Se anteriormente os confrontos entre as etnias tinham um caráter mais local, hoje com o mundo sob a égide unificadora da globalização tais conflitos interessam não apenas à região em que se desenrola a disputa, mas também às demais nações que compõem o globo. "Se pensarmos na dimensão atual de um conflito étnico concluímos que até um confronto de menor escala, como o que aconteceu em Ruanda, tem uma repercussão gigantesca", explica Marcos Dias de Araújo, mestre em História e professor de Relações Internacionais na Universidade Tuituti do Paraná (UTP) e professor de História na Universidade Positivo.
No caso de Ruanda, o conflito inicial entre tutsis e hutus acabou por se alastrar para o Congo e depois para outras nações africanas, envolvendo países que a princípio nada tinham a ver com a disputa.
Os conflitos étnicos não são um fenômeno atual. Eles ocorrem desde o início da evolução da humanidade. Recentemente muitos cientistas passaram a defender a ideia de que foi em meio à uma guerra étnica que o Homo Sapiens extinguiu o Homem de Neanderthal, sucedendo-o na linha evolucionária da espécie. Confrontos deste tipo, em que determinada etnia se sobrepõe a outra, são encontrados em diversas passagens históricas como durante a expansão do Império Romano, as Cruzadas da Idade Média ou os massacres nazistas que aconteceram na Segunda Grande Guerra Mundial.
"Os conflitos étnicos sempre existiram e sempre existirão, porque servem de desculpa para outros tipos de conflitos, como os religiosos, territoriais ou econômicos", revela Araújo. A novidade, dizem os especialistas, é a frequência com que esses embates étnicos têm ocorrido após o fim da Guerra Fria na década de 1990, bem como o alcance conseguido pelos mesmos.
Para Sérgio Gil Marques, professor do curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco, a maioria desses conflitos tem sim uma explicação histórica e ela também vai de encontro ao fenômeno da globalização. Segundo o professor, em tempos de Guerra Fria (EUA x URSS) o mundo era bipolarizado. Após a falência do socialismo na União Soviética e a derrocada do sistema comunista nos demais países, eliminou-se a "camisa de força" que engessava as disputas políticas internacionais. De acordo com o professor, muitas sociedades perderam então o elo que as tornavam próximas entre si. "E foi justamente nessa perspectiva que muitas particularidades resolveram emergir. Determinados povos decidiram se mostrar e afirmar sua própria identidade", avalia Marques.
Foi o que aconteceu com a própria União Soviética, atualmente fragmentada em diversos países mas que antes compunham uma única nação. Segundo os especialistas, isso é resultado de um fenômeno que repercutiu em pontos distantes do globo, trazendo à tona diferenças até então renegadas pela força centralizadora dos Estados majoritários. "Nesse sentido, pode-se dizer que a globalização uniformizou um certo modos vivendi, mas por outro lado ela fragmentou", analisa Marques. "Há uma série de conflitos que eclodiram e que acabaram trazendo essa ideia de particularidade visível em meio à globalidade. E isso acabou causando essa profusão de conflitos", finaliza o professor da Rio Branco.
Interesses cruzados
Ainda na seara dos conflitos com repercussão internacional figura os confrontos entre palestinos e israelenses. "Trata-se de uma situação que já envolve países como os EUA, Síria, Egito, Irã, entre outros. E isso significa que, por sua relevância e interesse, o confronto deva se estender por mais tempo, com graves repercussões para ambos os lados", comenta Marcos Dias de Araújo. O professor observa, porém, que o que acontece entre Israel e Palestina não pode ser classificado unicamente como um conflito étnico. "Temos aí uma questão territorial, cultural, política e que envolve e mobiliza religiosamente as pessoas", conclui.
Sérgio Gil Marques destaca que apesar de haver indícios étnicos no confronto entre palestinos e israelenses, o que os move de fato são as disputas territoriais. "Etnicamente, israelenses e palestinos têm a mesma raiz [semitas e camitas]. Nesse caso é mais um conflito de nacionalidade, já que ambos lutam por uma terra que acreditam ser sua", analisa.
E essa fronteira de conceitos é realmente muito tênue. Quando o assunto são as disputas entre a China e o Tibete, por exemplo, a questão se torna ainda mais complicada já que a própria China é uma mistura de várias etnias, o que indica uma série de particularidades intrínsecas a esse conflito. "Um dos fatores determinantes ao confronto é o fato de China e Tibete terem visões de mundo muito diferentes, já que uma é baseada nos princípios materialistas do comunismo [China] e a outra no princípio da contemplação budista", comenta Marques. Para o professor, o cruzamento desses interesses indica a mistura de uma série de fatores nessa disputa.
"Às vezes, um conflito não é apenas étnico, podendo estourar por razões étnicas e ser continuado por conta de uma resistência à dominação. Nesse caso não se trata apenas de uma questão de etnia, mas sim de cultura", conclui Marques.