Ao menos duas pessoas foram mortas e 15 ficaram feridas em um confronto entre soldados venezuelanos e uma comunidade indígena na manhã desta sexta-feira (22) em Gran Sabana, perto da fronteira com o Brasil, segundo informaram autoridades de oposição. O conflito é pontual, mas serve de alerta para o que pode ocorrer nos próximos dias nas fronteiras venezuelanas devido ao bloqueio da entrega de ajuda humanitária ao país do ditador Nicolás Maduro.
De acordo com o site Efecto Cocuyo, o grupo de indígenas da etnia pemón tentou bloquear a passagem de uma caravana de militares venezuelanos que rumava para o sul do país. Posteriormente, dois homens uniformizados abriram fogo contra os índios. Segundo o advogado da ONG Foro Penal, Olnar Ortiz, não há consenso entre os indígenas sobre a questão, mas a comunidade Kumarakapay, onde ocorreu o incidente, é uma das que apoiam a entrada da ajuda humanitária na Venezuela.
"Os militares começaram a atirar", disse Americo de Grazia, membro da oposição da Assembleia Nacional. "Eles não usaram gás lacrimogêneo. Mas tiveram que se retirar porque a comunidade indígena saiu em protesto, mantendo o controle da área."
A morte de Zorayda Rodriguez, de 42 anos, foi confirmada. De acordo com informações do deputado opositor Américo De Grazia, um segundo indígena também teria morrido na ação da Guarda Nacional Bolivariana.
"Rolando García. Indígena pemón, é a segunda vítima fatal da operação criminosa do general José Montoya (GN, Guarda Nacional). (Ele) que morreu, entrou ferido no hospital de #Pacaraima #Brasil. Há 3 feridos a balas, (em estado) grave. Todas as vítimas são indígenas", escreveu o Parlamentar em sua conta no Twitter.
A ONG Kapé Kapé também disse que uma segunda pessoa morreu na ação dos militares venezuelanos. Segundo informações da organização, Rolando seria marido de Zorayda.
A Secretaria Estadual de Saúde de Roraima informou que cinco pacientes venezuelanos recebem atendimento no Hospital Geral de Roraima, em Boa Vista, todos feridos por arma de fogo. Três deles encontram-se no centro cirúrgico e dois recebem atendimento no setor do grandes traumas. Os pacientes chegaram à Unidade em duas ambulâncias da Venezuela, acompanhados por uma médica venezuelana.
"Eu pergunto às Forças Armadas, é constitucional que abram fogo contra indígenas desarmados?", indagou Jorge Perez, um vereador que diz ter presenciado quando os soldados abriram fogo. "É constitucional matar indígenas?", escreveu em sua conta no Twitter o líder opositor Juan Guaidó.
De acordo com informações do jornal The Washington Post, ao menos 30 vizinhos da região foram às ruas após a ação, sequestrando três soldados, segundo Carmen Elena Silva, de 48 anos, e George Bello, porta-voz da comunidade indígena. "A maior parte das pessoas apoia a entrada da ajuda humanitária e nós queremos a nossa fronteira aberta", disse Carmen. "Isso é ajuda, não é guerra. Todos os dias morrem mais crianças."
Momento decisivo
A violência aconteceu em um momento em que a oposição à Maduro tentará romper a fronteira venezuelana para enviar remessas de alimentos e remédios ao país faminto. Centenas de toneladas de caixas com alimentos e medicamentos, vindas especialmente dos Estados Unidos, estão estocadas nas fronteiras colombiana, brasileira e caribenha. Em uma operação que envolve flotilhas no Caribe e caravanas de voluntários pelos Andes e pela Amazônia, a oposição promete levá-las para dentro da Venezuela neste sábado (23) com a intenção de aliviar a situação de milhões de pessoas que estão passando fome e que não têm acesso a medicamentos. Enquanto isso, o ditador Nicolás Maduro está enviando militares para as fronteiras a fim de evitar o que considera uma intervenção “imperialista americana” em seu país, um “cavalo de Troia”.
