Gerações de paleontólogos quebraram a cabeça tentando entender como os dedos das patas da frente dos dinossauros viraram os ossinhos hoje ocultos nas asas das aves - uma conta anatômica que não parecia fechar. Um fóssil recém-descoberto na China vem em socorro deles, indicando que a incongruência é apenas aparente e, quem sabe, removendo um dos últimos obstáculos para a hipótese de que os animais penosos de hoje são apenas versões repaginadas dos antigos dinos.
A história, tortuosa e fascinante, está na edição desta semana da revista científica britânica "Nature". O protagonista foi batizado de Limusaurus inextricabilis e é um dinossauro relativamente pequeno (de apenas 1,7 m de comprimento), herbívoro (embora quase todos os seus parentes fossem comedores de carne convictos) e com patinhas da frente que chegam perto de ser meros tocos.
O que esses toquinhos de "mão" escondem, no entanto, é um bocado valioso, argumenta a equipe liderada por Xing Xu, respeitado pesquisador do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia de Pequim. Junto com colegas chineses, americanos e mexicanos, Xu assina a descrição do dino na "Nature". O L. inextricabilis tem um minúsculo polegar - justamente o polegar que estava faltando para construir de vez a ponte anatômica entre dinossauros e aves.
Se ficou obscuro, calma - a coisa não tem nada de sobrenatural. O que acontece é que, debaixo das penas e dos músculos das asas, as aves de hoje possuem versões reduzidas de três dedos. Os cientistas costumam numerar os dedos de qualquer vertebrado terrestre contando a partir do polegar, que é o número 1 (mais ou menos como alguém olhando a própria mão direita). No caso, as aves ainda têm, em suas asas, os dedos 2, 3 e 4 - os nossos indicador, médio e anular.
Até aí tudo bem - se não fosse pelo fato incômodo de que as formas mais próximas das aves entre os dinossauros do grupo dos chamados terópodes - criaturas como o famigerado Velociraptor e outros - parecem ter os dedos 1, 2 e 3, e não os dedos 2, 3 e 4. Usando apenas a anatomia dos fósseis, era um bocado difícil explicar como a configuração de dedos das patas dos dinos desembocou na dos dedos nas asas das aves.
Daí a importância do L. inextricabilis. Os espécimes do bicho, que vieram do fundo de uma antiga lagoa (daí seu nome científico, que significa algo como "lagarto da lagoa impossível de ser salvo"), parecem ser o registro de uma fase da evolução dos dinos terópodes de uma época em que o dedo 1 (o polegar) estava quase sumindo e o dedo seguinte, o 2, estava assumindo algo das características dele.
O L. inextricabilis não é um ancestral direto das aves. No entanto, o interessante é que ele pertence a um grupo primitivo, mas proximamente aparentado à subdivisão dos terópodes que desembocaria nas aves. Isso indica que a anatomia dele traz dados importantes para entender a transição posterior de patas para asas.
Para Xu e companhia, eis, portanto, o que aconteceu: os terópodes que deram origem às aves, assim como o L. inextricabilis, reduziram seu dedo 1, até que ele sumisse. O novo fóssil também mostra que os ossos da "mão" mais próximos do "braço" mantiveram as características típicas dos dedos 2, 3 e 4, enquanto os ossos mais próximos da ponta dos dedos passaram por uma variação morfológica que os deixou mais parecidos com os dedos 1, 2 e 3. A diferença entre aves e dinos nesse quesito, portanto, seria apenas aparente, e não real.
Os pesquisadores lembram que experimentos com embriões de galinha mostraram um fenômeno semelhante. O futuro pintinho começa seu desenvolvimento com todos os cinco dedinhos e acaba ficando só com os 2, 3 e 4 - mas o padrão de ativação de genes nesses dedos indica que eles assumem parte das características dos dedos imediatamente precedentes.
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