Nesta quinta-feira (7), a Huawei disse que processou o governo dos Estados Unidos para contestar uma lei que proíbe agências federais de comprar seus equipamentos de telecomunicação, abrindo um novo capítulo na disputa global entre a gigante chinesa de tecnologia e Washington.
No processo aberto no tribunal distrital federal no Texas, a Huawei argumentou que uma seção da Lei de Autorização de Defesa Nacional de 2019, em vigor desde agosto, que proíbe agências federais e contratadas de comprar equipamentos da Huawei por razões de segurança nacional, puniu injustamente a empresa chinesa sem o devido processo e sem fornecer provas de que a Huawei representa uma ameaça de espionagem para os Estados Unidos.
A denúncia acrescenta uma nova subtrama – nos tribunais norte-americanos – ao grande impasse entre o governo Trump e uma empresa de tecnologia vista como um ícone da ascensão da China a uma potência tecnológica e comercial.
No ano passado, os Estados Unidos tentaram persuadir governos de todo o mundo a rejeitar equipamentos da Huawei, acusaram seus funcionários de roubar tecnologia americana e buscaram a extradição da executiva de alto escalão Meng Wanzhou por acusações de fraude, enfurecendo profundamente o Partido Comunista chinês. Autoridades dos EUA e membros do Congresso argumentam que a Huawei é obrigada a entregar dados ao governo chinês sob a lei chinesa e pode ser obrigada a instalar códigos maliciosos escondidos – um argumento que serviu de base para a proibição das aquisições incluída na lei de gastos.
Em uma conferência de imprensa nesta quinta-feira com os principais executivos e seus advogados sediados nos EUA, a Huawei disse que a proibição violou seus direitos e representou uma instância em que o legislativo passou dos limites. A empresa citou uma proibição constitucional que impede o Congresso de usar os seus poderes para atacar indivíduos como “punição” e disse que estava sendo alvo precisamente disso: um esforço injusto dos legisladores, incluindo os senadores republicanos Tom Cotton e Marco Rubio, para estigmatizá-la como obediente ao Partido Comunista e excluí-la do mercado.
“A Huawei nunca teve uma chance justa de confrontar ou interrogar seus acusadores”, a diretora jurídica da Huawei, Song Liuping, disse a repórteres. “O Congresso dos EUA atuou como legislador, promotor e júri ao mesmo tempo, em oposição à Constituição dos EUA”.
Campanha
Os Estados Unidos fazem uma campanha para dissuadir outros países de usar equipamentos da Huawei nas suas redes 5G, mas não foram recebidos calorosamente por aliados europeus. Autoridades federais argumentaram que os dispositivos de telecomunicação da empresa chinesa representam um grave risco de segurança, de acordo com pessoas a par da situação.
Em encontros bilaterais com oficiais do governo Trump na semana passada, parceiros internacionais foram céticos em relação às alegações dos EUA de que os componentes da Huawei apresentam uma ameaça tão grande à cybersegurança e à segurança nacional que não pode ser controlada, disseram vários participantes dos encontros.
As autoridades europeias foram receptivas aos argumentos dos americanos de que a Huawei, em virtude de sua estreita relação com o governo chinês, poderia facilitar a espionagem chinesa ou interrupções de rede, mas eles discordaram das autoridades americanas sobre se esse risco poderia ser contido, disseram os participantes.
“Eles entendem que há uma preocupação com a segurança”, disse Robert Strayer, secretário adjunto para política cibernética, que participou das reuniões. “A questão é como você resolve isso. Nossa posição é que não há como fazer um controle eficiente. Em uma rede 5G que depende de milhões de linhas de código, é necessária apenas uma linha de código para comprometer a rede”.
A desconexão entre os americanos e os europeus reflete o forte desafio que os Estados Unidos enfrentam ao tentar assumir um papel de liderança na construção de redes 5G que darão suporte a carros autônomos, cidades inteligentes e outras novas tecnologias em todo o mundo.
Só no mês passado, desafiando advertências norte-americanas, operadoras em pelo menos seis países, incluindo Islândia, Arábia Saudita e Turquia – aliados dos EUA, firmaram parcerias com a Huawei, anunciou a empresa.
Para complicar o desafio, o presidente Donald Trump demonstra que está disposto a ajudar a Huawei em suas batalhas com o Departamento de Justiça, se isso fizer avançar seus esforços para obter condições mais favoráveis nas negociações comerciais com a China. Notavelmente, Trump se absteve de soar o alarme sobre a Huawei, ao contrário de outros altos oficiais, incluindo o vice-presidente Mike Pence.
Europa
Em Bruxelas, legisladores da União Europeia têm sido cautelosos em adotar uma proibição total da Huawei em meio a um crescente sentimento na Europa de que as políticas “America First” de Trump podem significar que o que Washington considera ‘ameaças à segurança’ são na verdade ‘ameaças comerciais’.
Na Alemanha, a maior economia da Europa, o governo descartou uma proibição à Huawei – tal medida seria legalmente impossível, dizem autoridades. Mas autoridades ainda estão debatendo se adotarão regras rígidas de segurança para licenças 5G, o que tornaria mais difícil para a empresa competir. O processo de emissão das licenças começa no final deste mês.
O debate coloca funcionários de inteligência e outros que temem que a Huawei apresente riscos de segurança contra aqueles que temem que a exclusão da empresa acabe custando caro para a economia alemã. Esse debate ecoa nos Estados Unidos.
E no Reino Unido, que usa equipamentos da Huawei em suas atuais redes comerciais há mais de uma década, o governo tem procurado controlar o risco de segurança com um centro administrado pela Huawei e supervisionado por uma agência de inteligência britânica. O centro analisa o código-fonte da Huawei em busca de vulnerabilidades.
Enquanto isso, em uma conferência global de tecnologia em Barcelona, um executivo da Huawei criticou a posição dos EUA.
“A acusação dos EUA sobre a segurança do nosso 5G não tem evidências – nada”, disse Guo Ping em sua apresentação. Ele sugeriu que os americanos eram hipócritas, e disse que qualquer um preocupado com espionagem do governo “pode perguntar a Edward Snowden” – se referindo ao ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança que em 2013 revelou detalhes da vigilância da NSA em todo o mundo.