O Prêmio Goncourt, o mais importante das letras francesas, é só um de uma longa lista de láureas recebidas por Gilles Lapouge. O jornalista e escritor francês já viveu no Brasil e, hoje, beirando os 90 anos, trabalha como correspondente do jornal O Estado de S.Paulo.
Por e-mail, de Paris, Lapouge falou à reportagem sobre as eleições na França e os principais problemas do país.
A França é governada pela direita há 17 anos. Hoje, a esquerda parece ganhar força. Como o senhor vê essa situação?
Na verdade, a França é governada por um partido de direita há cinco anos. Antes dele, foi liderada por Jacques Chirac, que também era de direita. Mas ele representava uma direita inteligente, moderada, humanista e não xenofóbica. Então são 5 anos de direita dura. A ascensão da esquerda é devida à rejeição ao Sarkozy, que se explica por duas coisas. Em parte, por sua ideologia de direita, pelos ataques contra os imigrantes, a xenofobia, pela consolidação de um liberalismo econômico que está a serviço dos ricos, dos grandes grupos e do capital. A rejeição não está ligada às ações ou às ideias de Sarkozy, mas sim a sua personalidade. Ele demonstra ser arrogante no tratamento com seus pares, com os ministros e até mesmo com os primeiros-ministros. Certa vez, disse que um primeiro-ministro era "um mero empregado".
O senhor poderia comentar a posição radical da candidata Marine le Pen?
O discurso de Marine le Pen é xenófobo. Mas é muito menos xenófobo do que o discurso do pai, Jean-Marie le Pen, que criou o partido extremista Frente Nacional. Ela tentou reintroduzir o partido no jogo parlamentar. Porém, infelizmente, no meio da campanha, houve o incidente trágico do massacre de crianças por um mulçumano. A sociedade francesa reagiu de uma maneira muito exaltada em relação a esse ato de terrorismo. Evidentemente, a Marine le Pen tentou tirar proveito disso, proferindo discursos contra a imigração tão violentos e cegos quanto os do pai. A população francesa não gosta dos imigrantes. Ela julga que há muitos imigrantes como árabes e africanos que cometem crimes ou que tomam o trabalho dos franceses. Apesar disso, ela também não admira excessos na direção que Marine propõe. O que a população francesa espera é que seja feito um maior controle, que haja regras. Mas que o controle e as regras sejam colocados de maneira legal, humana, de forma moderada. A França desaprova a xenofobia brutal, da qual era partidário o Jean-Marie le Pen. O que complica a situação, nesse caso, é que Sarkozy também tem feito discursos bastante violentos e injustos contra os imigrantes. E isso acontece porque a intenção dele é capitalizar uma parte do eleitorado da Marine. Ela tem um grande talento em outros temas como a miséria e a falta de humanidade dos ricos. Os discursos dela sobre esses assuntos se aproximam dos antigos comunistas, são muito populistas. Desse modo, ela consegue agregar uma boa parte dos eleitores pobres e operários.
As promessas não cumpridas por Sarkozy podem prejudicá-lo?
Em 2007, Sarkozy venceu com um discurso dinâmico, selvagem, forte, modernista. O tom, o estilo, eram novos em relação a eloquência fatigada do mundo político francês. Era um tom viril, polêmico e profético. Mas os resultados foram magros. A população, em vez de enriquecer, se tornou mais pobre. O desemprego aumentou dramaticamente. É importante reconhecer que Sarkozy não é o único responsável. A crise foi tremenda sobre toda a Europa (menos na Alemanha). Mas, no momento de crise, justamente, as injustiças sociais são menos aceitas pelos pobres. Ele, Sarkozy, continuou a favorecer a parte mais rica da população e isso foi um erro.
Há um embate entre a França do passado e a França do presente?
É verdade que a França parece ter se esquecido das tradições mais nobres da revolução. Mesmo um homem de direita, tal como o general [Charles] De Gaulle, seguiu a tradição da França aberta, social e tolerante. [François] Mitterrand também, em 1981. Depois do Mitterrand, a França se endureceu. Isso, motivado em parte por uma imigração que modificou todas as cidades do país, com aumento da violência por exemplo. A crise econômica também tem um papel nesse esquecimento da "alma" da França. E Sarkozy foi incapaz de lutar contra isso. Antigo ministro do Interior, ele tem uma verdadeira "paixão policial". Ele gosta da prisão, dos decretos, das leis duras. E isso tem decepcionado até mesmo pessoas da direita. Algumas dessas pessoas podem votar em Le Pen, ou em Bayrou ou, ainda, em Hollande.
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