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Apoiador da junta militar do Níger carrega faixa com a mensagem “Macron, diga aos seus cachorrinhos para deixarem nossas terras”, durante manifestação em Niamey
Apoiador da junta militar do Níger carrega faixa com a mensagem “Macron, diga aos seus cachorrinhos para deixarem nossas terras”, durante manifestação em Niamey| Foto: EFE/EPA/ISSIFOU DJIBO

Continente rico em recursos naturais, a África testemunhou nos últimos anos um aumento no número de golpes de Estado, à medida em que militares tomaram o poder de líderes civis em vários países da região do Sahel, da África central e da África ocidental.

O último golpe ocorreu no Gabão, nesta quarta-feira (30), quando militares derrubaram o presidente Ali Bongo Ondimba, após a divulgação do resultado das eleições em que ele foi reeleito.

Esses golpes têm remodelado o cenário geopolítico do continente africano, onde atores externos têm diferentes interesses estratégicos e agendas.

Com os recentes golpes, a França, uma antiga potência colonial com influência sobre muitos países africanos, vê seu papel e reputação diminuírem, enquanto a Rússia e a China aproveitam a oportunidade para alavancar suas agendas e ganhar mais espaço na região.

O “quase império” francês na África

A França mantém há muito tempo uma relação próxima com suas antigas colônias na África, com apoio econômico, militar e diplomático. Além disso, a França também interveio militarmente em vários países africanos para “proteger seus interesses” e de aliados, como no Mali, onde lançou a Operação Serval em 2013, com apoio dos EUA, para combater a ameaça de radicais islâmicos.

O país atualmente presidido por Emmanuel Macron também foi um parceiro importante do G5 Sahel, uma força de segurança regional que era composta por Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger.

No entanto, a influência e a legitimidade da França na África começaram a ser desafiadas por uma série de eventos que expuseram suas fraquezas e falhas. Em 2020, a França enfrentou uma onda de protestos antifranceses em vários países africanos, que foram desencadeados pelos comentários do presidente Macron sobre o Islã: ele afirmou que a religião estava “em crise” em todo o mundo e anunciou medidas para combater o “separatismo islâmico” na França, com restrições ao ensino doméstico e maior supervisão das escolas religiosas.

Além desses movimentos, muitos africanos começaram a acusar a França de se intrometer demais em seus assuntos internos e de apoiar governos corruptos para poder explorar os recursos desses países.

Nos últimos anos, antes do Gabão (onde a mesma família governava o país há 55 anos), três de suas ex-colônias, Mali, Burkina Faso e agora Níger, passaram por golpes militares que destituíram presidentes eleitos por voto direto. Nos três casos, a França condenou os golpes e pediu o retorno à ordem constitucional, mas seus apelos foram amplamente ignorados pelos líderes das juntas golpistas e pela população.

Os três países se aproximaram da Rússia, com a população do Níger inclusive saindo às ruas para comemorar a queda de Mohamed Bazoum, presidente que contava com o apoio francês.

Após o golpe no Níger, os líderes militares que assumiram o poder também expulsaram o embaixador francês do país, enquanto alguns manifestantes exibiam mensagens anti-França e pró-Rússia pelas ruas. Os franceses também foram expulsos de Burkina Faso e do Mali, e os líderes golpistas suspenderam sua participação no G5 Sahel e buscaram laços mais estreitos com os russos.

Em resposta a essas movimentações, a França apenas encerrou parcialmente suas operações militares em países afetados pelos golpes e reorganizou sua presença militar no continente (ainda há cerca de 1,5 mil soldados franceses no Níger e 400 no Gabão). Os franceses também suspenderam sua ajuda financeira para países como o Níger.

“Se, como parece provável, o ódio à França se intensificar [na região], então há todas as possibilidades de evacuações completas, incluindo dos soldados franceses, à medida que as principais nações francesas da África subsaariana completam finalmente o processo de descolonização”, afirmou Nabila Ramdani, jornalista e pesquisadora especializada em questões anglo-francesas, em artigo para o The Guardian.

Segundo alguns analistas, há várias razões pelas quais a França está perdendo terreno na África. Uma delas é que as intervenções militares da França não conseguiram abordar as causas subjacentes da instabilidade e violência no continente. Em vez disso, muitas vezes criaram mais ressentimento e resistência entre as populações locais, que as percebem como neocoloniais ou interesseiras.

“Podemos citar controvérsias históricas ligadas à colonização. Muitos de nós somos filhos de pais que conheceram o período colonial e as suas humilhações”, disse à BBC o analista político da Costa do Marfim Sylvain Nguessan.

Outra razão é que a assistência econômica da França para os países onde mantinha sua influência não conseguiu promover o desenvolvimento sustentável e o crescimento na África. Por vezes, essas assistências também estiveram ligada a condições políticas ou de interesses comerciais que beneficiassem empresas ou elites políticas francesas.

Há também a influência diplomática da França, que não conseguiu promover a governança democrática e os direitos humanos na África. Em vez disso, muitas vezes foi comprometida pelo apoio a regimes autoritários ou corruptos que serviam de certa forma a seus interesses estratégicos.

"Durante as primeiras décadas pós-independência [das antigas colônias] a França manteve uma densa rede de ligações pessoais com líderes e elites africanas - apelidadas de "françafrique" - que muitas vezes deslizou para uma protecção mútua de interesses instalados, com pouca consideração pelos direitos humanos ou pela transparência", escreveu em seu artigo para a BBC, Paul Melly, consultor do Programa África no think tank Chatham House.

