Em um país onde todos os dias quase 600 milhões de internautas trocam mensagens e postam informações de todos os tipos, é cada vez mais difícil distinguir o que é boato do que é realidade. Por via das dúvidas, está proibido divulgar rumores em sites ou em redes sociais na China. A ordem é impedir que notícias falsas se espalhem pela internet criando pânico ou induzindo o cidadão comum ao erro. A iniciativa reforçada pelo novo xerife do ciberespaço do governo chinês é mais um desdobramento da guerra, cada vez menos silenciosa, que tem sido travada pelo governo na rede.
“Está proibido usar rumores para criar notícias ou usar conjecturas e a imaginação para distorcer fatos”, disse a Agência de Administração do Ciberespaço da China em declaração divulgada no último domingo. No início do ano, as autoridades já haviam fechado 580 contas em redes sociais, de celebridades locais inclusive, que estariam espalhando boatos ou informações erradas, segundo dados da agência.
Histórias bizarras de sopas feitas com fetos mortos, morte pelo vírus H7N9 por contaminação a partir de cerejas e outras frutas, ou rumores falsos sobre o movimento da bolsa de valores multiplicaram-se pela rede em uma fração de minutos no país e assustaram internautas. Nem mesmo a chamada “Grande Muralha da internet”, conhecida pelo poder de filtragem de informações na rede da China, tem sido capaz de conter o fluxo deste tipo de informações.
Um estudo recente divulgado pelo Instituto de Jornalismo e Comunicação da Academia Chinesa de Ciências Sociais revelou que pouco mais de 70% dos chineses admitem tender a acreditar em rumores na internet em vez de simplesmente ignorá-los.
“Tem muito informação que não é verdadeira. O certo é a gente procurar em mais de um lugar para saber, mas é tanta informação, que não dá. Às vezes, nos induzimos ao erro”, disse a vendedora Lui Chen, de 28 anos.
O Wechat, aplicativo semelhante ao Whatsapp e usado por centenas de milhões de chineses, é um dos alvos preferidos dos boatos. Por esta razão, foi criada a página oficial “Filtro de rumores” para que os usuários verifiquem a veracidade das informações que recebem pela rede social. De acordo com relatório do app, 36% dos boatos veiculados na plataforma são notícias falsas.
Censura?
O medo de muitos especialistas, contudo, é que, em um país onde a informação é tão controlada, isto se torne mais um mecanismo de censura. Em artigo editorial, o “Global Times”, jornal conhecido como um dos porta-vozes do Estado, defendeu a medida e lamentou que a mídia no Ocidente a veja de maneira negativa. Declarou que defende a liberdade de expressão, porém seguindo a letra da lei. O texto lembrou que, como a China, outros países também estão diante do desafio de regular a internet. E destacou os planos anunciados recentemente pelos Estados Unidos de averiguar os perfis nas redes sociais de estrangeiros que queiram entrar no país como forma de combater a disseminação do terrorismo.
A internet se tornou um dos grandes campos de batalha pela informação do governo chinês para manter-se forte. De acordo com estudo feito pelo professores Gary King, Jennifer Pan e Margaret Roberts, da Universidade de Harvard, as autoridades também têm feito questão de usar a rede em seu favor. Segundo o relatório “How the Chinese Government Fabricates Social Media Posts for Strategic Distraction” (”Como o governo chinês fabrica posts na rede social como tática diversionista”, em tradução livre), o governo estaria por trás de 488 milhões de comentários postados artificialmente nas redes sociais por ano. O número é o equivalente a um dia do volume de dados do Twitter no mundo.
Metade das mensagens positivas estaria em sites do governo. A outra metade seria espalhada entre 80 bilhões de posts pelas mídias sociais. Ou seja, de acordo com os dados do documento, um em cada 178 posts nos microblogs da China viriam do governo. Trata-se de uma gigantesca rede de contrainformação, em estratégia semelhante à empregada por várias empresas mundo afora. As informações pesquisadas pelo grupo mostram que a tática não é discutir com os céticos e críticos do partido e do governo, nem mesmo sobre os temas mais controversos.
“Entendemos que o objetivo dessa imensa operação é tentar distrair o público regularmente e mudar o assunto, ainda que os posts tenham por objetivo enaltecer a China, a história revolucionária do partido e outros símbolos do regime”, diz o documento.
Gary King, um dos autores do estudo, afirma que o governo chinês tem uma maneira peculiar de lidar com a internet. Estima-se que cerca de dois milhões de pessoas inundem as redes a partir de pseudônimos, com comentários que simulam opiniões de cidadãos comuns. Ele admitiu que há suspeitas de que outros governos e empresas façam o mesmo, embora as evidências sejam menos consistentes até o momento:
“O governo (chinês) tem uma perspectiva incomum e fascinante sobre a forma de gerenciamento e aprendizado da opinião pública do seu povo”.
Segundo King, no início, especulava-se entre ativistas, participantes de mídias sociais, jornalistas e acadêmicos que o movimento destas informações era feito por cidadãos comuns que recebiam dinheiro do governo: 50 centavos de yuan (quase R$ 0,25).
“Mas descobrimos que não era nada disso. Na verdade, eram funcionários do governo com outras funções que recebiam também esta incumbência. O outro equívoco era achar que essas pessoas discutiam ou brigavam na rede. Elas distraíam com grande quantidade de dados coordenados, sobre tópicos irrelevantes, como símbolos do regime, feriados nacionais. etc.”, destaca o professor.
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