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A reforma judicial da Argentina está causando confusão por onde passa: na apresentação do governo, no Senado e agora na Câmara dos Deputados, onde sequer começou a ser debatida. Ela é a raiz do mais recente desentendimento entre deputados oficialistas e o maior bloco opositor da casa, e fez muitos internautas irem ao Twitter para denunciar um suposto golpe de estado por parte do kirchnerismo. Mas antes de saltar a conclusões é preciso entender o que está acontecendo na política argentina.
Por conta da pandemia de Covid-19, a Câmara de Deputados está realizando as sessões de forma virtual. Contudo, o protocolo adotado em maio expirou em 7 de agosto, dando início a uma briga entre os deputados das bancadas Frente de Todos (pró-Kirchner) e Juntos por el Cambio (do ex-presidente Maurício Macri): o lado governista defende que o protocolo seja prorrogado e que as sessões continuem sendo virtuais para proteger deputados e servidores do vírus, enquanto a ala opositora alega que é preciso voltar ao plenário para discutir temas sensíveis ao país, como a reforma judicial, nem que para isso seja necessário alugar um espaço maior para comportar os 257 deputados.
O Juntos por el Cambio, com seus 116 parlamentares, é o único bloco da oposição que travou o pé quanto às sessões virtuais. Os demais blocos de oposição ou concordaram com o Frente de Todos ou ficaram em cima do muro.
Apesar do impasse, o presidente da Câmara, Sergio Massa (pró-Kirchner), decidiu convocar uma sessão na terça-feira (1º) para discutir duas propostas de lei que nada tinham a ver com a reforma judicial e que contavam com amplo apoio na casa: uma tratava sobre ajuda ao setor de turismo no país e outra sobre pesca ilegal nas Malvinas. Analistas da política argentina apontam que foi uma jogada de Massa para que posteriormente pudesse alegar que o Juntos por el Cambio estaria travando pautas importantes para o país. Mas a bancada opositora não se rendeu: 94 deputados dos 116 resolveram ir até a capital para participar pessoalmente da sessão - afinal, eles poderiam fazer isso.
Aí então criou-se uma situação bizarra: uma parte dos deputados estava participando de uma sessão virtual, enquanto que os deputados do Juntos por El Cambio (JxC) que estavam presentes na Câmara constavam como ausentes na reunião virtual por não terem logado no sistema online. Isso mesmo: os presentes estavam ausentes. E os projetos na pauta foram aprovados sem os votos dos deputados que estavam no prédio da Câmara.
Ainda assim, houve debate entre as partes. Os deputados ficaram boa parte da noite discutindo o significado de consenso, porque quando o protocolo que instaurou as sessões online foi aprovado, ficou acordado que uma renovação exigiria o consenso de todos os blocos que compõem a Câmara. Para o JxC o texto exige que todos estejam de acordo. Para as demais bancadas, a maioria já era suficiente para seguir com as reuniões virtuais.
Os deputados opositores então propuseram que as reuniões remotas continuassem, mas sem que assuntos complexos entrassem em pauta. Massa recusou a proposta, pressionado por Maximo Kirchner (filho de Cristina Kirchner e líder do Frente de Todos na Câmara), valendo-se da prerrogativa de que o oficialismo é quem define o que será colocado na agenda para discussão. Mas por trás da alegação oficial, há oportunismo por parte dos kirchneristas ao aproveitar-se da situação para votar seus projetos sem a presença da maior força opositora da casa.
Como resultado da noite conturbada, o Juntos por el Cambio decidiu que vai pedir a anulação da sessão realizada nesta terça-feira, com base no seu entendimento sobre “consenso” e o protocolo expirado. Maximiliano Ferraro, um dos deputados que estiveram no Congresso, disse nesta quarta-feira que os colegas oficialistas cometeram "um ato que viola a ordem institucional" da Casa.
O presidente Alberto Fernández, ao comentar o ocorrido, criticou a oposição e deixou a situação mais confusa ao dizer que não houve sessão na noite de terça. "Ontem, a única coisa que conseguiram é que aqueles que têm a pior experiência com a pandemia, que são os que vivem do turismo, hoje estão um pouco piores porque o Congresso não conseguiu realizar a sessão".
Ao fim, parece que trata-se mais de uma questão de desentendimento político e oportunismo por parte dos kirchneristas do que um golpe de Estado no parlamento.