Mais importante do que a efetiva entrega da ajuda humanitária, entretanto, será o posicionamento dos militares diante desta situação. O regime chavista confia que seus homens vão bloquear a entrada dos carregamentos, e a oposição espera que eles não atirarem nos civis desarmados que vão tentar transportar as caixas com ajuda e deixem-os passar pela fronteira. A reação mostrará para que lado pende a lealdade das Forças Armadas da Venezuela, o mais forte sustentáculo do regime chavista.
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O sábado também será um dia decisivo para a paz na região. A possibilidade de um conflito regional é mínima, mas não se pode descartá-la ainda. “Ninguém quer uma guerra, mas às vezes elas começam sem que haja intenção. Várias já começaram assim”, afirmou Antônio Jorge Ramalho da Rocha, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Isso dependerá de como será a reação da oposição e de seus apoiadores internacionais se os militares, de fato, não permitirem a entrada da ajuda, e também, se as forças de segurança ou as milícias pró-governo recorrem à força letal, o que poderia provocar um confronto mais direto com a administração do americano Donald Trump.
"Haverá uma resposta internacional se as forças armadas atirarem contra as pessoas", disse Eduardo Delgado, 37 anos, um dos líderes da oposição, que espera mobilizar até 40 mil voluntários na fronteira. "E os EUA não estão deixando nenhuma opção fora da mesa."
Além disso, na segunda-feira (25) acaba o prazo para o governo Trump e o governo Maduro - que no mês passado oficialmente romperam laços diplomáticos - chegarem a um acordo sobre a manutenção de alguns diplomatas em suas capitais. A falha em chegar a um acordo temporário pode aumentar as tensões, sendo que Washington já ameaçou uma intervenção militar e está trabalhando com a oposição para coordenar a operação de sábado.
Embate de presidentes
Enquanto milhares de venezuelanos se dirigem às fronteiras colombiana e brasileira para auxiliar a entrada dos alimentos e medicamentos, Maduro e o líder da oposição, Juan Guaidó, continuam sua disputa sobre quem é o legítimo presidente da Venezuela.
Em uma demonstração de força, nesta quinta-feira (21), Maduro fechou o espaço aéreo do país e enviou blindados à fronteira com o Brasil para impedir a entrada de ajuda humanitária."Decidi que, no sul da Venezuela, fica fechada completamente a fronteira com o Brasil, até segunda ordem", disse Maduro, após reunião com o alto comando militar em Caracas.
Sobre a Colômbia, o chavista afirmou que avalia uma medida similar e disse que o armazenamento de ajuda humanitária é uma "provocação barata". "Responsabilizo o senhor Iván Duque (presidente colombiano) por qualquer violência na fronteira”. Uma informação publicada pela jornalista especializada em assuntos militares Sebastiana Barráez, entretanto, dá conta de que as Forças Armadas venezuelanas que operam no estado de Táchira, na fronteira com a Colômbia, receberam a ordem de reter qualquer caminhão ou camionete que entre em Táchira pela fronteira.
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Nesta semana, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, já havia anunciado o fechamento das fronteiras aéreas e marítimas com as ilhas de Curaçao, Aruba e Bonaire, ilhas holandesas que também são um ponto de armazenamento da ajuda proveniente dos Estados Unidos.
Em contrapartida a estas ações, Guaidó emitiu um “decreto presidencial”, também na quinta-feira, no qual determina que a fronteira do país com o Brasil seja reaberta. Guaidó, em 23 de janeiro, declarou-se presidente interino da Venezuela diante centenas de milhares de pessoas que protestavam pela saída de Maduro, tendo sido reconhecido como presidente legítimo pelos Estados Unidos, Brasil, Colômbia, potências europeias e outros países. O opositor, entretanto, não conta com o apoio das Forças Armadas, o que faz com que o documento assinado por ele seja inócuo.
A ordem de Guaidó foi publicada em suas redes sociais na noite de quinta-feira (21). O "decreto" tem número 001 e ressalta que o exercício da presidência lhe é garantido por quatro artigos da Constituição da Venezuela. Para a oposição, Maduro não é presidente legítimo do país porque foi eleito em um pleito no qual houve fraudes.
