A intenção do G20 de ver a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) concluída o mais rápido possível esbarra em duas sérias ameaças. Os Estados Unidos terão um novo presidente a partir de 20 janeiro de 2009, o democrata Barack Obama, que até agora ignorou as negociações multilaterais e que mantém uma agenda de comércio fortemente orientada para a proteção dos empregos do país. A segunda ameaça diz respeito ao perfil do Congresso com o qual Obama negociará a aprovação da Rodada, caso venha a ser concluída. Tanto o Senado como a Câmara terão maioria democrata, o que tradicionalmente significa uma acentuada tendência protecionista.
Essas considerações não anestesiaram a pressão de países em desenvolvimento, como o Brasil, para a inclusão do objetivo de concluir a Rodada no comunicado final da reunião de cúpula do G20, no último sábado (15), em Washington. Obama não compareceu ao evento. O texto impõe, como meta, o consenso sobre os capítulos agrícola e industrial até o final de dezembro.
Nesta segunda-feira (17), o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, deu o primeiro passo para a retomada das negociações técnicas ao reunir os embaixadores do chamado Green Room, grupo de cerca de 30 países considerados relevantes entre os 153 sócios da OMC. No último domingo, Lamy conversará, por telefone, com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. A rigor, mesmo que os acordos sobre agricultura e indústria sejam concluídos em dezembro, uma vasta lista de temas delicados continuará em negociação - no caso dos EUA, pela administração Obama.
Se o acordo final for fechado em 2009, como acreditam os mais esperançosos, terá de ser submetido aos Congressos de todos os países da organização. No caso dos EUA, além das reações protecionistas a serem enfrentadas na tramitação, haverá ainda o risco de os parlamentares emendarem o texto final, o que significaria lançá-lo na fogueira. "Tudo conspira contra a Rodada. Independentemente do governo Obama, o Congresso dos EUA já se coloca em posição protecionista", afirmou o secretário de Agricultura de Minas Gerais, Gilman Viana. "Não há como um país ameaçado de depressão deixar de enfocar a preservação do emprego e da renda agrícola", completou, ao referir-se às dificuldades presentes nas negociações sobre a abertura de mercados industriais e o corte de subsídios agrícolas.
Na etapa atual, entretanto, prepondera a incógnita sobre como a nova administração lidará com os acordos sobre indústria e agricultura. No plano de governo de Barack Obama e Joe Biden, seu vice-presidente, a Rodada Doha não é mencionada. Em debates e discursos, Obama não tocou no tema. Apenas arranhou a defesa da abertura de mercados aos produtos americanos e o fim dos subsídios à exportação - medida já acertada na Rodada - e mostrou-se favorável à definição de cláusulas trabalhistas e ambientais nos acordos bilaterais.
Até esta segunda, não havia indicações sobre quem será o titular na Representação dos Estados Unidos para o Comércio (USTR), o órgão responsável pelas negociações comerciais. O silêncio era considerado sintomático em Washington, porque reflete o baixo interesse do novo Congresso e da futura administração sobre um órgão que, em um primeiro momento, terá um papel secundário diante da crise econômica.
Otimista, o governo brasileiro avalia de forma positiva o fato de Obama jamais ter criticado a Rodada Doha. Em consultas feitas a integrantes da equipe de transição, em Washington, o Itamaraty teria recolhido impressões favoráveis do futuro presidente americano à conclusão dos acordos em dezembro. Com base nesse material, diplomatas consideram que Obama não terá problema de retórica nem dilema com seu eleitorado para defender a continuidade das negociações e para assinar o acordo final. No Congresso, detentor de maioria, o futuro presidente tampouco teria trabalho para obter a aprovação ao texto original, sem emendas. "A administração Obama não vai reabrir o pacote, não vai querer assumir o ônus de dar um tiro no coração da Rodada", afirmou uma fonte do governo.