Curitiba Liberdade, fraternidade e igualdade. Os três fundamentos que inauguraram a República francesa foram colocados em xeque com a aprovação de uma polêmica lei de imigração pelo Senado. A ampla restrição à obtenção de cidadania tem sido alvo de críticas de muitos especialistas, que também apontam que este tipo de política pode vir a ser comum entre os países que compõem a União Européia (UE).
"A nova lei desdiz os fundamentos da República francesa ao não respeitar a liberdade, fraternidade e igualdade dos cidadãos. A versão final do texto da lei é altamente criticável por limitar as possibilidades de regularização de imigrantes na França", argumenta Luiz Edson Fachin, professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná.
A lei dá início a uma política para impedir o livre trânsito na UE sem a necessidade de se construir muros, a exemplo dos Estados Unidos, comenta Fachin. "Enquanto os EUA possuem uma barreira física, os franceses têm agora uma barreira jurídica".
A situação na França é um indício do que pode ocorrer na UE para evitar a entrada de pessoas provenientes de outros países, assim como limitar a entrada de novos membros no bloco, analisa Fachin. "Para manter os níveis de emprego, educação e saúde a França está usando a política de exclusão."
Na medida em que a UE busca a livre circulação de pessoas dentro do bloco surgem políticas veladas discriminatórias, analisa Eduardo Gomes, professor de Direito da Integração da Unibrasil. "Cada vez mais se criam barreiras em um clube de 25 países em que o processo de integração é desigual." O estado francês acredita que é necessário conter os imigrantes comunitários (do próprio bloco) e extra-comunitários (de outros países fora da UE) por conta das altas taxas de desemprego, explica Gomes. "Mas a discrimação aberta aos extra-comunitários causa problemas do ponto de vista dos direitos humanos"
Os franceses vêem com desconfiança a presença de imigrantes, um problema suscitado pela economia, principalmente pela falta de emprego, diz Williams Gonçalves, especialista em Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Para o especialista, o problema foi criado pelos próprios franceses que por décadas estimularam a imigração. "Corporações francesas iam até o norte da África para recrutar trabalhadores em uma época de pleno crescimento econômico e falta de mão-de-obra. São pessoas que se estabeleceram na França e hoje seus filhos e netos enfrentam uma situação bem diferente, uma vez que os descendentes de imigrantes desempregados são alvo de preconceito. Os franceses os vêem como incômodo."
A França sempre se propôs a assimilar novas culturas, mas tem dado sinais de que voltou atrás, diz Gonçalves. "De forma geral, há um movimento na Europa de rejeitar a presença de não-europeus com seus hábitos e culturas diferentes."
Fachin comenta que a lei quer evitar os casamentos por conveniência. A união estável após três anos dava direito ao parceiro de obter cidadania francesa, agora será somente por meio do casamento formal. Caso ocorra o divórcio, perde-se a cidadania. Chega ao fim também a cidadania automática para clandestinos que moram há mais de dez anos em território francês.
A partir de agora, o imigrante também terá de prestar "provas de subsistência", ou seja, de que possui condições econômicas para se manter no país sem a ajuda do estado francês. "Houve um forte endurecimentos das condições para imigração", diz Fachin.
Até o período de permanência de estrangeiros que irão cursar pós-graduação na França será limitado a apenas quatro anos, cita Fachin. "É um período que pode ser insuficiente para quem vai defender uma tese de doutorado, por exemplo."
Mas, ao mesmo tempo, os franceses decidiram que irão beneficiar com vistos especiais os estrangeiros que possam trazer benefícios tecnológicos ao país, como cientistas e engenheiros, lembra Fachin.