Manifestantes egípcios denunciam que o gás lacrimogêneo usado pelas tropas do governo interino na Praça Tahrir, na capital egípcia, é fornecido por uma empresa americana. Eles dizem que cartuchos recolhidos na praça têm a marca e o endereço da companhia Combined Systems Inc.
A empresa funciona em Jamestown, na Pensilvânia. Sua especialidade é a produção do que chama de "dispositivos de controle de multidões" para exércitos e "agências de segurança interna" de todo o mundo. A companhia também fabrica equipamento militar com poder letal.
Os manifestantes egípcios afirmam que o gás da CS parece ser mais poderoso que o usado pela polícia nacional durante os protestos de fevereiro. "É mais forte, queima o seu rosto e faz parecer que todo o seu corpo está paralisado", contou uma testemunha.
Especialistas disseram ao jornal britânico "The Guardian" que o gás parece ter o padrão da CS, mas que os efeitos podem estar sendo exacerbados pelo esforço físico dos manifestantes. Além dos efeitos do gás lacrimogêneo, muitos protestantes sofreram ferimentos graves com balas de borracha no rosto e na cabeça. Há relatos ainda do uso de munição de fato. Dezenas de pessoas foram atendidas em hospitais após inalar o gás usado pelas forças de segurança.
Pelas leis, a exportação de gás para agências estrangeiras não é proibida. A Combined Systems também vendeu gás lacrimogêneo para a polícia israelense - que usou o arsenal contra manifestantes palestinos - e para o regime do ditador deposto da Tunísia, Zine al-Abidine Ben Ali.
Todavia, a revelação de que pessoas estão sendo atingidas e feridas por armas fabricadas nos Estados Unidos é embaraçosa para o governo de Barack Obama.
"Nós temos visto o uso ilegítimo e indiscriminado de gás lacrimogêneo. Há alguns cartuchos da Itália, mas a maioria é dos Estados Unidos", disse Heba Morayef, uma integrante da Human Rights Watch no Cairo. Ela diz que o gás lacrimogêneo não constitui auxílio militar direto, uma vez que ele foi vendido para o Ministério do Interior e não para o exército. "Mas o ideal seria que os governos verificassem para quem eles estão vendendo gás lacrimogêneo."
Morayef diz que o gás está tendo um efeito devastador nas vítimas atingidas, deixando todas em estado de choque e forçando centenas a procurar atendimento médico. Manifestantes também recolheram cartuchos de balas de borracha de 12mm fabricadas na Itália. A Human Rights Watch pretende examinar o material recolhido para descobrir exatamente qual é o tipo de gás que está sendo usado.
Alastair Hay, professor de toxicologia ambiental da Universidade de Leeds, disse ter quase certeza que a polícia do Cairo está usando o gás da CS.
"É um agente de controle de multidões padrão, que tem sido usado há muito tempo. Causa bastante irritação nos olhos, no sistema respiratório e na pele."
O componente químico usado no gás fabricado pela CS (o 2-clorobenzalmalononitrilo) é "perfeitamente legítimo", com muitas empresas o comercializando e governos dispostos a usá-lo em situações de revoltas, acrescentou Hay.
A Combined System ainda não se pronunciou sobre as denúncias.
Ajuda americana ao Exército egípcio chega a US$ 1,3 bi por ano
As denúncias sobre o fornecimento de gás lacrimogêneo para o governo egípcio se juntam a informações de que as relações entre EUA e Egito são mais estreitas do que aparentam, com grande influência americana no país africano.
Depois de lamentar a violência no Cairo, mas não apontar uma má conduta das autoridades egípcias na segunda-feira, a porta-voz do Departamento de Estado americano, Victoria Nuland, condenou nesta terça-feira o uso de força excessiva da polícia. Ela também afirmou que a liderança militar do Egito deve exercer restrição máxima e disciplinar suas forças.
Na quinta-feira passada, o Grupo de Trabalho do Egito (formado por especialistas americanos e criado antes do início da Primavera Árabe) pediu ao governo egípcio que o governo militar afrouxe suas posições, como condição para a continuidade da ajuda do exército americano, que agora está em US$ 1,3 bilhão por ano, o equivalente a um quarto do orçamento militar do Egito.
"Hoje, os resultados da revolução permanecem envoltos em dúvidas, e não está claro se o Conselho Supremo das Forças Armadas está disposto a realmente ceder as rédeas do poder", afirmou uma nota do grupo. A nota também observa que o governo militar adiou o fim do estado de emergência do Egito e agiu para proteger privilégios econômicos de oficiais ameaçados.
Mesmo antes do ínicio dos confrontos no fim de semana passado, o governo de Obama tinha começado a alertar publicamente os comandantes militares do Egito que eles não poderiam continuar se agarrando ao controle político.
A ajuda militar americana e as relações pessoais entre comandantes egípcios e americanos dão grande influência aos Estados Unidos. Os dois países também se comunicam diariamente de maneira formal e informal, de acordo com Paul J. Sullivan, um especialista no Exército egípcio da Universidade de Georgetown, nos EUA.
"Nós não devemos fazer parecer que estamos envolvidos profundamente na tentativa de resolver a situação. A maioria dos egípcios não iria gostar dessa ideia", afirma.
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