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Igreja

“Francisco enfatiza o perdão, sem se distanciar da doutrina”

O papa pediu que jovens “ofereçam a resposta cristã às ansiedades sociais e políticas” | L’ossevartore Romano/ Reuters
O papa pediu que jovens “ofereçam a resposta cristã às ansiedades sociais e políticas” (Foto: L’ossevartore Romano/ Reuters)

Um mês depois das declarações do papa Francisco, no avião que o levava de volta a Roma após a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, especialistas ainda se debruçam sobre o verdadeiro significado das palavras do pontífice. Para o padre Robert Gahl Jr., professor da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma, por mais polêmica que as respostas do papa tenham provocado na imprensa, não existe nenhum distanciamento em relação a seu antecessor, Bento XVI, e ao ensinamento tradicional da Igreja Católica. No máximo, pode-se perceber em Francisco uma ênfase especial no perdão, mas sem transigir com a doutrina. "Francisco reafirmou o ensinamento sobre a sexualidade e a família, mas também expressou o que se tornou uma marca de seu papado: o amor divino expresso por meio do perdão e do carinho", diz o sacerdote, professor de Ética Fundamental, em entrevista por e-mail à Gazeta do Povo.

Antes da chegada do papa, o teólogo da libertação Leonardo Boff disse que "esse era o papa da ruptura". A julgar pelas palavras de Francisco no Brasil, e no avião que o levou de volta a Roma, há mesmo sinais de ruptura?

Não acredito nisso, até por motivos teológicos. A Igreja fundada por Cristo é viva, e uma ruptura implicaria na morte da Igreja de Cristo e na criação de uma coisa diferente, que já não seria divina. Mas, como diz a Bíblia, Jesus está vivo ontem, hoje e sempre, e a Igreja também está muito viva. Não houve ruptura; o que há é uma continuidade de um corpo vivo e constantemente necessitado de reforma, cura, crescimento e desenvolvimento. O próprio papa Francisco vem enfatizando sua continuidade com os papas do passado e do presente, como João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI. Se ele estivesse realmente disposto a uma ruptura com o passado, Francisco não estaria querendo canonizar João XXIII e João Paulo II tão rapidamente. Se sua intenção fosse a ruptura, ele não estaria expressando tão frequentemente seu apreço por Bento XVI e sua humildade, sabedoria e prudência. É claro que o papa Francisco sabe que foi eleito pelos cardeais e pelo Espírito Santo para fazer uma reforma, sobretudo no Vaticano, mas certamente em continuidade com o passado. A Igreja está viva quando olha para a periferia com zelo evangélico, e é exatamente o que o papa Francisco está fazendo.

No avião, em sua resposta sobre homossexuais, o papa disse que estava apenas citando o Catecismo, que tem mais de 20 anos. Então, por que tanta celeuma na imprensa sobre as palavras do papa?

A moral sexual é um para-raios para a mídia, especialmente a moral sexual católica, já que a Igreja é a única instituição que oferece uma resposta clara, coerente e atrativa a uma cultura que endeusa a gratificação sexual e perverte a liberdade humana ao promover a promiscuidade. O papa Francisco reafirmou o ensinamento católico de que a sexualidade é sobre o amor que dá a vida, expresso entre homem e mulher que fundam uma família alicerçada na amizade definitiva, fecunda e exclusiva de um pelo outro. Ao reafirmar esse ensinamento, Francisco também expressou o que se tornou uma marca de seu papado: o amor divino expresso por meio do perdão e do carinho, quase como uma carícia humana. Ninguém está excluído desse amor, e desse perdão infinito e fiel. Ninguém está excluído do carinho do amor cristão. Não importa o que alguém sinta ou o que deseja, mesmo que esses desejos se inclinem a comportamentos pecaminosos, Jesus e a Igreja oferecem amor e perdão, e um desafio à conversão e à busca da santidade.

Alguns comentaristas disseram que as palavras do papa contradiziam um documento da Congregação para a Doutrina da Fé de 1986, quando Joseph Ratzinger era prefeito e, segundo o qual, "a própria inclinação [homossexual] deve ser considerada como objetivamente desordenada", e um outro documento de 2005, durante o papado de Bento XVI, que proibia seminários de aceitar candidatos "que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay". Na sua opinião, essa contradição realmente existe?

O papa Francisco foi cuidadoso ao reafirmar o ensinamento tradicional sobre a homossexualidade enquanto, ao mesmo tempo, oferece misericórdia e compreensão. A Igreja nunca disse que homens precisam deixar o sacerdócio por experimentar tendências desordenadas, mas a Igreja continua a ensinar que, antes da ordenação, os homens precisam demonstrar a capacidade de viver castamente e, se eles experimentam tendências desordenadas profundas e dominantes, não estão chamados a receber a ordenação sacerdotal. O papa Francisco descreve de forma eloquente sua própria história vocacional e seu apreço pelo presente que recebeu de Cristo: o chamado de dedicação total ao serviço da Igreja em vez de ter sua própria família. A recompensa por seu sacrifício juvenil se demonstrou tremendamente fecunda e rica.

Desde o início do papado, tornou-se comum comparar Bento e Francisco – comparações em que Bento sempre sai prejudicado. Essas comparações são justas? Quais são as verdadeiras semelhanças e diferenças entre os dois papas?

Bento e Francisco são dois gigantes da Igreja, cada um à sua maneira. Suas diferenças ajudam a iluminar seus grandes talentos e qualidades. Deus escolhe homens para liderar a Igreja e lhes dá as qualidades necessárias especialmente para aquele momento. Todos reconhecem a grande humildade de Bento em renunciar após uma reflexão cuidadosa diante de Deus. Ele estava consciente da grande responsabilidade dessa decisão quase sem precedentes de deixar o papado. Dada sua humildade e autossacrifício por toda a Igreja, seria mesquinho fazer comparações críticas em relação a esse gigante da liderança espiritual.

Na vigília na Praia de Copacabana, o papa comentou as manifestações em todo o mundo, incluindo no Brasil, e pediu aos jovens que "oferecessem a resposta cristã às ansiedades sociais e políticas" surgidas em diversas partes do mundo. A Doutrina Social da Igreja é essa resposta? Ela pode ganhar mais atenção e incentivo no papado de Francisco?

Certamente. A Doutrina Social da Igreja foi recentemente retomada por Bento XVI na encíclica Caritas in veritate, e agora Francisco joga uma nova luz sobre o ensinamento de Bento, de que o dom e a gratuidade precisam estar no centro da vida social, em vez do progresso e do lucro financeiro e material. A pobreza que Francisco propõe é a pobreza no trato pessoal, mais que um programa estrutural de desenvolvimento econômico. Claro que é preciso haver desenvolvimento, mas primeiro precisamos da conversão do coração. Conversão, carinho, misericórdia e generosidade são os objetivos de Francisco, e ele começou por desafiar o próprio Vaticano a dar o exemplo de retidão e transparência, além do zelo evangélico. Seguindo as pegadas de Bento XVI, a reforma da Igreja com Francisco já começou e só tende a melhorar até que atinja toda a Terra.

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