A reunião diplomática marcada para tentar resolver a crise na Ucrânia fracassou. O encontro, realizado nesta quarta-feira (6) em Paris, foi marcado pelo desacordo entre Rússia e Estados Unidos e a recusa do chanceler russo de se encontrar com seu homólogo ucraniano.
O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, disse que as discussões continuarão e que deve se reunir com o ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov, novamente em Roma na quinta-feira.
"Concordamos em continuar as discussões intensas nos próximos dias com a Rússia, com a Ucrânia, a fim de ver como podemos ajudar a normalizar a situação, estabilizá-la e superar a crise", Kerry disse a repórteres.
"Não pense que nós não tivemos conversas sérias que produziram ideias criativas e adequadas sobre a forma de resolver isso, temos uma série de ideias sobre a mesa", disse ele após reunião com ministros de Ucrânia, Rússia, Grã-Bretanha e França.
Mais cedo, a Rússia rejeitou as exigências de países ocidentais para retirar as suas forças da região ucraniana da Crimeia e retorná-las às suas bases. Oficialmente, os russos negam ter tropas naquela região.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em uma reunião em Bruxelas, anunciou a suspensão de sua cooperação com a Rússia para tentar pressioná-la a aliviar a tensão na Ucrânia e suspendeu planos de uma missão conjunta para acabar com as armas químicas da Síria. A Otan afirmou que irá intensificar seu envolvimento com a nova liderança da Ucrânia.
A União Europeia ofereceu ao novo governo ucraniano, pró-ocidental, uma ajuda financeira no valor de 11 bilhões de euros nos dois próximos anos desde que o país chegue a um acordo com o Fundo Monetário Internacional. A Alemanha, maior economia da UE, prometeu ainda uma ajuda financeira bilateral.
O novo ministro das Finanças ucraniano, Oleksander Shlapak, provocou a queda no valor dos títulos ucranianos e no mercado cambial ao dizer que a combalida economia do país poderá iniciar negociações com os credores para reestruturar sua dívida em moeda estrangeira.
Guerra Fria
A Rússia e o Ocidente estão estancados na mais grave batalha desde o fim da Guerra Fria: a luta pela influência na Ucrânia, uma ex-república soviética que tem laços históricos com Moscou, é grande exportadora de grãos e é uma ligação estratégica entre o Leste e o Oeste.
Pressionada pela Rússia, a Ucrânia abandonou um acordo comercial que estava sendo negociado com a UE no ano passado, o que desencadeou meses de protestos em Kiev, culminando na destituição do presidente Viktor Yanukovich - aliado dos russos -, em 22 de fevereiro.
A Ucrânia diz que a Rússia ocupou a Crimeia, onde está a base da frota russa no Mar Negro, o que provocou protestos de vários países e fortes quedas nos mercados financeiros na segunda-feira, embora depois eles tenham se recuperado.
Lavrov declarou que as discussões sobre a Ucrânia continuarão, mas ele não se reuniu com o chanceler ucraniano, Andriy Deshchitsya, cujo novo governo Moscou não reconhece.
Ao sair do Ministério das Relações Exteriores em Paris, Lavrov foi questionado se ele havia se reunido com Deshchitsya. "Quem é ele?", respondeu o chanceler russo.
Deshchitsya disse acreditar em um "resultado positivo". Perguntando por que ele não havia se reunido com Lavrov, ele levantou os ombros e as sobrancelhas.
O chanceler francês admitiu que a situação não estava fácil.
"Estamos felizes que essa reunião em Paris nos permitiu colocar as coisas em andamento. Concordamos em tentar encontrar uma solução pacífica nos próximos dias para sair desta crise... algo está indo na direção correta."
Relatos negados
Uma autoridade do Departamento de Estado dos EUA negou relatos russos de que Moscou e o Ocidente haviam concordado que o governo da Ucrânia e a oposição deveriam se ater a um acordo de paz mediado pela UE.
"Não houve acordos neste encontro, e nunca haverá sem o envolvimento direto do governo ucraniano e adesão absoluta", disse a autoridade.
As negociações desta quarta-feira em Paris foram um esforço da França de aproveitar a presença de grandes ministros de Relações Exteriores na capital francesa para uma reunião previamente agendada sobre o Líbano.
Reuniões envolvendo os chanceleres de França, Rússia, Estados Unidos, Polônia, Alemanha, Polônia e Ucrânia ocorreram em várias combinações durante o dia, mas nunca com os ministros russo e ucraniano juntos na mesma sala.
Mais tarde, o presidente dos EUA, Barack Obama, falou por telefone com o primeiro-ministro britânico, David Cameron, e expressou "profunda preocupação com a clara violação da soberania ucraniana pela Rússia", disse a Casa Branca.
Mais cedo, Lavrov repetiu a afirmação de Moscou - ridicularizada pelo Ocidente - de que as tropas que tomaram o controle da península do Mar Negro não estavam sob comando russo.
Perguntado se Moscou pediria que as forças na Crimeia voltassem às suas bases, Lavrov disse em Madri: "Se você quer dizer as unidades de autodefesa criadas pelos habitantes da Crimeia, nós não lhes damos nenhuma ordem, elas não recebem nenhuma ordem de nós."
Um enviado especial da Organização das Nações Unidas (ONU) teve de abandonar uma missão para a Crimeia depois de ter sido parado por homens armados e cercado em um café por uma multidão hostil que gritava "Rússia! Rússia".
O diplomata holandês, Robert Serry, concordou em deixar a Crimeia para encerrar o impasse e partiu para a Turquia.
Em um sinal de tensões elevadas no leste da Ucrânia, uma multidão pró-Rússia, em Donetsk, cidade natal de Yanukovich, recapturou o prédio da administração regional que haviam ocupado antes de serem expulsos pela polícia.