Tom McGovern (esquerda) e Juan Delgado no museu do McDonald em San Bernardino: professores estão ajudando a liderar os esforços para revigorar a cidade através das artes| Foto: JENNA SCHOENEFELD/NYT

Quando o poeta e professor Juan Delgado pensa em sua cidade querida e tão castigada, geralmente se volta para a imagem do dente-de-leão, a flor tão mal-falada, conhecida por suas raízes profundas e capacidade de sobreviver às piores adversidades. “Não é fácil arrancá-la. Sua beleza está na persistência”, observa.

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Três anos antes do ataque terrorista de dois de dezembro, que matou 14 pessoas e feriu mais de vinte, Delgado, que leciona na Universidade Estadual da Califórnia em San Bernardino, começou uma parceria com o fotógrafo e colega Thomas McGovern para registrar o fascínio desconexo do local.

O trabalho da dupla, que inclui várias mostras, um livro e um projeto público, encabeça uma iniciativa que não envolve as instituições culturais tradicionais para revigorar e redefinir a cidade através das artes, em um movimento que conta com o apoio de várias frentes: moradores antigos, líderes políticos, culturais e religiosos e jovens ativistas da arte.

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Vital Signs, uma coletânea de poemas e fotos publicada pela Heyday Books, em 2013, de Delgado, agora com 55 anos, e McGovern, de 58, foi o primeiro trabalho conjunto. “Queríamos reforçar a ideia de que vale a pena conhecer nossa comunidade”, disse McGovern em entrevista da época.

Antes mesmo da invasão da imprensa, a cidade já estava falida. Verdadeiro exemplo dos problemas urbanos, era o centro urbano mais pobre da categoria na Califórnia e palco para a violência de gangues, tráfico, execuções imobiliárias e toda sorte de disfunções políticas. Há tempos San Bernardino é também conhecida pela poluição do ar – a fumaça do diesel dos caminhões e trens de carga que as crianças asmáticas de baixa renda são obrigadas a respirar do que Delgado descreve em um poema como “ar de empilhadeira”.

O poeta, que nasceu no México, e McGovern, que já foi editor de fotos do The Village Voice, usam a arte para retratar a alternativa a San Berdoo, como a cidade é frequentemente chamada. É a San Bernardino das exuberantes feiras de trocas das manhãs de domingo, cheia de placas pintadas à mão para indicar açougues, mercearias e roupas típicas. Os murais de suas ruas comerciais, quase todos enfeitando lojas latinas, são uma extensão da tradição muralista mexicana ao espaço urbano de um condado que tem a terceira maior porcentagem de habitantes latinos dos EUA.

Transformação da cidade passa por ações criativas

“Relacionamos o sucesso de uma cidade à sua beleza, mas é preciso criatividade e engenhosidade de uma população enfrentando dificuldades para levar a arte para a rua”, comentou Delgado há pouco tempo, em um passeio de carro com McGovern.

No ano passado, os dois se uniram para um projeto público de seis semanas chamado This Is San Bernardino, realizado em uma das dezenas de lojas abandonadas no centro, cujas peças incluíam memoriais criados para as vítimas de tiros disparados de carros em movimento. A verba veio de um subsídio municipal.

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Recentemente McGovern voltou suas lentes para os vendedores do mercado de trocas, para exibir o que acontece no local. Também fez uma série sobre as coberturas acima das barraquinhas dos expositores. “Esculturas abstratas flutuando num estacionamento”, como ele descreve.

A visão obstinada da dupla em relação à cidade – e sua decisão de aqui ficar, transmitida aos alunos – encorajou artistas como Michael Segura, 24 anos, da Generation Now, um grupo de ativistas com menos de trinta anos que cresceram aqui.

Ele surgiu, em 2013, em uma carreata organizada para protestar contra a falência de San Bernardino. “Todos estavam superchateados, tentando entender por que a cidade estava tão caída”, conta Segura.

Ele e os colegas começaram então a desenvolver projetos cívicos de melhorias, enfeitando os parques e outros espaços públicos caídos com murais e cercas pintadas em cores vivas. Segura hoje faz parte da Comissão Municipal de Belas Artes, que está bolando um monumento em homenagem às vítimas do atentado.

Dupla aposta em fotos-poesias

O grupo também trabalhou bastante para erguer o centro cultural San Bernardino, que há pouco tempo abriu as portas em um prédio vintage de adobe e abrigará ateliês de vidro e cerâmica e uma banda mariachi em tempo integral.

