Os vizinhos estavam cansados. Durante dias, eles estavam sem eletricidade ou água corrente por causa do enorme blecaute nacional. Então, numa manhã desta semana, eles empilharam troncos e lixo em uma barricada improvisada em seu bairro de classe média em Caracas e começaram a gritar slogans contra o governo.
Então vieram as motos.
Havia pelo menos 20 delas, seus motores zumbindo, pilotadas por homens com lenços sobre os rostos, de acordo com entrevistas com dez testemunhas. Os manifestantes se espalharam. Mas quando as pessoas nos prédios vizinhos começaram a atirar garrafas nos motociclistas, os homens levantaram suas armas – pistolas e rifles – e abriram fogo.
Ninguém ficou ferido. Mas os vizinhos ficaram aterrorizados.
“Agora não podemos nem protestar, porque eles atiram em nós”, disse Delia Arellano, 72 anos, uma das manifestantes.
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O ataque no domingo foi um sinal assustador de como o ditador Nicolás Maduro está cada vez mais recorrendo a grupos paramilitares para se agarrar ao poder. Esta semana, ele pediu publicamente aos “colectivos” que pilotam motocicletas para intensificar seus esforços, enquanto o país está à beira do colapso econômico e um movimento de oposição apoiado internacionalmente pressiona por sua saída.
“Eu convoco os colectivos; chegou a hora da resistência, resistência ativa na comunidade”, declarou Maduro no discurso de segunda-feira.
Os colectivos não são tão grandes quanto as forças armadas da Venezuela – eles somam, talvez, 5.000 a 7.500 membros em todo o país, a maioria deles nas cidades, segundo Alejandro Velasco, professor de história da Universidade de Nova York que estudou o fenômeno. Mas eles ajudam a explicar como Maduro tem permanecido no poder, mesmo com a derrubada da economia do país e da rede de energia. As forças paramilitares são ágeis e comprometidas – e têm uma capacidade extraordinária de semear o terror.
Ingrid Maldonado testemunhou o confronto de domingo entre os vizinhos e os colectivos em Chacao, um distrito comercial de prédios de apartamentos, escritórios e hotéis no leste de Caracas.
“Antes, a repressão do governo era apenas gás lacrimogêneo”, disse Maldonado, 49 anos. “Agora há balas. É diferente. Você pensa duas vezes antes de sair”.
Inspiração cubana
Os colectivos têm suas raízes nas forças de guerrilha de inspiração cubana que lutaram contra os governos anti-comunistas da Venezuela nos anos 60. Depois desse conflito, alguns ex-rebeldes voltaram para os bairros pobres determinados a disseminar o socialismo por meio de atividades comunitárias – oferecendo aulas, exibindo filmes, distribuindo pão de graça – e protegendo os moradores de policiais corruptos.
Sob a “revolução bolivariana” de Hugo Chávez, antecessor de Maduro, o número desses pequenos grupos armados cresceu. Alguns foram autorizados a controlar bairros e administrar atividades criminosas como tráfico de drogas e extorsão, dizem analistas. Em troca, eles conseguiram votos e forneceram outro apoio político.
Mas Chávez, que governou de 1999 até sua morte em 2013, era popular. Ele não dependia dos colectivos.
“Ele não precisou usar a violência”, disse Rafael Uzcátegui, coordenador do grupo de direitos humanos Provea. “Chávez podia manter o controle político do país”.
Maduro, em contraste, é amplamente condenado pela má administração econômica que trouxe a hiperinflação e escassez de alimentos e remédios a essa nação rica em petróleo.
“É por isso que recorrer à violência e à intimidação tem sido tão importante”, disse Uzcátegui.
O Ministério das Comunicações da Venezuela não respondeu a um pedido de comentário.
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Nos últimos anos, surgiu um novo tipo de colectivo, composto por atuais ou antigos policiais ou guarda-costas do governo.
“Sua lealdade primária não é ao 'chavismo' ou a um projeto ideológico ou a uma visão esquerdista radical de mudança, mas basicamente a permanecer no poder”, disse Velasco.
E “poder”, para colectivos, frequentemente significa acesso a fundos ou bens do governo. Embora seja difícil definir com precisão os vínculos entre os grupos e o Estado, alguns foram encarregados da distribuição de pacotes de alimentos do governo em áreas pobres – o que os deu controle sobre bairros famintos. Alguns podem ser pagos por indivíduos no governo, dizem analistas.
