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O papa Francisco afirmou que o governo de Cristina Kirchner (2007-2015) pressionou juízes para que ele, quando ainda era arcebispo de Buenos Aires, fosse condenado por fatos ocorridos durante a última ditadura militar na Argentina (1976-1983).
Francisco falou sobre o assunto com jesuítas durante visita à Hungria no final de abril e trechos da conversa foram publicados pelo site da La Civiltá Cattolica, revista dos jesuítas italianos.
Segundo o papa, alguns kirchneristas acreditavam em responsabilidade dele pelo sequestro dos padres Orlando Yorio e Ferenc Jalics, acusados pela ditadura de ligações com os guerrilheiros, em 1976.
“Alguns do governo [Kirchner] queriam cortar minha cabeça, [...] questionaram toda a minha forma de agir durante a ditadura”, afirmou Francisco.
Em novembro de 2010, o então arcebispo Jorge Mario Bergoglio testemunhou em um processo judicial sobre prisões e torturas realizadas pelos militares argentinos.
Uma reportagem do El País destacou que o jornalista Horacio Verbitsky, ex-guerrilheiro ligado ao kirchnerismo, acusou Bergoglio, superior provincial dos jesuítas em 1976, de ter “entregado” Jalics e Yorio aos militares. Bergoglio disse no depoimento, entretanto, que intercedeu pelos padres junto ao governo militar.
“Um dos juízes insistiu muito no meu comportamento [durante a ditadura]. Eu sempre respondi com sinceridade. Mas, para mim, a única pergunta séria e fundamentada foi a do advogado que pertencia ao Partido Comunista. E graças a essa pergunta as coisas ficaram claras. No final, minha inocência foi provada”, disse o papa.
Segundo a La Civiltá Cattolica, Francisco relatou aos jesuítas húngaros que um juiz do caso lhe contou anos depois, quando ele já era papa, que os magistrados foram pressionados pelo governo Kirchner a condená-lo.
“Revi aqui, em Roma, como papa, dois dos juízes. Um deles [estava] junto com um grupo de argentinos. Não o havia reconhecido, mas tive a impressão de já tê-lo visto. Olhei para ele, olhei, e disse a mim mesmo: ‘Eu o conheço’. Ele me deu um abraço e saiu. Eu o vi mais uma vez e ele se apresentou. Eu disse a ele: ‘Eu mereço ser castigado cem vezes, mas não por esse motivo’. Eu disse a ele que estava em paz com essa história. Sim, mereço ser julgado pelos meus pecados, mas neste ponto quero ser claro. Outro dos três juízes também veio e ele me disse claramente que eles haviam recebido instruções do governo para me condenar”, revelou o papa.
“Mas quero acrescentar que, quando Jalics e Yorio foram presos pelos militares, a situação na Argentina era confusa e não estava claro o que deveria ser feito. Fiz o que senti que tinha que fazer para defendê-los. Foi uma situação muito dolorosa”, descreveu Francisco.