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“Grande parte da força das ‘fotos-poesias’ de Delgado e McGovern, como eles as chamam, é simples, direta e artesanal, ou seja, muito semelhante à própria cidade”, analisa Jim Sweeters, diretor de galeria da Universidade Estadual da Califórnia em Northridge, que recentemente exibiu o trabalho da dupla.

Referindo-se a Delgado e McGovern, Patrick Morris, que foi prefeito de San Bernardino entre 2006 e 2014, afirma: “Esta é uma cidade que tem problemas de imagem, onde as pessoas estão sofrendo muito. Os dois nos deram uma injeção de alto astral destacando a beleza da paisagem. É um trabalho que faz o pessoal começar a perceber que aqui também há coisas especiais.”

No poema Winds: For the People of San Bernardino, escrito pouco depois do massacre de dois de dezembro, Delgado descreve uma vigília no campus, já que cinco alunos estavam entre as vítimas.

“Vivemos em um vale de tragédias/onde choramos os mortos no vento constante./Velas nas mãos/cada chama dançando/nenhuma delas tem a mesma forma./Estávamos em filas, uma procissão de luzes,/uma constelação improvisada de rostos.”

Seus poemas abordam a experiência imigrante e as necessidades que quase sempre a acompanham. “Ela está por cima do seu ombro/um ponto cego/a pobreza da cidade”, escreve ele em outra estrofe.

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De Guadalajara para Califórnia

Nascido em Guadalajara, Delgado se mudou para a Califórnia aos cinco anos. E se lembra do estigma de usar “roupas baratas” quando garoto. Hoje diretor do programa de Redação Criativa da universidade e reitor interino, Delgado e a mulher, Jean Douglas Delgado, criaram três filhos aqui.

“Minha filha chega em casa, voltando da escola, e conta: ‘Pai, tivemos mais um dia de spray de pimenta’, ou seja, de brigas”, explica ele.

Das montanhas, onde mora hoje, a cidade se espalha em perfeita simetria ao longo da Baseline, rua que ganhou o nome da linha de levantamento original do tempo em que era um assentamento mórmon.

Ele sabe que a perspectiva é ilusória: na San Bernardino de sua poesia, uma mulher morre em um banco de parque e o óbito é registrado pelas câmaras montadas nos postes. Nas latas de lixo nascem moscas-das-frutas “que rondam as caixas de frutas e verduras descartadas”.

Mas mesmo entre os caixotes revirados e as sacolas plásticas carregadas pelo vento, Delgado e McGovern encontram muito que admirar, incluindo os postes cobertos de anúncios de lutas de boxe e cães perdidos. “São os primórdios da internet”, comenta Delgado.

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Pena que as placas charmosas, como a tesoura e o pente pintados na parede lateral de um salão de beleza, sejam frequentemente acompanhados de pichações, cercas de arame farpado e sinais de vandalismo. A desolação não é nostálgica.

Paisagem anônima é redefinida

Por todo o Império Interior, como esta região do sul da Califórnia é conhecida, a cultura do comércio eletrônico fez surgir uma paisagem cada vez mais anônima, meio lúgubre, de shopping centers e galpões de distribuição do Amazon e outras empresas.

Os tempos de dificuldades econômicas levaram ao fechamento de instituições locais como o Irene’s Market, onde um artista de rua anônimo há pouco tempo pintou, em uma janela lacrada, uma mulher ajoelhada em oração.

A inspiração de McGovern vem desses símbolos pitados à mão, cada vez mais raros.

Em Nova York, onde morou durante quinze anos, produziu um dos primeiros livros sobre a Aids – e, de quebra, conheceu a mulher, Renate Bongiorno, quando um artista na Fineline Tattoo, no East Village, lhe mostrou fotos das tatuagens dela. O romance que se seguiu se tornou tema de uma tirinha de Stan Mack no Village Voice.

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Definir a natureza de um lugar é o primeiro passo para torná-lo um lar, Delgado observa em “Winds”.

“Vivemos num vale de muito vento/que apressa nosso passo no encontro mútuo/ventos que se fortalecem para se transformar num cânion/como acontece quando nos reunimos para cantar./Começamos de novo com os olhos voltados para a cidade.”

“Estamos tentando encontrar uma nova identidade cívica em vez de esperar que a CNN nos diga quem somos”, conclui Delgado.