Sede da Agência de Segurança Nacional (NSA), que acessou dados de usuários de internet e telefone de todo o mundo, em Fort Meade (EUA)| Foto: Jim Lo Scalzo/EFE

Entrevista

Paulo Bernardo, ministro das Comunicações

Da Redação, com Vitor Santana, especial para a Gazeta do Povo

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, reconhece que falta uma legislação que proteja o internauta brasileiro. Ele falou sobre o assunto para a Gazeta do Povo, diante da revelação de que empresas sediadas nos Estados Unidos fornecem dados de usuários de todo o mundo ao governo norte-americano.

Como o senhor avalia os efeitos de uma decisão estrangeira que afeta usuários brasileiros de serviços de empresas como Google, Facebook e Microsoft?

É uma denúncia da mais alta gravidade. Essas empresas são transformadas em acessórios anexos do governo americano. Dá para comparar com o que aconteceu no Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente, quando a ministra Laurita Vaz recebeu uma recusa do Google de prestar informações em um processo, porque elas eram armazenadas em território americano. A empresa alegou que o pedido deveria ser feito através das leis americanas. A ministra decidiu que o Google é uma empresa com sede no Brasil, com CNPJ e que atua legalmente no país, então deveria cumprir as leis brasileiras.

O governo pode criar medidas para evitar que empresas com sede no país enviem dados e informações para o exterior?

Nós teríamos de ter uma legislação determinando que os data centers (equipamentos de armazenamento de dados) ficassem no país. Não há como, por meio de uma lei, garantir que os EUA não rastreiem dados brasileiros enviados para seus servidores. É perfeitamente possível exigir que as informações também fiquem no Brasil.

A estrutura da internet brasileira passa pelos Estados Unidos?

Temos um problema nos pontos de troca de tráfego no Hemisfério Sul. Quando você está navegando na internet, todas as informações vão para esses pontos que ficam nos EUA e na Europa. Nós pagamos, pelo menos, U$ 600 milhões por ano para poder trafegar por ali. Acredito que precisamos de uma governança multilateral na internet para mediar situações como essa, já que não temos como verificar o que acontece com essas informações.

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Embora empresas de internet como Google e Facebook neguem ter fornecido dados de usuários ao governo dos Estados Unidos, reportagem do jornal The New York Times mostra que muitas companhias americanas fizeram um acordo para mudar os sistemas e, como isso, facilitar o monitoramento de dados pelos serviços de inteligência.

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A revelação ocorreu dois dias após a denúncia de que dados de usuários de empresas como Google, Facebook, Microsoft e Apple foram monitorados pela Agência Nacional de Segurança (NSA, em inglês), como parte de um programa chamado Prism.

Através do programa, os agentes de inteligência têm acesso a conteúdos de e-mails, mensagens de voz e vídeo, perfis de redes sociais e arquivos compartilhados entre usuários.

Segundo o jornal, as mudanças foram aprovadas após acordo entre executivos das empresas e o governo americano. Dentre as empresas que teriam aceitado a alteração, estão Google, Facebook, Microsoft, Apple, Yahoo e a AOL.

As companhias são obrigadas por lei a fornecer os dados dos investigados por serviços de inteligência, de acordo com o Código de Vigilância e Inteligência Estrangeira. No entanto, algumas empresas fizeram acordos informais para abrir pequenas brechas nos sistemas para permitir o compartilhamento de informações de forma extraoficial. Os dados seriam trocados em salas de bate-papo secretas, hospedadas em servidores confidenciais.

Uma das empresas, no entanto, não aceitou o acordo e se manteve apenas no sistema legal de vigilância. O Twitter se negou a fornecer brechas em seus sistemas para permitir maiores invasões do governo. O serviço de microblog também não aparece entre as empresas que foram monitoradas pelo Prism.

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Reação europeia

As revelações sobre o sistema de espionagem dos EUA não caiu bem aos olhos da União Europeia. O bloco discute a privacidade online e se sente ameaçado pelos serviços de inteligência norte-americanos no ciberespaço – considerado um novo domínio da geopolítica mundial.

A comissária da União Europeia para Justiça, Vivian Redding, afirmou que as notícias comprovam a necessidade de proteger os direitos individuais. "Esse caso mostra que um reforço legal claro para a proteção dos dados pessoais não é um luxo ou um constrangimento, mas um direito fundamental", disse em nota.

Brasileiro pode processar as empresas

i>Da Redação, com Thomas Rieger, especial para a Gazeta do Povo

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Os brasileiros que se sentirem lesados com a revelação de que a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA) consegue compilar informações telefônicas e digitais de empresas como Microsoft, Apple e Facebook de usuários de todo o mundo podem ingressar com ações judiciais contra essas companhias, segundo o doutor em direito internacional e coordenador do curso de Direito da FAE, Eduardo Saldanha.

"Os atos das empresas estão respaldados nos EUA, mas a lei norte-americana só se aplica dentro do território deles", explica. Quando houver filial no Brasil, como é o caso da Google, o trâmite fica mais simples, já que há bens que podem ser penhorados por aqui. Mas ainda é possível entrar com ações contra as matrizes ou tentar fazer valer uma sentença brasileira em território internacional. "É necessário homologar uma decisão tomada no Brasil nos Estados Unidos. Só que a probabilidade de um juiz norte-americano não aceitar a sentença com base na segurança nacional deles é muito grande", argumenta Saldanha.

Debate

O doutor em direito internacional ressalta que a "culpa" por essas atitudes que violam a privacidade dos cidadãos deve recair sobre as empresas e não sobre os Estados Unidos que, para ele, estão no direito de proteger seus cidadãos. "As companhias privadas utilizam a legislação norte-americana de modo irresponsável para justificar a divulgação de dados de pessoas que, às vezes, nunca sequer foram à América do Norte. É uma questão de rever a conduta dessas empresas", comenta.

Para o cientista social e membro do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) Sérgio Amadeu, a responsabilidade é não apenas das empresas, mas também dos Estados Unidos. "O Estado americano usa questões de grande apelo popular – nesse caso, a defesa nacional –, para que pessoas concordem com violações que, em momentos pacíficos, jamais seriam aceitos. Os usuários abrem mão da liberdade em troca de uma suposta segurança", assinala.

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O Marco Civil da Internet, lei que tramita na Câmara dos Deputados e visa regulamentar o uso da web no Brasil, pode evitar que problemas como esses aconteçam no país. "Como está escrito, a lei nacional defende firmemente a privacidade e a intimidade dos cidadãos. Se os deputados a aprovassem rapidamente, poderíamos até atrair empresas estrangeiras para se instalarem aqui", sugere Amadeu.