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A cientista política guatemalteca Gloria Álvarez
A cientista política guatemalteca Gloria Álvarez| Foto:

Seu discurso é direto e preciso. Gloria Álvarez diz o que pensa, e não parece ter medo de ser ‘politicamente incorreta’ ao falar sobre os mais diversos assuntos, por mais controversos que estes sejam — mesmo nas ocasiões em que expressa sua pouco usual visão do mundo diante de um público nem sempre favorável às suas ideias. Aos seus 34 anos de idade, a cientista política e escritora guatemalteca é considerada uma das vozes mais influentes da política latino-americana e, para o prazer ou para o desgosto tanto de fãs quanto de adversários, ela não pretende parecer moderada na hora de defender suas convicções. Seu discurso libertário e anti-populista a trouxe à fama internacional em 2014 graças ao poder das redes sociais. Hoje, Álvarez já tem publicado dois livros e palestrado em dúzias de  países, desconstruindo ideologias e apresentando para milhares de pessoas os princípios que ela considera serem fundamentais para construir um futuro mais livre e próspero para a América Latina.

No âmbito do Fórum da Liberdade, acontecido em Porto Alegre nos dias 8 e 9 de abril, Gloria Álvarez concedeu uma entrevista exclusiva para a Gazeta do Povo.

Até o momento, a senhora tem publicado dois livros: El Engaño Populista (O Embuste Populista, em português), co-escrito com Axel Kaiser e publicado em 2016; e Cómo Hablar Con Un Progre (Como Falar Com Um Esquerdista, em português), em 2017. A senhora está trabalhando atualmente na publicação de um novo livro intitulado Como Falar Com Um Conservador. Me comente um pouco sobre sua nova obra.

— Senti a grande necessidade de defender o libertarianismo como já é defendido no mundo anglo-saxão, onde a diferença entre libertarianismo e conservadorismo é claríssima, mas na América Latina, não. Na América Latina há muitos ‘lobos’ conservadores disfarçados de ‘ovelhas’ libertárias, e acredito que um dos grandes erros dos libertários no século 20 e começos do 21 foi sempre fazer política com a direita conservadora mercantilista, pois a direita usa nossos slogans, falam em baixar impostos, em abrir o mercado, mas na hora de governar sempre continuam impondo mais mercantilismo estatal. Ou seja, esse famoso ‘‘capitalismo de compadrio’’, que foi o que governou na década de 1990 na América Latina, e o que levou as pessoas à exaustão, empurrando-as para as mãos de ditadores socialistas. Então eu acredito que é bem necessário diferenciar o conservadorismo e o libertarianismo, e por isso faço este livro.

Então, como falar com um conservador?

— É um desafio diferente a Como Falar Com Um Esquerdista, pois com os progressistas eu ria das suas incongruências, dos ‘comunistas com Iphone’ (por exemplo). Mas com o conservador um está debatendo sobre coisas que eles realmente tomam como santuários dogmáticos. Então comecei analisando a história, pois os conservadores sim gostam de dados e de história, e analisei várias obras de autores como Edmund Burke (o pai do conservadorismo), descobrindo que os inimigos dos liberais eram os conservadores muito antes do socialismo. Quando começaram as revoluções como a industrial, que deixaram a religião por trás, os conservadores queriam continuar mantendo velhos dogmas como a monarquia e escravidão, ideias totalmente opostas às dos liberais clássicos da época, que apoiavam o progresso e a liberdade individual. No meu livro, eu falo que conservar está certo, sim, mas que devemos conservar aquilo que nos faz melhores como sociedade. E o que nos faz melhores?: a liberdade. Eu falo de conservar a liberdade sexual, não só a que eles [os conservadores] acham que é correta. Falo também de conservar a família, mas incluindo todos os tipos de família que têm existido desde sempre, pois as famílias não só têm sido ‘pai, mãe e filhos’, as famílias têm sido também ‘mãe solteira e filhos’, ‘avós cuidando de netos’, ‘tios cuidando de sobrinhos’, etc. Ou seja, a família é uma unidade muito diversa. Também falo de conservar o livre mercado, mas inclusive aqueles mercados ‘‘desconfortáveis’’, como o mercado da prostituição e das drogas. Eu tento dizer com esse livro que se vamos conservar algo, conservemos a liberdade, não os dogmas que certos setores da sociedade consideram corretos, porque aliás, a batalha cultural não será ganha pelos conservadores, os jovens não voltarão a ser mais religiosos, nem mais classistas, nem mais racistas, nem mais machistas, então entre esse discurso ranço conservador ou o marxismo cultural, os jovens ficam com o marxismo cultural, e se os libertários não nos separamos dos conservadores o socialismo continuará sendo ‘‘bem-vindo’’ por muitos.