"Como chefe de Estado responsável por dirigir as relações exteriores, ordeno aos órgãos do poder público responsáveis por esses assuntos que faça o necessário para que se mantenha aberta a fronteira com o país irmão da República Federativa do Brasil", decreta.
O documento também reitera a disposição de manter relações diplomáticas com as ilhas de Aruba, Bonaire e Curação, rompidas por Maduro.
Posicionamento do Brasil
Mesmo com o fechamento da fronteira da Venezuela com o Brasil, o presidente Jair Bolsonaro decidiu manter a missão humanitária. O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rego Barros, informou que os produtos serão mantidos nas cidades de Boa Vista e de Pacaraima, em Roraima, até que meios de transporte venezuelanos busquem os suprimentos.
"Estamos disponibilizando os meios para a operação e continuamos aguardando a vinda dos caminhões de transporte dirigidos por venezuelanos", disse. Segundo ele, os alimentos não são perecíveis e o prazo de validade dos medicamentos é longo, o que permite o armazenamento por um longo período.
A partir de amanhã começa o envio de ajuda humanitária desde Roraima para a Venezuela, afirmou ontem María Teresa Belandria, representante de Guaidó no Brasil. "Foram definidos os procedimentos para realizar a operação, por meio da qual serão transportadas em uma primeira fase até 100 toneladas de ajuda, composta por alimentos, remédios e kits de emergência, que sairão da cidade de Boa Vista", explicou María Teresa. O controle completo da operação será das autoridades brasileiras.
A decisão de manter a operação foi tomada em reunião ontem entre Bolsonaro e os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Santos Cruz (Governo). O chanceler Ernesto Araújo não participou. Segundo o governo, contudo, ele foi consultado por telefone.
A pedido de Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão irá a Bogotá para a reunião do Grupo de Lima, que ocorre segunda-feira. O tema do encontro será a crise na Venezuela, que pode se agravar após a decisão de Nicolás Maduro de fechar as fronteiras.
"Maduro mandou fechar a fronteira para evitar que o pessoal da Venezuela venha ao Brasil buscar suprimento", disse Mourão ao jornal O Estado de S. Paulo. O vice-presidente garantiu que, "em hipótese alguma", o Brasil entrará na Venezuela para qualquer finalidade. "Isso não existe", avisou.
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De acordo com Mourão, "não há situação tensa". "Está da mesma forma que antes. Nada mudou. Vamos aguardar o que vai acontecer amanhã", comentou, referindo-se à decisão de Guaidó de forçar a entrada de ajuda amanhã. Segundo o líder da oposição venezuelana, as doações chegarão por Cúcuta, na Colômbia, e Roraima, no Brasil. No entanto, com a fronteira fechada, isso pode não acontecer. No início da semana, a embaixadora da Venezuela no Brasil, nominada por Guaidó, disse, em entrevista à CNN, que caso os militares impeçam a entrada da ajuda humanitária, a oposição tem planos que não pode revelar no momento.
O aumento da tensão com o fechamento da fronteira ocorre no momento em que o alto comando do Exército se reúne em Brasília, desde a segunda-feira, em uma agenda previamente marcada, para definir as promoções de março. Nos encontros são feitas avaliações de conjunturas nacional e internacional.
Durante as reuniões, os militares brasileiros descartaram qualquer chance de confronto e demonstraram preocupação com a quantidade de alimentos que foi levada para Roraima e poderá se perder em razão do fechamento da fronteira.
As Forças Armadas e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ainda têm adidos em Caracas e mantêm o governo brasileiro informado. "A situação é de observação. Apenas isso", afirmou um general, que preferiu não se identificar, já que a questão está sendo conduzida pelo Ministério das Relações Exteriores em conjunto com o Planalto.
Pressão americana
Enquanto isso, os EUA pressionam o Brasil para garantir a segurança na entrega de ajuda humanitária aos venezuelanos no sábado.
Segundo fontes no Departamento de Estado americano, os EUA negociam com Brasil e Colômbia, que servem de centros de distribuição de comida e medicamentos, as "disposições adequadas" para a entrega. A principal delas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo apurou, é a segurança da operação.
