criação deveria ser progressiva, com etapas e períodos de transição (1); deveria repousar sobre solidariedades de fato, ou seja, sobre a criação de uma situação de interdependência não jurídica, removendo qualquer interesse em fazer a guerra e, ao contrário, tornando interessante o estreitamento dos laços existentes (2); deveria começar pela integração dos setores do carvão e do aço, uma vez que se tratavam dos meios e dos objetivos da guerra - e dos quais dependiam todos os outros setores da economia (3); enfim, deveria apoiar-se na supranacionalidade do direito europeu e das instituições europeias: juízes e comissários europeus independentes dos Estados, obrigação para os órgãos estatais de assegurar a superioridade das normas europeias sobre o direito estatal, etc. (4).
O quarto aspecto foi criado logo em seguida, em 1951, sem mudanças importantes desde então - o que explica a efetividade muito importante do direito europeu em cada um dos Estados membros. O terceiro aspecto foi implantado imediatamente e, como previsto, o resto da economia foi deixado a cargo do direito europeu a partir dos tratados de 1957. O segundo e o primeiro aspectos são progressivos: é pouco a pouco que os tratados são reformados - e é pouco a pouco que os laços de interdependência entre Estados europeus, sociedades comerciais europeias e indivíduos europeus se estreitam.
Estamos no final do caminho?
Não. Juridicamente, ainda há etapas a serem vencidas para atingir o objetivo de uma federação propriamente dita.
Para além dos aspectos jurídicos, será que nós somos suficientemente interdependentes para que qualquer ruptura seja afastada e para que todos os interesses presentes pressionem os governos a vencer esses últimos passos?
Não está excluído que alguns Estados, guiados por certo romantismo nacionalista e por uma visão errônea da realidade escolham, contra o seu interesse, deixar a União. Entretanto, alguns indícios atestam ainda que estejamos em plena tempestade, que qualquer ruptura seria extremamente custosa e que, ao contrário, é justamente no fortalecimento da integração que está a solução dos problemas persistentes. A ideia de "solidariedades de fato" está, então, amplamente realizada.
Grandes potências como Itália e Espanha estão entre os mais afetados pela crise. Quais as possibilidades de a crise se alastrar para outros países?
O risco é muito alto - precisamente porque os Estados membros tornaram-se muito interdependentes uns dos outros. É por isto que os outros Estados membros não hesitam mais em assumir sua parte do fardo. Isso não data deste ano, nem do ano passado, mas seguramente da crise atual, que começou na Europa em 6 de outubro de 2008. Antes desta crise, era muito comum ouvir os ministros dos diferentes Estados (especialmente na Alemanha) afirmarem que nada nos tratados obrigava os Estados membros a socorrerem financeiramente um Estado membro prestes a cessar os pagamentos (na época, dizia-se até que certo artigo do Tratado de Maastricht de 1992 estaria proibindo tal ajuda). No início de 2009, a situação da Hungria tornava-se cada vez mais preocupante. A falência da Hungria teria causado a falência de três dos principais bancos austríacos. O Estado austríaco deveria tê-los salvado, o que não teria condições de fazer sem colocar a si próprio em cessação de pagamento - e levando consigo importantes bancos alemães, que o Estado alemão por sua vez deveria salvar, mediante despesas enormes. Em 18 e 20 de fevereiro de 2009, o ministro alemão das Finanças, Peer Steinbrück, declarou que nada nos tratados obrigava a Alemanha a socorrer outro Estado membro, "mas que, se a hipótese se apresentasse, evidentemente o faríamos". Esta declaração, e todas as medidas que foram adotadas em seguida, ilustram muito bem a ideia das "solidariedades de fato": a Alemanha gostaria, é claro, de não ter que socorrer os demais, mas nossa interdependência se tornou tão importante que não apenas a ruptura não interessa mais, mas é justamente o estreitamento dos laços existentes que é almejado (incluindo a Alemanha).
Qual deve ser o papel da União Europeia para tentar evitar que a crise ganhe proporções ainda maiores?
Desde 2009, numerosas decisões foram tomadas, às vezes sob a forma de normas não obrigatórias, às vezes sob a forma de normas obrigatórias, às vezes sob a forma de tratados entre Estados membros - e este conjunto de novas normas entra em vigor progressivamente. Trata-se do Fundo europeu de estabilidade financeira e do Mecanismo europeu de estabilização econômica (substituídos pelo Mecanismo europeu de estabilidade), trata-se ainda do reforço da disciplina orçamental (fortalecimento das sanções, da vigilância e melhora dos instrumentos de medida), da adoção do Pacto para o euro (coordenação não obrigatória) e do pacto fiscal europeu (tratado obrigatório). É necessário, agora, fazer uso destes novos instrumentos (alguns deles já começaram a ser utilizados).
Alguns países têm adotado mecanismos para barrar a imigração, sob o argumento de proteger a economia. Isso é apenas influência da crise ou seria também um pretexto para que tais nações se fechem ainda mais?
As grandes decisões de política migratória europeia são anteriores à crise financeira e orçamentária que começou na Europa em outubro de 2008: "Programa de Haia" de 2004, criação da Agência Frontex em 2004, etc. A causa da restrição da imigração em direção aos países europeus não deve ser buscada na situação dos bancos, no endividamento e no déficit orçamentário dos Estados, mas nas altas taxas de desemprego, e na situação financeira relativamente ruim da seguridade social dos Estados. Estas são causas presentes na Europa desde as crises do petróleo de 1973 e 1979: desde então, a situação se encontra, ano a ano, década a década, um pouco pior ou um pouco melhor, mas permanece sempre ruim e, correlativamente, o acesso ao território dos Estados europeus torna-se fortemente restringido ou medianamente restringido, mas sempre restringido.
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