O filme se repete na Argentina: os produtores rurais voltam aos protestos em todo o país sob o argumento de que o governo não toma medidas concretas para o setor, enquanto o Executivo os acusa de preferir as medidas de força em lugar de negociar. O governo argentino pediu nesta quarta-feira (1) "reflexão" aos produtores rurais e os acusou de interromper o diálogo, com a decisão de fazer um locaute de seis dias a partir desta sexta-feira (3). O diálogo de surdos e mudos voltou a se instalar entre o campo e o governo de Cristina Kirchner.
"Esta medida nos surpreendeu muito porque não esperávamos um protesto em um momento em que vínhamos dialogando, inclusive íamos voltar a nos reunir nesta semana", afirmou o secretário de Agricultura, Carlos Cheppi, na noite de terça-feira. Segundo ele, o locaute "impede a continuação do diálogo", já que se um "setor anuncia um protesto é porque não quer dialogar". O conflito entre o campo teve início em março e durou até julho, com a derrota do aumento dos impostos sobre exportações (as chamadas retenciones). Desde então, as entidades rurais tentam negociar com o governo uma política para o setor, mas nenhuma medida concreta foi anunciada.
"Fizemos muitas coisas neste tempo. É um momento no qual a política internacional e a crise financeira nos apresentam um panorama difícil. Nesse contexto, esta medida de protesto ajuda muito pouco o país", reclamou Cheppi. As quatro entidades rurais mais representativas da Argentina anunciaram na terça-feira a volta do locaute e dos protestos por um período inicial de seis dias. O motivo é o mesmo que detonou a maior crise de sua história entre o governo e o setor agropecuário, em março deste ano: elevadas taxas sobre exportações, controles de preços e limitações para as exportações de carne, trigo e milho.
O novo presidente da Sociedade Rural Argentina (SRA), Hugo Biolcati, disse que o setor está pior do que antes das retenciones móveis, que o governo tentou aprovar no Congresso em julho passado e foi derrotado em uma votação desempatada pelo "voto não positivo" do vice-presidente Julio Cobos. Na Argentina, a Constituição diz que o vice-presidente é o presidente do Senado e tem a prerrogativa de votar em caso de empate. "Estamos em uma situação muito pior porque agora não são só as retenciones, mas a queda dos preços internacionais e a pior seca dos últimos 100 anos", reclamou Biolcati.
O presidente da Federação Agrária, Eduardo Buzzi, criticou a falta de diálogo do governo. Segundo ele, Cheppi se sentou poucas vezes para negociar e nunca apresentou uma proposta concreta para os problemas apresentados pelo setor.
Buzzi afirmou que a secretaria de Agricultura continua vazia de poder, apesar da troca de titulares, pois quem decide é a Casa Rosada. Reclamou que "depois do voto de (Julio) Cobos não houve mais reuniões com a presidente" Cristina Kirchner.
"Entramos no freezer", afirmou Buzzi, enquanto Biolcati completou que "o governo, desde o começo do conflito, especialmente depois da derrota no Congresso, quer ver o campo de joelhos com a idéia de recuperar o poder perdido". Para ele, o governo não quer resolver o problema do setor por questões "de caixa, para não perder arrecadação, e de ideologia, de uma convicção de Kirchner de que depois de ter sofrido uma derrota tão importante, a forma de recuperar a imagem perdida é a de impor uma humilhação a quem os derrotou".
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