"Entre as potências externas, Paris estava longe de ser a única a conspirar com aliados ditatoriais, mas as suas relações [com governos considerados corruptos pela população] eram particularmente estreitas e inquestionáveis", afirmou Melly.

Segundo outros analistas, também existem fatores externos que explicam o porquê da França estar perdendo terreno na África: um deles é que a demografia e a dinâmica da África mudaram significativamente ao longo dos anos.

Eles afirmam que a África agora abriga cerca de 1,3 bilhão de pessoas, que são cada vez mais jovens, urbanizadas e conectadas. Essas pessoas têm aspirações e expectativas mais diversas sobre seus governos e parceiros do que as gerações anteriores. Elas também têm mais acesso a informações e fontes alternativas de influência do que antes.

Outro fator apontado é que a geopolítica da África se tornou mais complexa e competitiva ao longo dos anos. A África agora é um palco para múltiplos atores que oferecem modelos e opções diferentes de cooperação e desenvolvimento em relação à França. Esses atores incluem organizações regionais, como a União Africana (UA), potências emergentes, além de rivais tradicionais, como Estados Unidos, Rússia e China.

“O resultado mais bem-vindo de tudo isto seria que o Níger e outros Estados africanos que seguissem um caminho semelhante escolhessem o autogoverno e um futuro democrático – mas é mais provável que países com históricos ainda piores em termos de corrupção, abusos dos direitos humanos e má gestão generalizada intervenham para preencher o vácuo de poder”, disse Ramdani.

A ascensão de Rússia e China na África

Enquanto a França vai perdendo seu espaço, Rússia e China estão expandindo sua presença e influência no continente. Ambos os países adotaram estratégias diferentes em relação à África, mas compartilham o objetivo convergente de fortalecer lideranças locais para tentar assim minar a influência dos Estados Unidos e da Europa no continente.

A Rússia concentrou-se em fornecer assistência militar e de segurança a países africanos, especialmente para aqueles que estão enfrentando conflitos ou sanções. Moscou vendeu armas, treinou soldados e implantou mercenários, como os do Grupo Wagner, em países como República Centro-Africana, Líbia, Sudão, Chade, Burkina Faso e agora Níger.

A Rússia também buscou acesso a outros recursos naturais, como petróleo, diamantes e urânio, em troca de seu apoio. Nesse intercâmbio, o país de Vladimir Putin usou sua influência diplomática para defender seus aliados africanos no Conselho de Segurança da ONU e em outros fóruns internacionais.

A China, por sua vez, adotou uma abordagem mais econômica e de infraestrutura em relação à África, investindo pesadamente em projetos como estradas, ferrovias, portos e usinas de energia por diversos países do continente.

Pequim também ofereceu empréstimos, doações e alívio da dívida para os países africanos como parte da iniciativa conhecida como “Nova Rota da Seda”, uma estratégia global que visa ampliar a influência dos chineses pelo continente, pela Ásia e também pela Europa.

O regime de Xi Jinping aumentou seus laços comerciais e culturais com os africanos, tornando-se um de seus maiores parceiros comerciais desde 2009. Além disso, os chineses também usaram seu poder para promover seu “modelo político e valores” entre as elites e a população africana.

Em uma entrevista para o site The Hindu, Paul Nantulya, assessor sênior do Africa Center for Strategic Studies, uma instituição acadêmica do Departamento de Defesa dos EUA, afirmou que "um em cada três grandes projetos de infraestrutura na África é construído por empresas estatais chinesas e um em cada cinco é financiado por um banco de políticas [de desenvolvimento] chinês. A Rússia, um importante exportador de armas para a África, também está fazendo incursões no continente, inclusive através de projetos de mineração concedidos ao grupo paramilitar privado Wagner".

Quais são os impactos da participação da Rússia e da China na África?

A participação da Rússia e da China na África tem suscitado preocupações entre países ocidentais devido às suas intenções e implicações abrangentes para a democracia, os direitos humanos e a segurança no continente.

Analistas têm apontado alguns impactos negativos dessa participação. Segundo eles, esses países têm explorado a fragilidade e vulnerabilidade de certos estados africanos, o que amplia o risco de violência e instabilidade.

Além disso, eles observam que a Rússia e a China se aproveitam da fraqueza e da corrupção de alguns governos africanos, que corrói o Estado de Direito em diversas nações do continente, para conseguir colocar em marcha seus planos de ampliação de influência na região.

Existe também a preocupação sobre a possibilidade da Rússia e da China estarem comprometendo o meio ambiente e os direitos humanos de comunidades africanas.

Anna Borshchevskaya, do think tank Washington Institute, disse ao The Hindu que os "projetos de mineração da Rússia [na África] resultaram, segundo relatos, em altos níveis de compostos metálicos tóxicos, poluição dos recursos hídricos subterrâneos, solo e vegetação".

O futuro da geopolítica africana

Os recentes movimentos na África indicam que o continente está passando por uma transformação geopolítica profunda que poderá moldar o seu futuro. O declínio do “quase império” da França na África faz parte de uma tendência mais ampla de enfraquecimento da influência ocidental no continente. Já a ascensão da presença da Rússia e da China na África faz parte de um padrão maior, que revela o aumento da competição entre potências globais por recursos e influência no local.

As implicações dessas mudanças para a África são incertas e dependem de como os governos e as populações locais irão responder a elas.

Por um lado, a África poderá se beneficiar de mais oportunidades e opções para desenvolvimento e cooperação com diferentes parceiros. Por outro, poderá enfrentar mais desafios e riscos para a estabilidade e segurança devido a novas interferências externas e eventuais conflitos internos.

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