"Precisamos assegurar que aqueles que recebem nossa ajuda, nossos parceiros e nossas equipes não serão colocados em perigo, que a assistência dos EUA possa chegar à população vulnerável", disse uma fonte do setor de assuntos hemisféricos do Departamento de Estado americano.
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Até o momento, o Brasil descartou a possibilidade de ação militar de qualquer forma em todas as reuniões sobre a Venezuela. Quando esteve em Washington para conversas com autoridades americanas, no início do mês, o chanceler Ernesto Araújo negou a existência de qualquer ação militar na Venezuela, mas não deu detalhes sobre a logística de entrega da ajuda humanitária.
Depois do anúncio de Maduro sobre o fechamento da fronteira com o Brasil, os EUA continuaram com a estratégia de fazer pressão sobre os militares venezuelanos para que não impeçam a entrada da ajuda. "Pedimos às forças de segurança venezuelanas que permitam que esses suprimentos entrem no país", afirmou um integrante da diplomacia americana.
Em discurso em Miami, na segunda-feira, o presidente dos EUA, Donald Trump, deu um ultimato aos militares da Venezuela. Se não permitirem a entrada de mantimentos, "perderão tudo" - em referência às fortunas que funcionários chavistas têm no exterior. "Não encontrarão refúgio, nenhuma saída fácil, porque não haverá saída", disse Trump.
China e Rússia
Porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Geng Shuang criticou nesta sexta-feira a iniciativa dos Estados Unidos e aliados de enviar ajuda humanitária para a Venezuela, apesar do veto de Maduro. Segundo o funcionário de Pequim, isso poderia provocar "consequências sérias". "A China se opõe à intervenção na Venezuela e a qualquer comportamento que leve a tensões no país e mesmo provoque distúrbios", afirmou.
Geng disse que o governo da Venezuela "tem mantido calma" e feito esforços para "manter a paz doméstica e a estabilidade", a fim de evitar conflitos em larga escala. "Se a chamada 'ajuda humanitária' for entregue à força para a Venezuela, uma vez que um conflito violento for iniciado isso terá consequências sérias, que não estão previstas por todas as partes", alertou o porta-voz do governo chinês.
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Maduro rechaça a ajuda externa e vê na iniciativa uma estratégia para enfraquecê-lo e derrubar seu governo. Ele já chegou a dizer que a ajuda não passa de “migalhas” e que a comida que vem dos EUA está envenenada e é cancerígena. Nos últimos dias, a Venezuela tem recebido toneladas de alimentos e medicamentos vindos da Rússia, a principal parceira do regime chavista.
Nesta sexta-feira (22), o Kremlin acusou os Estados Unidos de usar a ajuda humanitária enviada à Venezuela como "um pretexto para uma ação militar" para derrubar o presidente Nicolás Maduro.
O ministério das Relações Exteriores da Rússia disse que os EUA e seus aliados na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) estão discutindo formas de armar a oposição venezuelana e que Washington está posicionando soldados e equipamentos nos arredores do país sul-americano.
O envio de mantimentos foi classificado como "uma perigosa provocação, de grande magnitude, inspirada e dirigida por Washington", pela porta-voz da diplomacia russa, Maria Zajarova. Para ela, isso cria "um cômodo pretexto para uma ação militar".
Venezuelanos se preparam para o pior
No Hospital Central de Táchira, os tetos estão desmoronando, a maioria das ambulâncias não funciona e os antibióticos são escassos. Agora, médicos apressados estão estocando sangue e se preparando para o "Dia D" da ajuda humanitária.
"Isso pode se transformar em um conflito perigoso: as forças armadas versus o povo", disse Laidy Gómez, governadora de Táchira, estado venezuelano na fronteira com a Colômbia. Ela ordenou que os hospitais estaduais se preparem para as baixas de sábado, quando um exército de voluntários tentará romper o bloqueio do regime socialista para entregar a ajuda humanitária.
"Seria um crime contra a humanidade agir contra milhares de pessoas que clamam por comida e remédios", continuou Gómez. "Mas estou preocupada que Nicolás Maduro esteja procurando uma briga."
Informações do Washington Post, Folhapress e Estadão Conteúdo.
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