A senhora se considera uma libertária?

— Totalmente.

Por quê?

— Porque é a filosofia que defende a liberdade individual e a liberdade econômica como um todo.

Suponho que a senhora deve encontrar uma grande oposição às ideias que defende, tanto de um lado do espectro político como do outro. A senhora não tem medo de defender o que pensa numa região tão violenta e tão dominada pelo que critica?

— Já perdi esse medo. Quando alguém é ao menos um pouco conhecido, seus melhores guarda-costas são as redes sociais, quanto mais um comente onde está e o que está fazendo e mais gente te conheça, é mais difícil ser morto. Isso é algo que aprendi dos dissidentes cubanos. Se eu só fosse conhecida no meu país, Guatemala, provavelmente, sim, teria medo. E para lidar também com tanto ataque nas redes sociais me apoio muito da minha família e amigos, aliás, também estou ciente de que tanto os fãs cegos como os haters da internet não são o reflexo do que eu sou, não posso me deixar guiar nem por elogios nem por insultos, uma sempre tem que procurar a gente pensante.

A senhora se considera uma mulher feminista?

— Sim, mas feminista sob os termos do liberalismo.

Qual é a sua opinião do movimento feminista global atual?

— O feminismo atual faz parte de outra bandeira que o marxismo tem tomado, e isso é um problema, pois já não busca a igualdade das pessoas diante da lei, busca o ressentimento das mulheres contra os homens, como mesmo o marxismo busca a luta entre classes.

Muitas mulheres auto-proclamadas feministas argumentam que o movimento luta para acabar com um suposto sistema patriarcal opressor. A senhora acredita que existe um patriarcado?

— Eu acredito que tem existido ao longo dos séculos uma cultura focada em que o homem tenha prioridade na sociedade, isso é evidente, pois algumas décadas atrás a mulher não podia votar, não podia ter propriedade privada, não podia nem trabalhar, e isso foi em grande parte responsabilidade do papel dogmático de certas religiões. Eu acredito que a melhor forma de atacar essas questões é como o faz a escritora liberal espanhola Maria Blanco. Ela expressa em suas obras que, por exemplo, o feminismo da primeira onda é totalmente compatível com o liberalismo, pois buscava que a mulher tivesse propriedade, direito ao voto e igualdade diante da lei, que uma mulher pode ter a autodeterminação de ser tanto prostituta quanto freira se ela quiser, sempre que não agrida os direitos individuais dos outros, e que o feminismo da terceira onda está influenciado demais pelo marxismo, por isso não nos levaria a nada. Eu acredito que os libertários devemos falar dessas coisas, os conservadores se negam a fazê-lo, eles dizem que falar de feminismo é igual a apoiar ao marxismo cultural, mas não, eu acredito que se os jovens tiverem acesso a livros de autoras como Maria Blanco antes do que a um panfleto marxista, eles não acabariam apoiando ideologias radicais.

A senhora é oficialmente candidata às eleições presidenciais de Guatemala, que terão início em junho deste ano. Me comente um pouco sobre a sua candidatura.

— Minha candidatura é a mais ecológica que tem existido no meu país, e talvez em Latinoamérica. Consiste em um vídeo com as minhas propostas, cinco delas que não são negociáveis, pois são questões econômicas, como a taxa fixa de impostos, descentralização do orçamento para que estado seja dono das suas receitas, eliminação de 14 ministérios para deixar só quatro, eliminação de 15 secretarias, e que do orçamento geral da nação, 50% seja para segurança e justiça. E outras dez propostas das quais os cidadãos podem escolher cinco, como a desmonopolização da adoção, legalização do voto branco e nulo, da maconha, da cocaína, da prostituição, do aborto, do matrimônio homossexual, da adoção homoparental, da venda voluntária de órgãos, e da eutanásia. Então essas propostas juntas fariam meu plano de governo. É algo que nem a esquerda nem a direita de Guatemala tem proposto nunca.

Segundo as leis do seu país, sua candidatura à presidência poderia ser invalidada, pois a constituição de Guatemala exige que os candidatos tenham uma idade mínima de 40 anos e um partido político para poder concorrer. Qual é a sua opinião sobre isso?

— É certo. A constituição do meu país, que tem a minha idade, pois foi criada no ano 1985 diz isso, e eu não tenho nem 40 anos nem sou filiada a algum partido político no meu país.

É a sua candidatura então  uma mensagem ao status quo de Guatemala?

— Sim. É uma mensagem para questionar por que seguimos leis sem sentido que não possuem nenhum fundamento científico nem lógico. Por qué 40 anos? Por quê não 80, ou 75, ou 65, ou 34? Por quê não permitir uma candidatura independente? Esse é o questionamento que eu quero trazer para o debate público.