Máscaras e opressão
Os colectivos variam amplamente nas suas atividades e organização. Um grupo de cerca de 100 motoqueiros de capacete negro em roupas escuras passa regularmente fazendo barulho pelo centro colonial de Caracas, perto do palácio presidencial de Miraflores, agitando as gigantescas bandeiras vermelhas do partido socialista no poder. Eles são uma visão intimidadora – mesmo que não mostrem suas armas.
Outros não hesitam em ameaçar violência. Recentemente, um ativista comunitário no bairro pobre de La Vega, em Caracas, estava deixando uma reunião sobre a organização de uma greve de professores. Homens armados em motocicletas surgiram e exigiram saber o que ele estava fazendo, disse o ativista, José Gregorio Velásquéz. Eles o advertiram para não fechar as ruas para protestos. “Nós sabemos onde você mora”, disseram os homens, segundo Velásquéz.
Esse tipo de controle popular pode desencorajar os venezuelanos pobres de se juntar aos protestos que varreram o país nas últimas semanas em apoio a Juan Guaidó, o líder da oposição reconhecido por dezenas de países como o presidente legítimo.
Enquanto os venezuelanos da classe média aparecem, disse Velasco, “é difícil para Guaidó fazer com que os bairros se levantem. Eles estão sofrendo o maior impacto da opressão”.
Os grupos paramilitares são eficazes em parte porque gozam de impunidade. Enquanto os tradicionais colectivos estavam incorporados em suas comunidades, muitos dos mais novos não estão, e é difícil para os cidadãos identificarem os membros. Eles mascaram seus rostos e suas motocicletas geralmente não possuem placas. Com o aumento da instabilidade política, até bandos de ladrões de carros ou outros criminosos estão se intitulando “coletivos”, disse David Smilde, especialista em Venezuela da Universidade de Tulane.
“Eles cumprem o trabalho clássico dos paramilitares, realizando tarefas de segurança violentas que os agentes de segurança uniformizados não poderiam fazer”, disse ele.
Talvez a arma mais importante dos colectivos seja a sua capacidade de semear o medo.
Força de Ações Especiais
Roberto Patiño, um ativista da oposição, ajudou a liderar as manifestações em 23 de fevereiro na cidade venezuelana de Ureña, com o objetivo de pressionar as forças de segurança a permitir que a ajuda humanitária cruzasse a fronteira da Colômbia. Quando a Guarda Nacional venezuelana lançou gás lacrimogêneo, ele disse, a multidão persistiu.
Mas então os colectivos apareceram, disparando suas armas.
“A maioria das pessoas fugiu para se salvar”, disse Patiño. “Havia um alto risco de ser morto”.
Os colectivos tornaram-se particularmente importantes enquanto o governo parece hesitar em usar o exército para acabar com as manifestações. Enquanto a liderança militar é leal a Maduro, muitos soldados estão sofrendo a mesma fome que outros venezuelanos – e podem desafiar as ordens.
O governo também recorreu a um ramo relativamente novo da polícia nacional, a Força de Ações Especiais (conhecida por FAES), para intimidar e matar jovens manifestantes em bairros pobres, de acordo com grupos de direitos humanos. Alguns ativistas dizem que o novo ramo trabalha de perto com os colectivos. O FAES diz que só vai atrás de criminosos.
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O confronto em Chacao no domingo foi incomum por ter ocorrido no leste de Caracas, região mais rica da cidade. Dois funcionários de uma padaria viram os vizinhos erguerem a barricada na rua Guaicaipuro, no cruzamento com uma grande avenida, Francisco de Miranda. A certa altura, uma picape preta do governo tentou passar, disseram os trabalhadores, mas os vizinhos não permitiram.
Cerca de meia hora depois, o colectivo apareceu e os manifestantes se dispersaram. Enquanto os moradores dos apartamentos gritavam e jogavam garrafas nos motociclistas, disseram os trabalhadores, o líder do grupo emitiu uma ordem: “Mostrem a eles”.
Os motociclistas abriram fogo, disseram testemunhas, e acabaram desmantelando a barricada.
“Não acho que os vizinhos de Chacao vão sair novamente para protestar”, disse Ricardo Linares, de 18 anos, um dos funcionários da padaria.
“Não tenho medo de protestar”, insistiu Junaiker Martínez, um colega de trabalho de 19 anos. “É o único poder que temos. Mas não vou sair sozinho”.
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