Com as eleições dos últimos anos, a política regional começou a tomar um giro de 180 graus. Em vários países onde governos mais alinhados com a esquerda gozaram do poder durante décadas, agora os movimentos progressistas têm perdido apoio popular e, como resultado, os governos de direita têm sido eleitos em todo o continente, como foi o caso do Chile, Brasil, Colômbia e Costa Rica, por exemplo. Qual a senhora acha que seja a razão deste fenômeno?

— É um fenômeno que talvez poderíamos analisar como um desgaste social produzido por esses governos progressistas durante décadas. É algo muito parecido com o acontecido na região a partir da segunda metade do século passado, é um novo ciclo onde as pessoas ficam cansadas dos governos dos últimos anos por causa da corrupção, ou do mercantilismo estatal, ou de políticas públicas que deram errado. Isso acontece uma e outra vez em América Latina, onde tristemente não conseguimos sair de um ciclo entre governos socialistas e governos conservadores mercantilistas de direita.

A senhora acha que agora com mais governos de direita da região o projeto do chamado ‘Socialismo do Século 21’ poderia acabar sumindo totalmente da política nos próximos anos?

— Não. Dificilmente. Nos próximos anos é muito provável que continuem existindo movimentos e governos dispostos a tentar o socialismo na região, por enquanto o foco da nova esquerda latino-americana está agora no presidente de México Andrés Manuel López-Obrador.

Uma das questões que mais divide a sociedade brasileira hoje é o debate nacional sobre a ampliação dos direitos de posse e porte de armas de fogo por cidadãos civis. Neste país existe um estatuto de desarmamento em vigor desde o ano 2003 que regula fortemente essas atividades. Durante a última campanha presidencial, tanto o Sr. Bolsonaro quanto seus colegas de partido criaram a partir deste tema uma de suas mais importantes (e polêmicas) propostas eleitorais: reformular o estatuto do desarmamento e garantir à maioria dos brasileiros o direito à legítima defesa. Qual é a sua opinião sobre o porte e a posse de armas de fogo por cidadãos civis?

— Eu acredito que as armas de fogo são parte do direito à vida e à propriedade privada, pois quando o governo tira as armas dos cidadãos, as pessoas comuns não têm condições de se defenderem de uma possível ditadura. Se tanto é preocupante a questão das armas para muitos, as pessoas deveriam se dar conta que quem têm as piores armas são os governos, milhares de armas de destruição massiva pagas com os impostos dos cidadãos. Se as pessoas não tiverem o direito de ter armas, com certeza não teriam como defender seus direitos fundamentais, como são a vida, a liberdade e a propriedade.

Hoje, o tráfico de drogas é um dos problemas mais graves da nossa região. Mas ao longo das últimas décadas, tanto os governos progressistas como os de direita acharam extremamente difícil encontrar formas eficazes de deter o tráfico e todas as consequências que essa atividade ilícita deixa nas comunidades. Que políticas públicas a senhora acha que poderiam ser mais eficazes na abordagem deste problema?

— Liberalizar o mercado das drogas. A guerra contra as drogas não tem sido efetiva nas últimas décadas. A realidade é que o consumo desses produtos não vai desvanecer-se com violência estatal. Sempre que continue proibido aos cidadãos comuns criar um mercado regulado dessas substâncias, criminosos continuarão se aproveitando dos altos preços produzidos pela alta demanda, da corrupção do poder estatal e da violência para continuar gerando dinheiro através do tráfico.

Durante anos você tem sido uma das vozes mais críticas do populismo na região. Para a senhora, o que é populismo?

— Oferecer coisas que não possuem nenhuma lógica histórica nem econômica.

Cómo podemos identificar políticos populistas?

— O vitimismo político e social, o uso da democracia para acabar com ela, a diferenciação entre ‘o povo’ e ‘a elite’, o predomínio dos argumentos emocionais sobre os racionais nas questões econômicas e culturais; essas são algumas das características que podemos encontrar em muitos políticos populistas tanto de esquerda quanto de direita.

Qual a senhora acha que seja a vacina contra o populismo?

— Cada pessoa deveria cuidar da sua própria vida e parar de acreditar que um governo pode ter a solução para todos seus problemas, e com isso cada pessoa deveria se responsabilizar por seus próprios atos individualmente da mesma forma.

Em que projetos a senhora está trabalhando atualmente?

— Estou trabalhando na publicação do meu novo livro Como Falar Com Um Conservador, também na candidatura para a presidência, e continuarei nas próximas semanas minha turnê por Brasil, Argentina y Chile.

Qual é seu sonho para a América Latina?

— Meu sonho é que a América Latina seja um dia mais livre do que é hoje.

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